sábado, 11 de janeiro de 2014
Sortilégio
Há um pensamento chorando dentro da noite erma.
Há um pensamento virgem, solitário,
apalpando a floresta,
roçando no rio largo,
por onde bóia, em cada estirão,
o sortilégio da mãe-d’água.
O jurutai canta para a lua cheia,
Os grilos arremedam o assobio do vento,
As nuvens sacodem chuva e tristeza
só porque eu quero luar nos meus pés.
E vem lá de dentro da mata,
lá de onde eu não sei como está,
a voz rouca do silêncio amazônico
consolando as umbaubeiras perdidas
que a trovoada vergou.
Há um pensamento chorando dentro da noite esquecida…
Descendo pela correnteza,
pedindo a mão das estrelas…
Há um pensamento com sono e sem poder dormir…
Marinheiro, vê se tu podes compreender
esse pensamento de mulher.
- Adalcinda Camarão, do livro "Poesia do
Grão-Pará" (seleção e notas de Olga Savary). Rio, Graphia, 2001.
Existe um pensamento político brasileiro?
O desenvolvimento não pode ser matéria de decretos, nem é
assim que uma nação aprende de outra. Uma elite não pode, pela compulsão, pela
ideologia, gerar a nação. A nação que quer se modernizar sob o impulso e o
controle da classe dirigente cria uma enfermidade, que a modernidade, quando
aflorar, extirpa, extirpando os Modernizadores. Todos os países que sofreram
modernizações (...) expulsaram, para que o desenvolvimento se irradiasse ao
povo, a elite, a classe dirigente, a burocracia (...). A modernidade emergiu
com a ruptura, construindo, sobre a ruína das autocracias o desenvolvimento,
capaz de se sustentar com o movimento próprio, eliminando, juntamente com os
males antigos, os males modernos. Todos deixaram de ser uma dualidade, uma
imobilizada oposição de direções, para revelarem sua identidade cultural, num
vôo próprio, dentro do universo, libertos da tradição e da contemplação
nacional.”
- Raymundo Faoro, em "Existe um pensamento político
brasileiro?". São Paulo: Ática, 1994, p. 113.
http://www.elfikurten.com.br/2013/12/raimundo-faoro.html
[o eixo: a envergadura: a tempestade: o todo
...
o eixo: a envergadura: a tempestade: o todo-
ária de pranto, advento de borrasca,
o mar sem remo tolda os horizontes,
Bóreas tem asco deste canto e vai-se —
a este, o meio. O mar, alto e bifronte,
o mastro verga ao peso de seus astros,
tudo perdura e passa, Vasco e pano,
a hora atordoada, a ponte, o gado —
estado, tempo insone, maremoto
o peixe em seu sepulcro, o céu doloso,
piso estelado, fulcro de tormentos,
nasce de baixo um feixe, um arco, um pasto —
inviolável ave, procelária,
próxima de seu cume, vela e prumo,
alemar, terraquem, céu soto e supra,
solto esqueleto alado, escuma e sulco,
protelado corcel e corolário
do mar e dor do ar e surto e fumo,
esquálido estilete, flecha e rumo,
esquálido estilete flecho e rumo.
- Mário Faustino, em "Os melhores poemas".
(organização Benedito Nunes). 2ª ed., São Paulo: Global, 1988.
Deito fora as imagens.
Sem ti, para que me servem
as imagens?
Preciso habituar-me
a substituir-te pelo vento,
que está em qualquer parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.
Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.
Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.
Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.
Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.
Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.
E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.
Raúl de Carvalho
A obscena senhora D
"Não pactuo com as gentes, com o mundo, não há um sol
de ouro lá fora, procuro a caminhada sem fim, te procuro, vômito, Menino-Porco,
ando galopando desde sempre búfalo zebu girafa, de repente despenco sobre as
quatro patas e me afundo nos capins resfolegando, sou um grande animal, úmido,
lúcido, te procuro ainda, agora não articulo, também não sou mudo, uns urros,
uns finos fortes escapam da garganta, agora eu búfalo mergulho, uns
escuros."
- Hilda Hilst, in “A obscena senhora D”, Editora Globo,
2001, p. 25.
