Uma boa política externa exige prudência, mas também ousadia. Em oito anos, o Brasil mudou de patamar, diz o chanceler
Celso Amorim – O Estado SP
Há sete anos, quando se falava na necessidade de mudanças na geografia econômica mundial ou se dizia que o Brasil e outros países já deveriam desempenhar papel mais relevante na OMC ou integrar de modo permanente o Conselho de Segurança da ONU, muitos reagiam com ceticismo. O mundo e o Brasil têm mudado a uma velocidade acelerada, e algumas supostas “verdades” do passado vão se rendendo à evidências dos fatos. O diferencial de crescimento econômico em relação ao mundo desenvolvido tornou os países em desenvolvimento atores centrais na economia mundial.
A maior capacidade de articulação Sul-Sul – na OMC, no FMI, na ONU e em novas coalizões, como o BRIC – eleva a voz de países antes relegados a uma posição secundária. Quanto mais os países em desenvolvimento falam e cooperam entre si, mais são ouvidos pelos ricos. A recente crise financeira tornou ainda mais patente o fato de que o mundo não pode mais ser governado por um condomínio de poucos.
O Brasil tem procurado, de forma desassombrada, desempenhar seu papel neste novo quadro. Completados sete anos e meio do governo do Presidente Lula, a visão que se tem do País no exterior é outra. Já não precisamos ouvir os líderes mundiais e a imprensa internacional para sabermos que o Brasil tem um peso cada vez maior na discussão dos principais temas da agenda internacional, de mudança do clima a comércio, de finanças a paz e segurança.
Países como Brasil, China, Índia, África do Sul, Turquia e tantos outros trazem uma maneira nova de olhar os problemas do mundo e contribuem para um novo equilíbrio internacional.
No caso do Brasil, essa mudança de percepção deveu-se, em primeiro lugar, à transformação da realidade econômica, social e política do País. Avanços nos mais variados domínios – do equilíbrio macroeconômico ao resgate da dívida social – tornaram o Brasil mais estável e menos injusto. As qualidades pessoais e o envolvimento direto do presidente Lula com temas internacionais ajudaram a alçar o Brasil à condição de interlocutor indispensável nos principais debates da agenda internacional.
Foi nesse contexto que o Brasil desenvolveu uma política externa abrangente e pró-ativa. Construímos coalizões que foram além das alianças e relações tradicionais, as quais tratamos de manter e aprofundar, como no estabelecimento da Parceria Estratégica com a União Europeia ou do Diálogo de Parceria Global com os Estados Unidos.
O crescimento expressivo de nossas exportações para os países em desenvolvimento e a criação de mecanismos de diálogo e concertação, como a Unasul, o G-20 na OMC, o Fórum IBAS (Índia-Brasil-África do Sul) e o grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) refletiram essa orientação de uma política externa universalista e livre de visões acanhadas sobre o que pode e deve ser a atuação externa do Brasil.
A base dessa nova política externa foi o aprofundamento da integração sul-americana. Um dos grandes ativos de que o Brasil dispõe no cenário internacional é a convivência harmoniosa com sua vizinhança. O governo do presidente Lula empenhou-se, desde o primeiro dia, em integrar o continente sul-americano por meio do comércio, da infraestrutura e do diálogo político.
O Acordo Mercosul-Comunidade Andina criou, na prática, uma zona de livre comércio abrangendo toda a América do Sul. A integração física do continente avançou de forma notável, inclusive com a ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Nossos esforços para a criação de uma comunidade sul-americana (CASA) resultaram na fundação de uma nova entidade – a União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
Sobre as bases de uma América do Sul mais integrada, o Brasil ajudou a estabelecer mecanismos de diálogo e cooperação com países de outras regiões, fundados na percepção de que a realidade internacional já não comporta a marginalização do mundo em desenvolvimento. A formação do G-20 da OMC, na Reunião Ministerial de Cancún, em 2003, marcou a maioridade dos países do Sul, mudando de forma definitiva o padrão decisório nas negociações comerciais.
O IBAS respondeu aos anseios de concertação entre três grandes democracias multi-étnicas e multiculturais, que têm muito a dizer ao mundo em termos de afirmação da tolerância e de conciliação entre desenvolvimento e democracia. Além da concertação política e da cooperação entre os três países, o IBAS tornou-se um modelo em projetos em favor dos países mais pobres, demonstrando, na prática, que a solidariedade não é um apanágio dos ricos.
Também lançamos as cúpulas dos países sul-americanos com os países africanos (ASA) e com os países árabes (ASPA). Construímos pontes e políticas entre regiões que vivem distantes umas das outras, em que pesem as complementaridades naturais. Essa aproximação política resultou em notáveis avanços nas relações econômicas. O comércio do Brasil com países árabes quadruplicou em sete anos. Com a África, foi multiplicado por cinco e chegou a mais de US$ 26 bilhões, cifra superior à do intercâmbio com parceiros tradicionais como a Alemanha e o Japão.
