sexta-feira, 20 de setembro de 2013

ENTRE SONO E SONHOS

Entre mim e o que em mim 
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além, 
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre
 — Esse rio sem fim.

 Fernando Pessoa



O RIO DE MINHA ALDEIA


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.


Fernando Pessoa, por: Alberto Caeiro