Os últimos dias de paupéria
"Quando eu recito ou quando eu escrevo uma palavra, um
mundo poluído explode comigo e logo os estilhaços desse corpo arrebentado,
retalhado em lascas de corte e fogo e morte (como napalm), espalham
imprevisíveis significados ao redor de mim. [...] uma palavra é mais que uma
palavra, além de uma cilada. Agora não se fala nada e tudo é transparente em
cada forma; qualquer palavra é um gesto e em sua orla os pássaros de sempre
cantam apenas uma espécie de caos no interior tenebroso da semântica. [...]
Escrevo, leio, rasgo, toco fogo e vou ao cinema."
- Torquato Neto, em "Os últimos dias de paupéria".
(Organização Wally Salomão e Ana Maria Silva de Araújo Duarte). São Paulo: Max
Limonad, 1984, p. 98.
http://www.elfikurten.com.br/2013/08/torquato-neto-o-anjo-torto.html
AO ANOITECER O MEU CORAÇÃO
Ao anoitecer ouve-se o grito dos morcegos,
Dois morzelos saltam no prado,
O ácer rubro sussurra.
Ao viandante surge-lhe a pequena tasca à beira do caminho.
Que bem sabem vinho novo e nozes,
Que bom: cambalear bêbado no bosque que escurece.
Pelos ramos negros soam sinos doridos,
Caem na cara gotas de orvalho.
Georg Trakl
Tradução: Paulo Quintela
Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti -------------------
----------------------------- até que a dor alegre recomece.
Maria Gabriela Llansol
REMAR, CONVERSA
Noite. Passam deslizando
dois barcos. Dentro
dois jovens. Torsos
nus. Lado a lado remando
conversam. Conversando
remam lado a lado.
Bertolt Brecht
Tradução: Haroldo de Campos
O OUTRO
Feridas mais fundas do que em mim
abriu em ti o silêncio,
estrelas maiores
enredam-te na rede dos teus olhares,
cinza mais branca
repousa sobre a palavra em que acreditaste.
Paul Celan
Tradução: João Barrento
HOLLYWOOD
Toda manhã, para ganhar meu pão
Vou ao mercado, onde se compram mentiras.
Cheio de esperança
alinho-me entre os vendedores
Bertolt Brecht
Tradução: Haroldo de Campos
ALGUMAS PERGUNTAS A UM HOMEM BOM
Bom. Para quê?
Você não é corrupto,
Mas o raio que destrói a casa
Também não é corrupto.
Você diz: jamais se desdiz.
Mas o que você diz?
Você é de boa fé
Declara a sua opinião
Mas qual opinião?
Você tem coragem
Contra quem?
Você é um artista
Repleto de sabedoria
Pleno de talento
Para quem?
Você não visa o próprio interesse
O interesse de quem, então?
Você é um bom amigo,
De boa gente?
Então, escuta:
Nós sabemos que você é o nosso inimigo.
Por isso vamos te encostar no paredão.
Mas, em consideração aos seus méritos
E às suas boas qualidades,
Num bom paredão.
E te fuzilar com boas balas
Disparadas por bons fuzis
E te enterrar
Com boa pá
Em terra boa.
Bertolt Brecht
Tradução: Maria Alice Vergueiro / Catherine Hirsch
Política Cultural
Marilia Kubota
Apesar dos esforços do Ademir Demarchi em fazer um amplo
mapeamento da poesia no Paraná, publicar o resultado da investigação num jornal
como o "Cândido" não está com nada. Nem antologia patrocinada pela
BPPR, com fins marqueteiros. Em privado escrevi ao Ademir, não concordo com
esse marketing patrocinado pelo estado. Ah, literatura e poder. Já vimos esse
filme em Curitiba, com a Travessa dos Editores. Mas aqui, ter amnésia cultural
é estratégico.
Jorginho da Hora Ver "artistas" e produtores
culturais (hoje qualquer coisa é cultura e arte) chamando arte de produto como
já vi na televisão e em jornais é melancólico. Para esses zé ruelas tudo isso
que você escreveu aí é bobagem, não faz sentido algum. A única coisa que faz sentido para esses
mercenários é a palavra estourar e sucesso, sendo que se sucesso é isso que
eles imaginam, o traficante também é um homem bem sucedido, e daí ?