Essas novas coalizões estão ajudando a mudar o mundo. No campo econômico, a substituição do G-7 pelo G-20 como principal instância de deliberação sobre os rumos da produção e das finanças internacionais é o reconhecimento de que as decisões sobre a economia mundial careciam de legitimidade e eficácia sem a participação dos países emergentes.
Também no campo da segurança internacional, quando o Brasil e a Turquia convenceram o Irã a assumir os compromissos previstos na Declaração de Teerã demonstraram que novas visões e formas de agir são necessárias para lidar com temas antes tratados exclusivamente pelos atuais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Apesar dos ciúmes e resistências iniciais a uma iniciativa que nasceu fora do clube fechado das potências nucleares, estamos seguros de que a direção do diálogo ali apontada servirá de base para as negociações futuras e para a eventual solução da questão.
Uma boa política externa exige prudência. Mas exige também ousadia. Não pode fundar-se na timidez ou no complexo de inferioridade. É comum ouvirmos que os países devem atuar de acordo com seus meios, o que é quase uma obviedade. Mas o maior erro é subestimá-los.
Ao longo desses quase oito anos, o Brasil atuou com desassombro e mudou seu lugar no mundo. O Brasil é visto hoje, mesmo pelos críticos eventuais, como um país ao qual cabem responsabilidades crescentes e um papel cada vez mais central nas decisões que afetam os destinos do planeta.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
"Há mais barulho que ruptura’
O Brasil ficou importante e sua política externa já não é só do Itamaraty, adverte Maria Hermínia Tavares, da USP. Em meio ao debate sobre ruptura de alianças, ela lembra uma tradição da diplomacia: ‘O Brasil não briga com ninguém’
O Estado de S.Paulo – Gabriel Manzano
O debate sobre política externa tem provocado um certo barulho, mas o que se vê é muito mais continuidade do que ruptura. O fato é que certas tradições nacionais, como a independência no agir e a vocação para negociar já estão no DNA de nossa diplomacia – ninguém tira mais. Então, por que o barulho? “Simplesmente porque o Brasil ficou importante”, resume a professora Maria Hermínia Tavares, diretora do Instituto de Relações Internacionais da USP. E num País importante diplomacia não é exclusividade de um ministério. “O que o Brasil diz ou faz lá fora é medido, pesado e cobrado no Congresso, em outros ministérios, nas empresas, entre formadores de opinião.”
A professora não entra no fogo cruzado dos partidos. Prefere repassar um fio mais longo da história, juntando os últimos 16 anos de forte diplomacia presidencial – “sendo a atual, de Lula, num estilo mais agressivo, com apostas mais arriscadas”. Isso pode levar a grandes resultados – “basta ver o que se diz do Brasil lá fora” -, mas também a equívocos, como em Honduras, em Cuba. “Neste segundo caso, o erro foi não perceber que a situação na ilha mudou. Faltou sensibilidade para prever que é impossível o país continuar daquele jeito.” E daqui para a frente? “Acho que o clima vai ser outro. Tanto José Serra como Dilma Rousseff ou Marina Silva são figuras menos importantes na cena internacional.”
O Brasil abre frentes por todo lado, em busca de espaços, e até compra brigas com grandes potências. Para onde isso aponta?
Essas novas possibilidades têm que ver com os ganhos internos. Não foi pouca coisa essa rota virtuosa de estabilidade, crescimento e democracia nos últimos 16 anos. Somos vistos como uma grande democracia de massas, estável. Isso nos deu respeitabilidade e espaço para uma posição mais atuante. Um dos efeitos disso foi que desapareceu o consenso que havia antes, na nossa diplomacia. Ela agora virou tema da agenda nacional. Mas no fundo a missão é a mesma: aumentar o protagonismo do País. O governo FHC abriu o caminho, nas primeiras disputas com a Organização Mundial do Comércio. O governo Lula levou isso adiante, afirmando seus objetivos de outro modo. Não sei se é tão ruim assim acabar com o consenso. A condição para que ele existisse seria, a meu ver, manter a política externa encapsulada no Itamaraty.
À parte a polêmica, o governo está certo no que faz?
O objetivo é sempre aproveitar as oportunidades para alavancar o desenvolvimento. Influir como um negociador que aposta no multilateralismo. Isso tem sido feito. Nesse contexto se destaca a importante decisão, tomada no governo FHC, de assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Fizemos ali a opção de buscar um papel importante, no mundo, mas abrindo mão de um recurso significativo, a bomba.
A propósito, uma das polêmicas de agora é se o País deve assinar o Protocolo Adicional do TNP, que permitirá a agentes da ONU vir fiscalizar nossos reatores nucleares.
O importante, nessa questão, é entender que a bomba é um recurso que vai perdendo a importância. Ela afeta cada vez menos os grandes temas. Você não resolve os temas comerciais, os ambientais e muitos outros com o chamado poder duro, o hard power, como definiu o americano Joseph Nye. O País apostou no soft power, e isso teve um grande impacto no debate dos conflitos da América Latina. Garantiu ao continente clima e espaço para conversar sobre suas diferenças em ambiente pacífico.
