quinta-feira, 28 de março de 2013



Ricardo Ramos Filho

Outro dia peguei um taxi. Corrida curta que o tráfego complicado transformou em oportunidade de prolongado bate-papo. O motorista era jovem e falava pelos cotovelos. A mesma reclamação de todos: excesso de multas. Contou-me sobre um médico conhecido dele. A figura comprou um carro e registrou como sendo da sogra, velhinha entrevada e desabilitada, para tentar fugir do acúmulo de pontos na carteira. No andar da carruagem acabaria tendo a licença para conduzir o veículo suspensa. Achei a ideia boa, ainda não tinha pensado nela. No trajeto passamos por alguns radares. Agora em cada esquina existe um com diversas funções: punir excesso de velocidade, verificar se o indivíduo está burlando o dia do rodízio, se ultrapassou o farol vermelho. Como tudo em nosso grande país desimportante o intuito não é educar, ensinar o povo a andar dentro de normas civilizadas. O negócio é faturar, encher os cofres da administração, autuar o cidadão. E então o Jurandir, nessa altura já sabia o nome do rapaz, fez-me uma confissão, em tom um pouco mais baixo. Contou-me que à noite, na madrugada fria paulistana, reúne uns camaradas e sai detonando os delatores eletrônicos. Quebram o maior número possível. Olho por olho, dente por dente. Fiquei calado ouvindo. Meu primeiro impulso foi condenar a atitude. Afinal são equipamentos caros, comprados com o dinheiro dos nossos impostos. Mas já estávamos chegando ao meu destino. Paguei a corrida, nos despedimos. Desejou que eu fosse com Deus. Sempre acho engraçado quando me pedem para ir com Ele. Dentro do elevador senti vontade de quebrar a câmera que me vigiava.


Devemos ser a luta para dizer e sermos ditos, para decidir e ter a responsabilidade sobre aquilo que decidimos, para criar e viver seguindo princípios por nós consensuados, sem imposição ou dominação sobre o outro; conscientes daquilo que fazemos e de seus resultados sobre a sociedade. Sem dogmas,sem líderes, sem qualquer adesão ou subjugo baseado em uma moral de classe.
Tullio Estef. Sartini

Nic dwa razy*




à Wislawa Szymborska


Tua asa em meu jardim chega
como se fosse uma pluma do Éden
paro, observo…

ela vem úmida
ela vem com sal

corro à piscina
vejo o banho do pássaro
olho à gaiola
ele lá está

enfim,
tudo em seus contornos

olho ao céu
a tempo de perceber um arco-íris em luz…

Carmen Silvia Presotto - Vidráguas, revitalizando um poema...

* Nada acontece duas vezes, é o título de um poema de Wislawa Szymborska

A solidão do cárcere






Neste terrível sepulcro da existência
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razão se vê sem arte,
Com que dome a frenética impaciência.

Aqui pela opressão, pela violência
Que em todos os sentidos se reparte,
Transitório poder quer imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotência!

Aqui onde o que o peito abrange e sente,
Na mais ampla expressão acha estreiteza,
Negra ideia do abismo assombra a mente.

Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e não gozar da Natureza?

- Bocage

O sexo no espelho



O sexo no espelho
O amante
predispunha o espelho
para duplicar o amor.
Múltiplos corpos,
avidez do resgate,
a noite lúdica.
Hoje, no espelho,
a solidão em dobro.

(poema de Celina Ferreira-(1928-2012) poeta mineira, jornalista e redatora que conquistou a admiração de Drummond e Manuel Bandeira. Fez muita literatura infantil e recebeu vários prêmios por seus livros nessa área. Publicou Poesia de Ninguém (1954) Poesia Cúmplice(1959) Hoje Poemas (1967) e Espelho Convexo (1973).Celina está na série AS MULHERES POETAS. Se quiser ler mais, clique no link 



História e Utopia



Ao divinizar a história para desacreditar Deus, o marxismo só conseguiu tornar Deus mais estranho e mais obsedante. Pode-se sufocar tudo no homem, salvo a necessidade de absoluto, que sobreviverá à destruição dos templos, e mesmo ao desaparecimento da religião sobre a terra.

[Emil Cioran - História e Utopia]