Mario Domingues Marilia Kubota, vou de moderado nesta
questão... a iniciativa do mapeamento é da BPP, para a qual chamou o Ademir
Demarchi... concordo com a má qualidade do Candido, na mesma linha rasteira do
Rascunho (abordagens sempre calcadas em "mensagem" e
significado" como se fosse possível fazer arte com espuma ou fumaça, e
destaque editorial para os compadres, polemicas com grandes poetas, só pra
chamar a atenção, etc). Mas discordo do fim marketeiro da iniciativa, porque
poesia não traz cartaz pra ninguém no mundo em que a gente vive. Outra coisa: o
produto é uma antologia, este é o resultado mais concreto. Topei participar
porque respeito o crivo crítico do Demarchi, que não trabalha na linha dos
compadrios... Longe de mim defender a a direção da bbltk, mas... ninguém
consegue ser medíocre sempre, o tempo todo... até pouco tempo atrás estes
meninos nem sabiam o que era poesia. Até a Gazeta do Povo, que escreve pra uma
província tão minúscula que me recuso a chamar de Curitiba, até a Gazeta já
anda publicando poesia, então, este mundo nem sempre é raso e rasteiro o tempo
todo.
Ademir Demarchi respeito as opiniões pessoais e as admiro,
como a postura crítica da Marilia, que tentei convencer em participar da
antologia, inutilmente, pois ela foi firme em sua decisão de não participar. No
entanto, no que me diz respeito esse assunto, em primeiro lugar devo dizer que,
embora procurando participar ativamente da cultura do Estado (entre antologias,
ensaios e resenhas e revistas, escrevo há mais de 5 anos num jornal em Maringá)
resido fora, muito longe daí da província, portanto alheio às questões locais
que, sei, são figadais, sempre, e não me interessaram para decidir fazer o
trabalho. Recebi um convite da instituição Biblioteca Pública do PR, que está
acima das pessoas que possam eventualmente administrá-las, é uma instituição
pública, tive total liberdade para fazer um trabalho que julgo sério, de
pesquisa e de seleção e análise, no qual em nada teve interferência de qualquer
pessoa. Os livros é que falam por si, no que há neles, não no que fazem deles.
Antes de terem lido o trabalho que fiz, sequer o ensaio que escrevi já o estão
tachando de "produto" me colocando na bacia de zé ruelas... Ora, zé
ruela é o que não lê... Creio que o melhor a fazer é abandonar essa leitura
desfocada e discutirem o conteúdo, o ensaio que escrevi e as questões que lá
coloquei, bem como a antologia que sairá. A discussão está aí, e não nesse
panfletarismo que somente seria aceitável se meu trabalho fosse o tal produto
esvaziado que o Fora de Hora aí comenta sem ter lido... Além disso, no que diz respeito à
instituição pública, cabe a ela realizar ações educativas e nesse quesito, no
que diz respeito à antologia e ao ensaio e poemas publicados no Candido, não
vejo marketing,mas o cumprimento dessa função, uma vez que os trabalhos falam
por si - a antologia será distribuída em todas as bibliotecas publicas do
Estado. E com isso não estou defendendo governo nenhum. Vejam a coleção Brasil
Diferente feita no governo Lerner - ele se foi, mas o trabalho realizado pelo
Miguel Sanches Neto está aí ainda ecoando para quem lê. Há que se fazer essas
distinções e não confundir tanto as coisas. Estou preocupado com a formação de
novos leitores, com a circulação da cultura do Estado (especialmente da
poesia), que vai se disseminar com trabalhos como esse que tem um valor acima
de questões políticas (que não devem ser menosprezadas, afinal isso também está
no meu trabalho, não de forma partidarizada).