A sra. chamaria de ruptura o que o Itamaraty vem fazendo, comparado com a era FHC?
Acho que há mais continuidade do que ruptura entre um governo e outro. Claro que há diferenças. O governo Lula tem uma política externa mais agressiva, mais arriscada. Assim é possível que tanto erros como acertos apareçam mais. Lula apostou numa conexão que é mais Sul, mas não é completamente isso. Todos sabem, no governo, que estamos na América, que a ligação com os Estados Unidos continuará decisiva. Mas também se apostou no Haiti, e deu certo. Diziam no início que era melhor não se meter ali. Hoje ninguém diz isso mais.
O Mercosul era prioridade, mas empacou.
Entendo o Mercosul como um elemento de continuidade, ele começou antes do governo Lula. Mesmo o compromisso com a união aduaneira, que é o que nos amarra, foi decidido ainda no governo Collor. O que Lula fez foi acrescentar uma dimensão política. Convém lembrar também que, antes, era mais fácil. Os governos da região eram mais convergentes, era o momento das reformas de mercado. O Hugo Chávez estava apenas começando. A diversificação, de lá para cá, não dependeu do Brasil. E nossa dimensão negociadora dificultou uma ação mais afirmativa. O Brasil não briga com ninguém, e isso não é de agora.
O que se cobra é que nossa diplomacia passou a defender, nessas relações, uma visão de partido político, não o interesse nacional.
Não tenho tanta certeza de que foi isso. Claro que há uma retórica mais agressiva. Você tem de lidar com governos que querem rever os contratos, como o Paraguai em Itaipu. Vamos fazer o quê? Romper relações com os paraguaios?
Pode-se exigir, em fóruns internacionais, que ele cumpra o contrato.
Não tenho tanta certeza de que seja uma forma adequada de lidar com o caso. Talvez pudesse falar mais duro, mas de alguma maneira tem de lidar com as críticas. O governo às vezes é criticado por ser duro, outras por não ser.
A estratégia em Honduras foi adequada?
O governo errou em Honduras. Não vejo sentido naquilo. No primeiro momento, estava todo mundo defendendo, a OEA também. Mas no segundo, aceitando Manuel Zelaya lá dentro, ficou complicado…
E a relação com Cuba?
Também acho que há um erro em Cuba. Por não se perceber que a situação da ilha mudou. Nossa posição com eles vêm desde o governo Sarney. Mas agora a situação está mudando e o Brasil não teve sensibilidade para prever que é impossível continuar daquele jeito. Acho que aí, de fato, pesaram os níveis partidários, pessoais. Foi um erro não perceber que os direitos humanos estão adquirindo uma centralidade importante na agenda internacional.
A questão dos direitos humanos também tem despertado polêmica.
No caso de Darfur também o governo agiu de modo inadequado. No caso com o Irã, acho que o presidente tentou uma jogada arriscada, para trazê-los à negociação. Se desse certo… Mas a grande pergunta nesse caso é: o que o Brasil ganha, entrando nessa disputa? O Irã nuclear é um assunto dos poderosos do Conselho de Segurança da ONU, um jogo de cachorro grande. Aliás, tenho a sensação de que o governo Lula abriu frentes demais. Por exemplo, não sei o que o Brasil quer na África. Nossos interesses ali não estão claros.
Com o próximo presidente, seja Serra ou Dilma, esse perfil muda?
Me parece que tanto Serra como Dilma são figuras menos visíveis internacionalmente.
Fonte : O Estado de São Paulo
O Estado de S.Paulo – Gabriel Manzano
O debate sobre política externa tem provocado um certo barulho, mas o que se vê é muito mais continuidade do que ruptura. O fato é que certas tradições nacionais, como a independência no agir e a vocação para negociar já estão no DNA de nossa diplomacia – ninguém tira mais. Então, por que o barulho? “Simplesmente porque o Brasil ficou importante”, resume a professora Maria Hermínia Tavares, diretora do Instituto de Relações Internacionais da USP. E num País importante diplomacia não é exclusividade de um ministério. “O que o Brasil diz ou faz lá fora é medido, pesado e cobrado no Congresso, em outros ministérios, nas empresas, entre formadores de opinião.”
A professora não entra no fogo cruzado dos partidos. Prefere repassar um fio mais longo da história, juntando os últimos 16 anos de forte diplomacia presidencial – “sendo a atual, de Lula, num estilo mais agressivo, com apostas mais arriscadas”. Isso pode levar a grandes resultados – “basta ver o que se diz do Brasil lá fora” -, mas também a equívocos, como em Honduras, em Cuba. “Neste segundo caso, o erro foi não perceber que a situação na ilha mudou. Faltou sensibilidade para prever que é impossível o país continuar daquele jeito.” E daqui para a frente? “Acho que o clima vai ser outro. Tanto José Serra como Dilma Rousseff ou Marina Silva são figuras menos importantes na cena internacional.”
O Brasil abre frentes por todo lado, em busca de espaços, e até compra brigas com grandes potências. Para onde isso aponta?
