terça-feira, 15 de abril de 2014

"É sempre difícil estabelecer estes limites entre ficção e realidade ao escrever um romance. O historiador tem um código mais rigoroso, uma relação mais respeitosa com a realidade histórica, enquanto o romance é o reino da liberdade. Não obstante, sou muito cuidadoso com os fatos históricos reais, não gosto de alterá-los, embora, em certas ocasiões, o desenvolvimento dramático peça aos gritos alguma violação dos acontecimentos, pois a realidade, como sabemos, é dramática à sua maneira, mas não à maneira do romance. O que costumo fazer é empreender a investigação mais aprofundada possível; procuro conhecer os personagens e seus contextos com muitos detalhes, e enxergá-los por dentro, não para analisá-los, mas para dar-lhes vida. Às vezes, um simples detalhe – o amor pelos cães, por exemplo – é mais revelador a respeito de um personagem do que toda a sua atuação histórica, e é aí que o romancista deve fazer suas escolhas, e pôr em linguagem estética, em função dramática, fatos que ocorreram na realidade, que ele pensa que devem ter ocorrido de determinada maneira a partir deste conhecimento adquirido."


Leonardo Padura discute "O homem que amava os cachorros" em entrevista publicada no Estadão.
Estamos entrando na semana santa católica e vale lembrar, para cristãos e não-cristãos, um ensinamento de Jesus aos seus discípulos: "onde está o teu tesouro, lá também está teu coração".
Jesus era um cabra porreta e atual em muitas de suas reflexões. De fato, há que escolher, como tesouro, a solidariedade ou o culto ao dinheiro, pois a acumulação desmedida deste, como vemos em nossa sociedade capitalista, com uma extrema minoria de bilionários e uma extrema maioria de miseráveis, depende da cisão de todos os laços de humanidade.

Antonio Castelo Branco Machado 

Estética da Desaparição

de Paul Virilio:


“'Quando funciona, está obsoleto!' É esse o paradoxo do Ocidente, insuficientemente questionado e convertido no lema de Lorde Mountbatten durante a última guerra, quando ele dirigia a pesquisa britânica em matéria de armamentos. Trata-se aqui da concorrência, da competição entre as diversas máquinas de guerra fabricadas por nações inimigas. Quando uma máquina funciona, logo deixa de ser uma 'surpresa' para o adversário e, com isso, perde sua eficácia, isto é, sua qualidade dominante de acidente. Mas, como sempre, no domínio técnico, a guerra é o melhor modelo. A máquina, por ter sido trazida ao mundo, já não faz parte da ausência; funciona e, no instante em que funciona, deixa de fazer parte daquilo que virá. Fica ultrapassada. Daí a necessidade do recorde de velocidade; esse recorde aproximará a máquina técnica de um sem-fim imaginário, visto que ninguém conhece os limites das altas velocidades."

Via-Láctea - XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".


- in 'Via-Láctea - XIII’, 1888. Olavo Bilac. Antologia: Poesias. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 37-55: Via-Láctea. (Coleção a obra-prima de cada autor).

Cogito


eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.


- Torquato Neto, em "Os cem melhores poemas brasileiros do século", [seleção e organização Ítalo Moriconi]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 269. 

Se você abrir teu casaco,
Terei que dar o dobro de amor.

Se você vestir o chapéu redondo e branco,
Terei que exagerar meu sangue.

Da sala onde você faz amor,
terão que tirar todos os móveis

todas as árvores, todas as montanhas, todos os oceanos.
O mundo é estreito demais.


*Yehuda Amichai (1924-2000). Versões elaboradas em cima das traduzidas do hebraico ao inglês por Chana Bloch e Stephen Mitchell (Selected Poetry of Yehuda Amichai, New York, Harper & Row). fonte: blog Sibila