Marilia Kubota Tem razão, Jorginho, estamos na época de
pleno vapor do marketing cultural. Para que possa sobreviver, a cultura está
enquadrada em editais. Todos nós , artistas, nos últimos anos, corremos atrás
de editais para poder sobreviver de nosso trabalho. Mas há quem se desvie dos
editais e, por ser amigo do rei, tenha privilégios. Conhecemos esses casos aqui
em Curitiba.
Mario Domingues o resultado, a culminância, o objetivo, o
suporte, Ademir, é a antologia...todas palavras melhores que produto, palavra
bastante judiada, que empreguei mal neste contexto. Abraço e parabéns pelo
trabalho.
Ademir Demarchi Prezada Marilia, ainda que talvez (espero)
não queira, sua afirmação, tal como está, deixa sugerido, já que o motivo
originário dos comentários é o trabalho que fiz para a BP, que me enquadro nos
que desviam dos editais, são amigos do rei, tem privilégios - por isso, já que
você generaliza não fazendo a devida ressalva, digo que fui convidado a fazer
um trabalho sobre poesia em nome da minha experiência (ou notório saber, como
se diz no jargão legal para explicar por que às vezes não se faz licitação para
elaborar um trabalho) que ela sim me autoriza a fazer isso, acima de todas
essas questiúnculas, uma vez que, só para ficar no último trabalho, editei 6
números da Babel Poética, resultado de um projeto premiado em primeiro lugar
entre 170 outros - nacionalmente - pelo MinC, por uma comissão composta por
críticos e professores de universidades federais acima de qualquer suspeita.
Indo por esse caminho anulatório do trabalho realizado daqui a pouco estarei
sendo chamado de Leni Riefenstahl, ilustre colaboracionista do regime
nazista... Ora, ora, ora, ocorre que estamos num espaço democrático, as
instituições existem e falam mais alto que os que as ocupam eventualmente,
instituições essas construídas graças ao esforço coletivo e das quais devemos
exigir que tenham ações positivas como essas de publicar livros, publicar
editais. Cordialmente, vou ler poesia. Abraço
Marilia Kubota Mário, um jornal patrocinado por uma
Secretaria da Cultura não tem uma linha editorial totalmente isenta. Nem o
Nicolau, que nasceu com uma concepção muito mais libertária tinha, sofria
imposições na pauta. O "Cândido", com certeza, funciona para pagar
dívidas de campanha eleitoral. É "obrigado" a trazer artigos sobre
escritores do Paraná por ser patrocinado pelo governo do Paraná. Por isso
encomenda pautas a gente que tem aval, como Ademir Demarchi, ou, se serve de
nomes dos autores do Paraná, como Valencio Xavier. São duas publicações
distintas, o "Candido", cujo co-editor é o diretor da Biblioteca
Pública do Paraná e o "Rascunho", cujo editor é o empresário Rogério
Pereira. Engraçado por tudo estar concentrado numa mesma pessoa, uma
publicação, que cresceu espicaçando os poetas do Brasil se confunde com outra,
que precisa tanto dos poetas como dos escritores do Paraná para ter
legitimidade. Creio que o conluio entre o público e o privado confunde a todo
mundo, e aí não se sabe o quanto um favorece o outro. A minha crítica em
relação à atual gestão da Biblioteca Pública do Paraná sempre foi essa. Se isso
não é mediocridade cultural , não sei o que é.
Marilia Kubota Ademir, em primeiro lugar: em termos de
literatura, não há províncias. Há, sim, atitudes provincianas. Contesto a quem
diga que Curitiba é uma província cultural, se há grandes escritores que
nasceram aqui. Dalton nasceu aqui e se correspondia com os maiores escritores do
Brasil, e lia literatura russa e alemã. Portanto, não é preciso morar em Nova
Iorque para ser cosmopolita. Mas há os que dizem, em todos os lugares em que
vão: "Curitiba é uma merda". E acham que a partir deles é que
começaram as luzes na cidade. Esses provincianos, que ignoram a história da
cidade, do Estado, do país e do mundo é que precisam do poder para se assegurar
de suas virtudes nulas. O seu trabalho, Ademir, tenho, certeza, é muito
profissional, como já foi a antologia "Passagens". Mas eu não tenho o
mesmo ponto de vista em relação a "relações figadais". É muito mais
do que divergências pessoais, se trata de postura política. Ou você aceita uma
política cultural ou não. Em relação ao mapeamento, sei que listou muita gente
boa e competente. Prefiro comentar quando ler a matéria impressa.
