Ricardo Ramos Filho
Outro dia peguei um taxi. Corrida curta que o tráfego
complicado transformou em oportunidade de prolongado bate-papo. O motorista era
jovem e falava pelos cotovelos. A mesma reclamação de todos: excesso de multas.
Contou-me sobre um médico conhecido dele. A figura comprou um carro e registrou
como sendo da sogra, velhinha entrevada e desabilitada, para tentar fugir do
acúmulo de pontos na carteira. No andar da carruagem acabaria tendo a licença
para conduzir o veículo suspensa. Achei a ideia boa, ainda não tinha pensado
nela. No trajeto passamos por alguns radares. Agora em cada esquina existe um
com diversas funções: punir excesso de velocidade, verificar se o indivíduo
está burlando o dia do rodízio, se ultrapassou o farol vermelho. Como tudo em
nosso grande país desimportante o intuito não é educar, ensinar o povo a andar
dentro de normas civilizadas. O negócio é faturar, encher os cofres da
administração, autuar o cidadão. E então o Jurandir, nessa altura já sabia o
nome do rapaz, fez-me uma confissão, em tom um pouco mais baixo. Contou-me que
à noite, na madrugada fria paulistana, reúne uns camaradas e sai detonando os
delatores eletrônicos. Quebram o maior número possível. Olho por olho, dente
por dente. Fiquei calado ouvindo. Meu primeiro impulso foi condenar a atitude.
Afinal são equipamentos caros, comprados com o dinheiro dos nossos impostos.
Mas já estávamos chegando ao meu destino. Paguei a corrida, nos despedimos.
Desejou que eu fosse com Deus. Sempre acho engraçado quando me pedem para ir
com Ele. Dentro do elevador senti vontade de quebrar a câmera que me vigiava.