Essas novas possibilidades têm que ver com os ganhos internos. Não foi pouca coisa essa rota virtuosa de estabilidade, crescimento e democracia nos últimos 16 anos. Somos vistos como uma grande democracia de massas, estável. Isso nos deu respeitabilidade e espaço para uma posição mais atuante. Um dos efeitos disso foi que desapareceu o consenso que havia antes, na nossa diplomacia. Ela agora virou tema da agenda nacional. Mas no fundo a missão é a mesma: aumentar o protagonismo do País. O governo FHC abriu o caminho, nas primeiras disputas com a Organização Mundial do Comércio. O governo Lula levou isso adiante, afirmando seus objetivos de outro modo. Não sei se é tão ruim assim acabar com o consenso. A condição para que ele existisse seria, a meu ver, manter a política externa encapsulada no Itamaraty.
À parte a polêmica, o governo está certo no que faz?
O objetivo é sempre aproveitar as oportunidades para alavancar o desenvolvimento. Influir como um negociador que aposta no multilateralismo. Isso tem sido feito. Nesse contexto se destaca a importante decisão, tomada no governo FHC, de assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Fizemos ali a opção de buscar um papel importante, no mundo, mas abrindo mão de um recurso significativo, a bomba.
A propósito, uma das polêmicas de agora é se o País deve assinar o Protocolo Adicional do TNP, que permitirá a agentes da ONU vir fiscalizar nossos reatores nucleares.
O importante, nessa questão, é entender que a bomba é um recurso que vai perdendo a importância. Ela afeta cada vez menos os grandes temas. Você não resolve os temas comerciais, os ambientais e muitos outros com o chamado poder duro, o hard power, como definiu o americano Joseph Nye. O País apostou no soft power, e isso teve um grande impacto no debate dos conflitos da América Latina. Garantiu ao continente clima e espaço para conversar sobre suas diferenças em ambiente pacífico.
A sra. chamaria de ruptura o que o Itamaraty vem fazendo, comparado com a era FHC?
Acho que há mais continuidade do que ruptura entre um governo e outro. Claro que há diferenças. O governo Lula tem uma política externa mais agressiva, mais arriscada. Assim é possível que tanto erros como acertos apareçam mais. Lula apostou numa conexão que é mais Sul, mas não é completamente isso. Todos sabem, no governo, que estamos na América, que a ligação com os Estados Unidos continuará decisiva. Mas também se apostou no Haiti, e deu certo. Diziam no início que era melhor não se meter ali. Hoje ninguém diz isso mais.
O Mercosul era prioridade, mas empacou.
Entendo o Mercosul como um elemento de continuidade, ele começou antes do governo Lula. Mesmo o compromisso com a união aduaneira, que é o que nos amarra, foi decidido ainda no governo Collor. O que Lula fez foi acrescentar uma dimensão política. Convém lembrar também que, antes, era mais fácil. Os governos da região eram mais convergentes, era o momento das reformas de mercado. O Hugo Chávez estava apenas começando. A diversificação, de lá para cá, não dependeu do Brasil. E nossa dimensão negociadora dificultou uma ação mais afirmativa. O Brasil não briga com ninguém, e isso não é de agora.
O que se cobra é que nossa diplomacia passou a defender, nessas relações, uma visão de partido político, não o interesse nacional.
Não tenho tanta certeza de que foi isso. Claro que há uma retórica mais agressiva. Você tem de lidar com governos que querem rever os contratos, como o Paraguai em Itaipu. Vamos fazer o quê? Romper relações com os paraguaios?
Pode-se exigir, em fóruns internacionais, que ele cumpra o contrato.
Não tenho tanta certeza de que seja uma forma adequada de lidar com o caso. Talvez pudesse falar mais duro, mas de alguma maneira tem de lidar com as críticas. O governo às vezes é criticado por ser duro, outras por não ser.
A estratégia em Honduras foi adequada?
O governo errou em Honduras. Não vejo sentido naquilo. No primeiro momento, estava todo mundo defendendo, a OEA também. Mas no segundo, aceitando Manuel Zelaya lá dentro, ficou complicado…
E a relação com Cuba?
Também acho que há um erro em Cuba. Por não se perceber que a situação da ilha mudou. Nossa posição com eles vêm desde o governo Sarney. Mas agora a situação está mudando e o Brasil não teve sensibilidade para prever que é impossível continuar daquele jeito. Acho que aí, de fato, pesaram os níveis partidários, pessoais. Foi um erro não perceber que os direitos humanos estão adquirindo uma centralidade importante na agenda internacional.
A questão dos direitos humanos também tem despertado polêmica.
No caso de Darfur também o governo agiu de modo inadequado. No caso com o Irã, acho que o presidente tentou uma jogada arriscada, para trazê-los à negociação. Se desse certo… Mas a grande pergunta nesse caso é: o que o Brasil ganha, entrando nessa disputa? O Irã nuclear é um assunto dos poderosos do Conselho de Segurança da ONU, um jogo de cachorro grande. Aliás, tenho a sensação de que o governo Lula abriu frentes demais. Por exemplo, não sei o que o Brasil quer na África. Nossos interesses ali não estão claros.
