REFLEXOS, REFLEXÕES
Stanley Kunitz
Há uns anos cheguei à compreensão de que a força mais
pungente de todas as tensões líricas resiste à consciência de que enquanto
vivemos já estamos a morrer. Aceitarmos este tipo de conhecimento e, apesar
dele, sermos capazes de nos mantermos íntegros e dotados de compaixão - esta é
a razão última do trabalho em arte.
No âmago da existência de cada um de nós existe um fundo de
energia que nada tem a ver com a identidade pessoal, mas que deriva do ser e
funde-se com a natureza e o universo. O homem desempenha apenas um pequeno
papel em todo o maravilhoso espectáculo da criação.
Os poemas seriam fáceis se as nossas mentes não estivessem
tão atafulhadas com o ruído dos dias. A tarefa é conseguir chegar à outra
margem, onde podemos escutar os ritmos profundos que nos ligam às estrelas e às
correntes.
Eu insisto nas minhas tentativas de dominar a linguagem, de
modo a não ter de mentir. E continuo a ler os mestres, porque eles
contaminam-me com as possibilidades do humano.
Os poemas que escrevemos nunca nos satisfazem, uma vez que,
mesmo nos casos mais felizes, não passam de um eco enfraquecido de uma canção
que talvez tenha sido ouvida uma ou duas vezes no tempo de uma vida e que
continuamente tentamos relembrar.
Eu gosto de pensar que é o amor do poeta pelo particular,
pelas coisas deste mundo, que o conduz ao universal.
Uma coisa mal feita desmorona-se. Uma obra de arte
defeituosa não demora mais do que uns anos a perder a maior parte da sua
energia. Para o dizer de maneira simples, a conservação da energia é a função
da forma.
Fomos todos expulsos do Jardim, mas os que mais sofrem no
exílio são aqueles a quem ainda é permitido sonhar com a perfeição.
Por vezes sinto-me envergonhado por ter escrito tão poucos
poemas sobre temas políticos, sobre as causas que me interessam. Mas então
lembro a mim próprio que decidir viver como poeta no contexto do moderno
super-estado é em si mesma uma acção política.
Há sempre uma canção que subjaz sob a superfície dos meus
poemas. A luta entre o encantamento e o sentido. O encantamento quer dominar.
Ele não precisa realmente de uma língua: tudo o que precisa é de sons. O
sentido tem de lutar para se afirmar a si mesmo, para se engastar no ritmo e
tornar-se inseparável dele.
Aos oitenta e sete anos Miró disse a um entrevistador que se
sentia mais próximo dos "jovens - de todas as novas gerações". Da
infância à maturidade, meditou ele, "sempre vivi uma vida muito intensa,
quase como um monge, uma vida austera. Foram-se soltando as pequenas folhas,
flutuaram, dispersaram-se a si mesmas. Mas o tronco da árvore e os ramos
mantiveram-se sólidos."
Sim, admitiu ele, o seu estilo mudou - mudou várias vezes,
de facto, ao longo da sua vida. Mas estas mudanças não implicaram uma rejeição
do que fizera antes.
Na minha idade, depois de ultrapassares - ou de
deploravelmente julgares que ultrapassaste - as ansiedades e complicações
impertinentes da juventude, com que te deves confrontar se não com as questões
simples e essenciais? Eu nunca me canso do canto dos pássaros e do céu e das
estações. Quero escrever poemas que sejam verdadeiros, luminosos, profundos,
sóbrios. Sonho com uma arte tão transparente que possas olhar através dela e
ver o mundo.
(Versão do original reproduzido em The collected poems; W.W.
Norton & Company, Nova Iorque/Londres, 2002, pp. 13-14).
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