Marilia Kubota Ademir, o "amigo do rei" é outro...
Rogéria Reis Existe um plano nacional de cultura que o
Estado busca cumprir. Assisti a uma palestra de uma representante do Minc em
que afirmou a existência de verba para a cultura. A burocracia e complexidade
dos editais deixa de fora os artistas populares e estes realizam uma arte
independente com todas as dificuldades que todos já conhecemos.
Ademir Demarchi Marília, será um prazer ler suas críticas
tanto ao ensaio do Candido quanto à antologia, se isso te motivar. Como disse
antes, respeito e admiro sua opinião e meus comentários aqui são posturais,
nada pessoais. abraço
Marilia Kubota Rogéria, as políticas culturais são
determinadas por cada administração, de acordo com seu perfil. Do MinC vem a
política dos editais , em que o Estado não pode mais criar projetos com
recursos próprios. O jornal Nicolau, por exemplo, foi patrocinado pela
Secretaria do Estado do Paraná, nos anos 90, não era projeto de lei de
incentivo. Até a gestão anterior (Requião) havia projetos diretamente
administrados pela Secretaria da Cultura que não eram terceirizados. Um artista
poderia fazer uma reunião com o Secretario da Cultural e propor um projeto .
Hoje isso não é mais possível, só os que são muito amigos conseguem reunião e
aprovação de projetos fora das leis de incentivo.
Rogéria Reis Temos observado um movimento no campo da
poesia.Digo movimento, pois tem se expandido a cada dia. Um movimento que se
iniciou nas periferias de SP.Os rappers tem grande contribuição nisso.São coletivos de poesia por todo lado, com microfone aberto.Fora
os grupos nas redes sociais. Uma febre que tem atraído a mídia. João do
corujão, um grande incentivador da leitura e da poesia com seu coletivo
"Corujão da poesia", ganhou destaque na mídia e já conta com apoio de
artistas.
Penso que poesia já é economicamente viável sim até pelo
recente interesse editorial. Vejam que Leminsnki vendeu horrores.
Aqui no RJ carioca que não é bobo nem nada já mapeou os
coletivos de poesia e incluiu no circuito cultural.
Rogéria Reis E já lançou o movimento Rio capital da poesia,
baseado no princípio da economia criativa, cidade criativa coisa e tal. É uma
corrida do ouro. Diante disso é necessário que as cidades, regiões, seja lá o
que for elejam seus nomes no cenário poético e invistam nesses nomes. Me parece
que foi isso que a biblioteca pública tentou fazer e nisso vocês saíram na
frente.
Rogéria Reis Achei interessante o Ademir Demarchi, ter esse
cuidado de incluir na lista, os poetas que sempre acreditaram na poesia. Pensem
que grande parte dos poetas mais expressivos não estão entre nós.Precisamos de
um sociedade de poetas mortos mas também de vivos. Quanto as instituições?
Cumprem seu papel positivista de legitimar.
Marilia Kubota Bem, sempre houve movimento na poesia, a
questão é que agora há um maior interesse da classe média na poesia. Quando eu
comecei, os conceitos de poesia e marginalidade andavam juntos. Não existiam
saraus de poesia, as declamações eram feitas nos bares, como no Bar do Cardoso
e no Trem Azul, e improvisadas, sem luzes e microfones. Hoje, para falar em
público é preciso que tudo seja produzido. No recital "Cutucando a
inspiração", em que participei, vi que para poetas como Baptista do Pilar
e Altair de Oliveira, e próprio Geraldo Magela, falar um poema em público é
algo muito natural. Gostaria de ter o dom desses poetas. Aliás, Magela foi
outro que parece ter ficado fora do mapeamento do Ademir, e também Monica
Berger, Eudes Berger...
Rogéria Reis Não que não houvesse mas era mais focal.Hoje o
movimento é mais propagado até por conta das redes sociais e busca uma
unificação. Não sei aí em Curitiba mas a poesia no RJ está com força total nas
periferias e chegando nas escolas públicas. Em São Paulo também. Já temos
festas literárias nas periferias e favelas.