Com o próximo presidente, seja Serra ou Dilma, esse perfil muda?
Me parece que tanto Serra como Dilma são figuras menos visíveis internacionalmente.
Fonte : O Estado de São Paulo
Os bárbaros estão chegando
Brasil, Rússia, Índia e China, os BRICs, somam 15% do comércio mundial e entram no jogo. Mas já há reações em favor de um sistema mais seguro, que preserve o peso das grandes potências
Andrew Hurrell – O Estado de São Paulo
O multilateralismo funcionou na maior parte do período pós-1945, porque não era muito multilateral. Centrava-se num grupo central de países desenvolvidos. Excluía o bloco soviético e a ameaça soviética era essencial para sua coesão institucional e para enfrentar o desafio representado pela ascensão econômica do Japão e dos tigres asiáticos.
O Terceiro Mundo tinha um papel marginal. Onde se envolveu, seus interesses eram limitados e predominantemente defensivos (o que se via claramente na participação dos países em desenvolvimento no GATT). Quando ele tentou desafiar a ordem estabelecida, nos anos 70, o desafio foi derrotado.
Tudo isso mudou. O sistema internacional é caracterizado por uma difusão do poder, que inclui potências emergentes e regionais; por uma difusão de preferências com muito mais vozes exigindo serem ouvidas, tanto globalmente quanto internamente, como resultado da globalização e da democratização; e por uma difusão de ideias e valores, com uma retomada das grandes questões da organização social, econômica e política que se supunha já sepultadas com o fim da Guerra Fria e a ascensão do liberalismo.
Há um consenso geral de que os novos poderes regionais e emergentes são atores indispensáveis de qualquer ordem global viável. Mas há pouco acordo quanto à natureza ou aos princípios dessa ordem.
A escala de desafios à governança é gigantesca. Da União Europeia ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o multilateralismo e as instituições formais estão em desordem. E a ascensão de novos poderes traz consigo uma heterogeneidade ainda maior de interesses e valores, assim como fortes demandas por status e reconhecimento – os chamados “positional goods” – a respeito dos quais é praticamente impossível chegar a um acordo estável.
Uma reação já visível é a tentativa de voltar a uma ordem mais centrada nas grandes potências. Segundo essa visão, os Estados Unidos reduziriam o tamanho de suas responsabilidades ao negociar uma nova série de barganhas com as atuais potências emergentes. Esse pensamento é aparente na interminável retórica das “parcerias” e na maior proeminência de agrupamentos informais como o G-20. As cadeiras ao redor da mesa de negociações seriam rearrumadas e a mesa, ampliada.
A ordem global iria envolver um mosaico de agrupamentos diferentes e muito do que o diplomata Richard Haass, assessor do governo George Bush, chamou de “multilateralismo bagunçado”. O ministro de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, William Hague, falou recentemente de uma maneira semelhante, enfatizando a importância das relações com as potências emergentes e argumentando que a influência depende de redes de Estados com padrões fluidos de lealdades, alianças e conexões.
Novas entidades como os BRICs, os BASICs e o IBSA pertencem, por igual, a esse cenário. Elas representam tentativas de se organizar para ter mais influência. Às vezes refletem um desejo de equilíbrio em relação aos Estados Unidos e uma tentativa de deslegitimar as pretensões ocidentais de ditar a ordem global. Às vezes eles são orientados por uma questão mais específica. Mas eles também se marcam por interesses heterogêneos e muitas vezes conflitantes, e oferecem uma base fraca para um programa de ação.
Apesar de a linguagem das novas parcerias estratégicas estar sempre presente, a realidade e a retórica frequentemente divergem – mesmo no caso muito alardeado da relação Estados Unidos-Índia.
O G-20 é supostamente o principal foro para a cooperação econômica internacional, mas ainda é incerto o que isso inclui – seria um centro de redes técnicas para uma governança da economia global? Um diretório dos principais Estados coordenando e apoiando a ação de instituições formais? Ou uma concertação mais antiquada de potências já estabelecidas e em formação, com eficiência sustentada em hierarquia, exclusão e realização? É essa incerteza a respeito da função do G-20, e não a questão sobre o melhor tamanho ou abrangência, a maior fragilidade do agrupamento.
Essas incertezas refletem o caráter complexo, híbrido e contestado da sociedade internacional contemporânea – uma sociedade que enfrenta uma série de desafios westfalianos (especialmente relacionados à transição de poder e ao surgimento de novas potências); mas que enfrenta esses desafios em um contexto marcado por fortes características pós-westfalianas (tanto em termos das condições materiais da globalização como da mudança do caráter da legitimidade política).
