sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Peça de museu

Voluptuosidad incomparable, inefable embriaguez,

Yo te canto



Paul Verlaine









JOSÉ MARÍA ÁLVAREZ

Um escultor, um dia – Augusto Clésinger

se chamava – entregou ao mundo

essa «mulher mordida por uma áspide»

que um museu hoje conserva.

Os turistas

passam junto dela; se um deles se detém

lê a inscrição e continua

a sua visita. Ou com frequência

são grupos de miúdos, dirigidos

por um professor que lhes explica

os efeitos da terrível mordedura,

como o autor captou a dor,

a angústia, o medo.

E contudo

bastar-lhes-ia contemplar o voo desses olhos,

esse rosto, escuta os suspiros

que saem da sua boca, desse peito

pelo amor dilatado, esse flanco que se curva,

essas coxas que cerra

o gozo,

para entenderem

que não é a Morte que toma

essa mulher, mas o prazer,

o êxtase, o absoluto

aniquilamento do orgasmo.

Se o bom Auguste Clésinger

se viu forçado pela censura do seu tempo

a inventar uma história trivial

que permitisse às suas fantasias

serem expostas no Salão de 47,

que subtil, sedutor, inteligente

foi, para nos legar essa beleza apaixonada:

o instante supremo

em que uma mulher entrega a sua carne

à História.



traduzido por Joaquim Manuel Magalhães e editado pela Relógio d’Água em “Poesia Espanhola de Agora."

Fonte:blog leituras favre

Poemas de Julia Larré

Julia Larré – Escritoras Suicidas


envolto por cerca elétrica



Lâminas, pontas, estrelas de abismo



Chão.



Guerreia com a noite, suporta exausto



Aguenta a nefasta solidão.



Espectador de farpas, explosão.



Seccionado, metade.



Pulsa o necessário.



Não chama por nomes.



Envolto por cerca elétrica.



*



Minha casa



fica nua



muda



nos dias do



adeus.



quebra regras



impõe



desejos



desestrutura



as vigas



de mim.



*



Minha música



é minha manta



coberta de estrelas vagas



calcanhar tolo que anda



por muitas e mais calçadas



Todos andam à escuta



vesti-la é mesmo que nada



*



é que as horas



não me são



suficientes.



elas vêm



pintam meus dedos



fecham meus olhos



e o sono



não chega.



é que as horas



trazem



de volta



o tempo



que nem houve.



drag-queen



Teu nome soa



ecoa



em meu ventre.



Meu corpo sabe



teu reino



é esse.



Dorme



que o dia



começa



e teus sonhos



enchem



a noite.



0 (zero)



o homem caminha



por entre



nuvens



e



círculo



sabe de sua rota



olha o éter —



o eterno retorno —



corre o risco



de seguir



o caminho



desconhecido.



*



morte melhor



para que o corpo



permaneça



entreaberto



para que a alma fique —



eternidade —



nada é entristecedor



meu nirvana é o



caos





Julia Larré. Poeta, vive em Recife/PE

Fonte: Blog Escritoras Suicidas