Rogéria Reis Veja que dias atrás o Roberto Prado foi em um
evento em Natal, onde o Marcos Prado foi homenageado. Achei interessante essa
iniciativa e essa interação. E quanto a poesia marginal, o movimento não
envolvia as donas de casa, por exemplo. Hoje, elas tiram seus caderninhos da
gaveta e vão embora. Lindo de ver e muito emocionante também. Mulheres das
favelas que perderam seus filhos na guerra do narcotráfico, encontraram na
poesia uma forma de expressão.
E por aí vai.
CONVERSAS COM CASCAS DE ÁRVORE. TU,
tira a casca, anda,
tira-me, feito casca, da minha palavra.
É tarde já, mas nós
queremos estar nus e à beira
da navalha.
Paul Celan
Tradução: João Barrento
A QUEIMA DE LIVROS
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do
poder.
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queimem-me!
Bertolt Brecht
Tradução: Paulo César Souza
SOBRE UM LEÃO CHINÊS DE RAIZ DE CHÁ
Os maus temem tuas garras.
Os bons alegram-se com teu garbo.
O mesmo
quero ouvir
de meus versos.
Bertolt Brecht
Tradução: Haroldo de Campos
Recordação
E tu esperas, aguardas a única coisa
que aumentaria infinitamente a tua vida;
o poderoso, o extraordinário,
o despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.
Nas estantes brilham
os volumes em castanho e ouro;
e tu pensas em países viajados,
em quadros, nas vestes
de mulheres encontradas e já perdidas.
E então de súbito sabes: era isso.
Ergues-te e diante de ti estão
angústia e forma e oração
de certo ano que passou.
- Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"
(Tradução de Maria João Costa Pereira).
RETRATO DE UMA SOMBRA
RETRATO DE UMA SOMBRA
Os teus olhos, rastro de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
a tua sobrancelha, orla pelo caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campos de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, alámos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campos de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.
Paul Celan
Tradução: João Barrento
(Do livro A morte é uma flor. Lisboa: Cotovia, 1998)
EPITÁFIO
Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade
Bertolt Brecht
Tradução: Haroldo de Campos
Cem Sonetos de Amor
Eu amo-te sem saber como, ou quando, ou a partir de onde. Eu
simplesmente amo-te, sem problemas ou orgulho: eu amo-te desta maneira porque
não conheço qualquer outra forma de amar sem ser esta, onde não existe eu ou
tu, tão intimamente que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão, tão
intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se.
Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"
In Sexus Veritas
Sinto a tua pele e sinto que vamos a tempo;
é quando sinto a tua pele que sinto que vamos a tempo;
deliciosamente a tempo;
pornograficamente a tempo.
Se não é pornográfico: então não é amor.
O cheiro;
o cheiro a tudo.
Se cheira a tudo, se sabe a tudo, se rasga tudo, se pisa
tudo, se come tudo, se quer tudo, se te faz tudo: então é tudo.
Se é tudo: então é amor.
in "In Sexus Veritas", de Pedro Chagas Freitas
Encomenda de um ou mais exemplares (quase 1500 páginas)
autografados, basta enviar e-mail para fabricaescrita@gmail.com
MANUAL DA NOVA POESIA
Mark Strand. Para Greg Orr e Greg Simon
1 Se um homem compreende um poema
terá problemas.
2 Se um homem vive com um poema
morrerá sozinho.
3 Se um homem vive com dois poemas
será infiel a alguém.
4 Se um homem concebe um poema
terá menos um filho.
5 Se um homem concebe dois poemas
terá dois filhos a menos.
6 Se um homem tem uma coroa na cabeça quando escreve
será descoberto.
7 Se um homem não usar uma coroa na cabeça enquanto escreve
não enganará ninguém a não ser ele mesmo.
8 Se um homem fica furioso num poema
será desprezado pelos homens.
9 Se um homem continuar furioso num poema
será desprezado pelas mulheres.