Seriam mais factíveis os movimentos em direção a uma ordem mais centrada nas potências? Quase certamente, não. As grandes potências de hoje parecem incapazes ou relutantes a desempenhar seus papéis tradicionais nesse tipo de ordem, ajudando a resolver o problema de outros povos e definindo seus interesses de maneira ampla, para ganhar algum apoio dos Estados mais fracos. Eles também compartilham uma grande relutância a pensar sobre reforma institucional séria e sobre a reconstrução de instituições multilaterais eficientes. Essa não é uma combinação feliz.
Os problemas de legitimidade são particularmente sérios. Os valores que definem direitos humanos e democracia foram manchados pelos excessos da era Bush; os atrativos do “soft power” do capitalismo de livre-mercado foram enfraquecidos pela crise financeira; e as alegações das instituições ocidentais sobre competência técnica e propriedade intelectual foram abaladas.
Por outro lado, as potências emergentes de hoje se sentem tentadas a ver uma política externa escorada em princípios como algo pertencente a uma era de fraqueza ( caso do não-alinhamento na Índia); ou a enfatizar, corretamente, a hipocrisia e seletividade que faz parte dos apelos ocidentais a valores globais (como exemplo, se tratando de direitos humanos na Índia e no Brasil).
Mas legitimidade é indispensável – tanto para o poder nacional como para a ordem global. E é especialmente importante para um país como o Brasil, cuja influência não pode depender de força coercitiva. Essa é uma das razões pelas quais o multilateralismo continua indispensável.
Um desafio final está relacionado à política doméstica. Isso emerge automaticamente no caso dos Estados Unidos. Mas, neste ponto crítico, algo semelhante pode ser dito a respeito das potências emergentes, grandes e complexas. As restrições domésticas da Índia à mudança climática são tão complicadas quando as registradas nos EUA. Isso é novo? Em termos gerais, não.
Pensemos nas tensões que foram geradas pela rápida mudança econômica no decorrer da ascensão dos Estados Unidos, da Alemanha e do Japão. Mas o que é novo, ou pelo menos difícil de evitar, é o grau pelo qual a substância das relações entre as potências necessariamente envolve uma gama de questões oriundas da estrutura profunda da sociedade doméstica.
A politização da política externa no Brasil indubitavelmente reflete questões que são particulares ao país – como as mudanças ideológicas dentro da América do Sul. Mas o que vemos no Brasil faz parte de uma tendência mais geral.
Andrew Hurrell – O Estado de São Paulo
O multilateralismo funcionou na maior parte do período pós-1945, porque não era muito multilateral. Centrava-se num grupo central de países desenvolvidos. Excluía o bloco soviético e a ameaça soviética era essencial para sua coesão institucional e para enfrentar o desafio representado pela ascensão econômica do Japão e dos tigres asiáticos.
O Terceiro Mundo tinha um papel marginal. Onde se envolveu, seus interesses eram limitados e predominantemente defensivos (o que se via claramente na participação dos países em desenvolvimento no GATT). Quando ele tentou desafiar a ordem estabelecida, nos anos 70, o desafio foi derrotado.
Tudo isso mudou. O sistema internacional é caracterizado por uma difusão do poder, que inclui potências emergentes e regionais; por uma difusão de preferências com muito mais vozes exigindo serem ouvidas, tanto globalmente quanto internamente, como resultado da globalização e da democratização; e por uma difusão de ideias e valores, com uma retomada das grandes questões da organização social, econômica e política que se supunha já sepultadas com o fim da Guerra Fria e a ascensão do liberalismo.
Há um consenso geral de que os novos poderes regionais e emergentes são atores indispensáveis de qualquer ordem global viável. Mas há pouco acordo quanto à natureza ou aos princípios dessa ordem.
A escala de desafios à governança é gigantesca. Da União Europeia ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o multilateralismo e as instituições formais estão em desordem. E a ascensão de novos poderes traz consigo uma heterogeneidade ainda maior de interesses e valores, assim como fortes demandas por status e reconhecimento – os chamados “positional goods” – a respeito dos quais é praticamente impossível chegar a um acordo estável.
Uma reação já visível é a tentativa de voltar a uma ordem mais centrada nas grandes potências. Segundo essa visão, os Estados Unidos reduziriam o tamanho de suas responsabilidades ao negociar uma nova série de barganhas com as atuais potências emergentes. Esse pensamento é aparente na interminável retórica das “parcerias” e na maior proeminência de agrupamentos informais como o G-20. As cadeiras ao redor da mesa de negociações seriam rearrumadas e a mesa, ampliada.
A ordem global iria envolver um mosaico de agrupamentos diferentes e muito do que o diplomata Richard Haass, assessor do governo George Bush, chamou de “multilateralismo bagunçado”. O ministro de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, William Hague, falou recentemente de uma maneira semelhante, enfatizando a importância das relações com as potências emergentes e argumentando que a influência depende de redes de Estados com padrões fluidos de lealdades, alianças e conexões.
Novas entidades como os BRICs, os BASICs e o IBSA pertencem, por igual, a esse cenário. Elas representam tentativas de se organizar para ter mais influência. Às vezes refletem um desejo de equilíbrio em relação aos Estados Unidos e uma tentativa de deslegitimar as pretensões ocidentais de ditar a ordem global. Às vezes eles são orientados por uma questão mais específica. Mas eles também se marcam por interesses heterogêneos e muitas vezes conflitantes, e oferecem uma base fraca para um programa de ação.
Apesar de a linguagem das novas parcerias estratégicas estar sempre presente, a realidade e a retórica frequentemente divergem – mesmo no caso muito alardeado da relação Estados Unidos-Índia.
O G-20 é supostamente o principal foro para a cooperação econômica internacional, mas ainda é incerto o que isso inclui – seria um centro de redes técnicas para uma governança da economia global? Um diretório dos principais Estados coordenando e apoiando a ação de instituições formais? Ou uma concertação mais antiquada de potências já estabelecidas e em formação, com eficiência sustentada em hierarquia, exclusão e realização? É essa incerteza a respeito da função do G-20, e não a questão sobre o melhor tamanho ou abrangência, a maior fragilidade do agrupamento.
Essas incertezas refletem o caráter complexo, híbrido e contestado da sociedade internacional contemporânea – uma sociedade que enfrenta uma série de desafios westfalianos (especialmente relacionados à transição de poder e ao surgimento de novas potências); mas que enfrenta esses desafios em um contexto marcado por fortes características pós-westfalianas (tanto em termos das condições materiais da globalização como da mudança do caráter da legitimidade política).
Seriam mais factíveis os movimentos em direção a uma ordem mais centrada nas potências? Quase certamente, não. As grandes potências de hoje parecem incapazes ou relutantes a desempenhar seus papéis tradicionais nesse tipo de ordem, ajudando a resolver o problema de outros povos e definindo seus interesses de maneira ampla, para ganhar algum apoio dos Estados mais fracos. Eles também compartilham uma grande relutância a pensar sobre reforma institucional séria e sobre a reconstrução de instituições multilaterais eficientes. Essa não é uma combinação feliz.
Os problemas de legitimidade são particularmente sérios. Os valores que definem direitos humanos e democracia foram manchados pelos excessos da era Bush; os atrativos do “soft power” do capitalismo de livre-mercado foram enfraquecidos pela crise financeira; e as alegações das instituições ocidentais sobre competência técnica e propriedade intelectual foram abaladas.
Por outro lado, as potências emergentes de hoje se sentem tentadas a ver uma política externa escorada em princípios como algo pertencente a uma era de fraqueza ( caso do não-alinhamento na Índia); ou a enfatizar, corretamente, a hipocrisia e seletividade que faz parte dos apelos ocidentais a valores globais (como exemplo, se tratando de direitos humanos na Índia e no Brasil).
Mas legitimidade é indispensável – tanto para o poder nacional como para a ordem global. E é especialmente importante para um país como o Brasil, cuja influência não pode depender de força coercitiva. Essa é uma das razões pelas quais o multilateralismo continua indispensável.
Um desafio final está relacionado à política doméstica. Isso emerge automaticamente no caso dos Estados Unidos. Mas, neste ponto crítico, algo semelhante pode ser dito a respeito das potências emergentes, grandes e complexas. As restrições domésticas da Índia à mudança climática são tão complicadas quando as registradas nos EUA. Isso é novo? Em termos gerais, não.
Pensemos nas tensões que foram geradas pela rápida mudança econômica no decorrer da ascensão dos Estados Unidos, da Alemanha e do Japão. Mas o que é novo, ou pelo menos difícil de evitar, é o grau pelo qual a substância das relações entre as potências necessariamente envolve uma gama de questões oriundas da estrutura profunda da sociedade doméstica.
A politização da política externa no Brasil indubitavelmente reflete questões que são particulares ao país – como as mudanças ideológicas dentro da América do Sul. Mas o que vemos no Brasil faz parte de uma tendência mais geral.
O emergente pede passagem
Como pode o Brasil, num sistema internacional em transição, aumentar sua influência?
O Estado de S.Paulo – Gabriel Manzano
Trata-se de uma feliz coincidência e o melhor que os candidatos à Presidência podem fazer é aproveitá-la. O Brasil ganha importância e sonha com mais espaço na política mundial no exato momento em que uma crise financeira abala o sistema e obriga as grandes potências a reavaliar as regras do jogo e aceitar novos sócios. A multipolaridade, palavra da moda entre diplomatas e historiadores, abre as portas do clube para novos sócios – os países emergentes.
Uma tarefa a mais, portanto, para os presidenciáveis: entender de política externa. O tema entrou no caldeirão das prioridades nacionais e está obrigando cada um deles a esclarecer aos 135 milhões de eleitores, até outubro, duas questões: de que modo farão o País tirar vantagem desse novo cenário? E por quais caminhos pretendem definir esse novo lugar do Brasil no mundo?
Essas perguntas não faziam o menor sentido nos tempos do chamado mundo bipolar, o da Guerra Fria. Aquele era um mundo no qual não cabia mais ninguém além de Estados Unidos e União Soviética, com seus mísseis, seus espiões e o som de seus tambores de guerra. O nome do jogo era “mundo livre versus cortina de ferro” e a diplomacia dos tristes trópicos, tão desimportante, dormia sossegada durante os comícios eleitorais.