10 Se um homem denunciar publicamente a poesia
os seus sapatos ficarão cheios de urina.
11 Se um homem desiste da poesia a favor do poder
terá muito poder.
12 Se um homem se envaidecer por causa dos seus poemas
será amado pelos tolos.
13 Se um homem se envaidecer por causa dos seus poemas e
amar os tolos
não escreverá mais.
14 Se um homem pede atenção por causa dos seus poemas
será como um burro ao luar.
15 Se um homem escreve um poema e elogia o poema de um
companheiro
terá uma amante esplendorosa.
16 Se um homem escreve um poema e elogia exageradamente um
poema
de um companheiro
afugentará a sua amante.
17 Se um homem reivindica o poema de outro
o seu coração ficará com o dobro do tamanho.
18 Se um homem deixar os seus poemas ficarem nus
terá medo da morte.
19 Se um homem tem medo da morte
será salvo pelos seus poemas.
20 Se um homem não tem medo da morte
poderá, ou não, ser salvo pelos seus poemas.
21 Se um homem termina um poema
banhar-se-á na esteira vazia da sua paixão
e será beijado pela página em branco.
(Versão a partir do original - reproduzido em New selected
poems,Alfred A. Knopf, Nova Iorque, 2009, pp. 43-44 - e da tradução castelhana
de Eduardo Chirinos reproduzida em Sólo uma canción, Pre-Textos, Valência, pp.
27-31).
El día que te besé, la última cucaracha
se murió. Las Naciones Unidas
abolieron todas las cárceles. El papa
admitió a Jean Genet como miembro
del Colegio de Cardenales. La
Fundación Ford, con gasto enorme,
reconstruyó la ciudad de Atenas.
El día que hicimos el amor, el dios pan
volvió a la Tierra, Eisenhower dejó
de jugar al golf. Los supermercados
vendieron mariguana. Y Apolo leyó
poemas en el parque Union Square.
El día que retozaste en mi cuerpo
las bombas
se disolvieron.
Diane di
Prima (Brooklyn, New York, EE.UU., 1934)
Traducción de José Vicente Anaya
TRES PEQUENAS PARÁBOLAS PARA MEUS AMIGOS POETAS
Stanley Kunitz
1
Certas espécies de sáurios, especialmente os lagartos, são
capazes de largar as suas caudas como forma de auto-defesa quando se sentem
ameaçadas. O apêndice separado, assumindo uma vida própria e remexendo-se
furiosamente, desvia a atenção para si. Tão depressa como o gato-bravo lança as
garras sobre a cauda que se agita, prendendo-a na areia para a abocanhar e
esmagar, assim o lagarto livre escapa apressadamente. E uma nova cauda começa a
crescer no lugar daquela que foi sacrificada.
2
A larva do escaravelho-tartaruga tem o excelente hábito de
recolher os seus excrementos e restos de pele dentro de uma bolsa que carrega
às costas quando avança em campo aberto. Se não fosse esse escudo fecal
apareceria nu diante dos seus inimigos.
3
Entre os Beduínos, os poetas-pedintes do deserto são vistos
com desprezo por causa da ganância, da habilidade para roubar e da sua
venalidade. Nos diversos acampamentos toda a gente sabe que os poemas de louvor
podem ser comprados, mesmo pelos piores canalhas, com comida ou dinheiro. Além
disso, estes bardos vagabundos são conhecidos por roubarem ideias, versos e
mesmo canções completas a outros. Muitas vezes a sua recitação é interrompida
pelos gritos dos homens agachados em volta das fogueiras: "Farsantes. Roubastes
isso deste e daquele!" Quando o poeta tenta defender-se, recorrendo a
testemunhas que comprovem a sua honradez ou, em casos extremos, apelando a Alá,
os seus ouvintes apupam-no, gritando, "Kassad, kaddad! Um poeta é um
mentiroso."
(Versão do original reproduzido em The collected poems, W.W.
Norton & Company, Nova Iorque/Londres, 2002, pp. 234-235).
REFLEXOS, REFLEXÕES
REFLEXOS, REFLEXÕES
Stanley Kunitz
Há uns anos cheguei à compreensão de que a força mais
pungente de todas as tensões líricas resiste à consciência de que enquanto
vivemos já estamos a morrer. Aceitarmos este tipo de conhecimento e, apesar
dele, sermos capazes de nos mantermos íntegros e dotados de compaixão - esta é
a razão última do trabalho em arte.
No âmago da existência de cada um de nós existe um fundo de
energia que nada tem a ver com a identidade pessoal, mas que deriva do ser e
funde-se com a natureza e o universo. O homem desempenha apenas um pequeno
papel em todo o maravilhoso espectáculo da criação.
Os poemas seriam fáceis se as nossas mentes não estivessem
tão atafulhadas com o ruído dos dias. A tarefa é conseguir chegar à outra
margem, onde podemos escutar os ritmos profundos que nos ligam às estrelas e às
correntes.
Eu insisto nas minhas tentativas de dominar a linguagem, de
modo a não ter de mentir. E continuo a ler os mestres, porque eles
contaminam-me com as possibilidades do humano.
Os poemas que escrevemos nunca nos satisfazem, uma vez que,
mesmo nos casos mais felizes, não passam de um eco enfraquecido de uma canção
que talvez tenha sido ouvida uma ou duas vezes no tempo de uma vida e que
continuamente tentamos relembrar.
Eu gosto de pensar que é o amor do poeta pelo particular,
pelas coisas deste mundo, que o conduz ao universal.
Uma coisa mal feita desmorona-se. Uma obra de arte
defeituosa não demora mais do que uns anos a perder a maior parte da sua
energia. Para o dizer de maneira simples, a conservação da energia é a função
da forma.
Fomos todos expulsos do Jardim, mas os que mais sofrem no
exílio são aqueles a quem ainda é permitido sonhar com a perfeição.
Por vezes sinto-me envergonhado por ter escrito tão poucos
poemas sobre temas políticos, sobre as causas que me interessam. Mas então
lembro a mim próprio que decidir viver como poeta no contexto do moderno
super-estado é em si mesma uma acção política.
Há sempre uma canção que subjaz sob a superfície dos meus
poemas. A luta entre o encantamento e o sentido. O encantamento quer dominar.
Ele não precisa realmente de uma língua: tudo o que precisa é de sons. O
sentido tem de lutar para se afirmar a si mesmo, para se engastar no ritmo e
tornar-se inseparável dele.
Aos oitenta e sete anos Miró disse a um entrevistador que se
sentia mais próximo dos "jovens - de todas as novas gerações". Da
infância à maturidade, meditou ele, "sempre vivi uma vida muito intensa,
quase como um monge, uma vida austera. Foram-se soltando as pequenas folhas,
flutuaram, dispersaram-se a si mesmas. Mas o tronco da árvore e os ramos
mantiveram-se sólidos."
Sim, admitiu ele, o seu estilo mudou - mudou várias vezes,
de facto, ao longo da sua vida. Mas estas mudanças não implicaram uma rejeição
do que fizera antes.
Na minha idade, depois de ultrapassares - ou de
deploravelmente julgares que ultrapassaste - as ansiedades e complicações
impertinentes da juventude, com que te deves confrontar se não com as questões
simples e essenciais? Eu nunca me canso do canto dos pássaros e do céu e das
estações. Quero escrever poemas que sejam verdadeiros, luminosos, profundos,
sóbrios. Sonho com uma arte tão transparente que possas olhar através dela e
ver o mundo.
(Versão do original reproduzido em The collected poems; W.W.
Norton & Company, Nova Iorque/Londres, 2002, pp. 13-14).
Silêncio
Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.
- Octavio Paz, in "Liberdade sob Palavra" (Tradução de Luis Pignatelli)
Memória de Minhas Putas Tristes
"Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu
lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio
merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de
simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza."
- Gabriel García Márquez, in 'Memória de Minhas Putas
Tristes'.
EPITÁFIO 1919
A Rosa Vermelha desapareceu.
Para onde foi, é um mistério.
Porque ao lado dos pobres combateu
Os ricos a expulsaram de seu império.
Bertolt Brecht
Tradução: Paulo César Souza
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