Isso passou. Sepultado com o comunismo, em 1991, o mundo bipolar foi trocado pelo domínio americano, unipolar. Bem depressa, porém, este se desmantelou. Não resistiu ao espetacular crescimento da China, aos estilhaços da crise financeira mundial e à virada americana com Barack Obama – cujo subproduto imediato era o fim do governo Bush e de sua obcecada guerra ao terror. É do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, uma das melhores definições desse furacão: “As placas tectônicas da economia e da política estão se deslocando. As categorias desatualizadas do Primeiro e do Terceiro Mundo, doador e credor, líder e liderado, já não servem mais.”
Buscar vantagens para o Brasil, nesse quintal de incertezas, não é tarefa simples. Primeiro, porque não há mais consenso sobre política externa. Como adverte a professora Maria Hermínia Tavares, do Instituto de Relações Internacionais da USP, o País ficou importante e os temas da diplomacia já não cabem nos salões e saletas do Itamaraty. “Eles ganharam o Congresso, as empresas, a mídia. Tornaram-se um tema controverso”, diz ela.
Polêmica aqui dentro, polêmica lá fora. O mundo dito multipolar onde a política externa tem de se aventurar virou um quebra-cabeça de novos temas, novos fóruns, novos riscos. Dos grandes salões oficiais, como a ONU e a OMC, o debate escapou para o G-20, os BRICs, os BASICs, o Caricom, a Unasul… Cúpulas informais, às vezes gigantescas, reúnem governos, ONGs e instituições mil para discutir sistema financeiro, segurança nuclear, mudanças climáticas, energias limpas, lavagem de dinheiro, direitos humanos, migrações, controle da internet. Uma tarefa para diplomatas de todos os ministérios.
Que mundo pode sair desse feirão de debates, com seus quilômetros de documentos? Para saber, o Conselho Nacional de Segurança dos EUA reuniu centenas de cientistas e montou, em 2008, uma futurologia de primeira – o estudo Global Trends 2025: A Transformed World (Tendências Globais 2025, Um Mundo Transformado). É um nunca acabar de alertas, a exigir das diplomacias um guia de sobrevivência.
Seu primeiro lembrete é que o Ocidente tem hoje 18% da população mundial – um número que convive com o rápido crescimento da Ásia e do Islã. A riqueza se transfere, em ritmo inédito, para a Ásia. Daqui a 15 anos cerca de 25 nações saberão fabricar uma bomba nuclear. As alterações climáticas vão desarrumar a vida de muitas nações. É preciso começar já a construir uma economia sem petróleo.
O Brasil, nessa avaliação, vale mais do que antes e menos do que se proclama. Embalado pelo agronegócio e pelo petróleo em alto-mar, pode sonhar com dias gloriosos – mas a precariedade da educação e uma tecnologia de principiante o impedem de decolar. Discursos e euforia à parte, o que os números dizem é que o País patina no 85º lugar nos índices de educação da ONU e que saltou de 22% para 45% o volume de matérias-primas nas nossas exportações.
Como adverte o economista Marcelo de Paiva Abreu, professor da PUC-Rio, se quiser livrar-se desses grilhões o próximo governo “não pode ignorar a urgência de maciça renovação da infraestrutura e inovações tecnológicas”. Isso combina com a incômoda previsão do Global Trends, segundo o qual o Brasil “tem limitada habilidade para projetar-se além do continente, como player importante no cenário mundial”. O americano Peter Hakim, do Diálogo Interamericano, vai mais longe. Veterano estudioso da América Latina, ele afirma que o potencial do Brasil para liderar o continente é “limitado por sua falta de disposição para arcar com os custos financeiros e políticos” de tal empreitada. E os vizinhos, diz ele com alguma ironia, “não têm um desejo particular de serem representados pelo Brasil”.
Em meio a tudo isso, a escolha moral e política sobre valores. A busca do “Brasil potência” vale o afastamento das tradicionais alianças ocidentais? Onde fica o ponto ótimo entre direitos humanos e negócios?Nenhum presidenciável escapará dessas escolhas cruciais, assim que subir a rampa do Planalto. E de muitas outras: como dar alento ao Mercosul? Dá para aplicar um choque de realidade no bolivarianismo? Como retomar o clima de confiança com os EUA? Os BRICs têm futuro como aliança? Seria oportuno o País ousar um pouco mais na política ambiental?
Fonte : O Estado de São Paulo
O Estado de S.Paulo – Gabriel Manzano
Trata-se de uma feliz coincidência e o melhor que os candidatos à Presidência podem fazer é aproveitá-la. O Brasil ganha importância e sonha com mais espaço na política mundial no exato momento em que uma crise financeira abala o sistema e obriga as grandes potências a reavaliar as regras do jogo e aceitar novos sócios. A multipolaridade, palavra da moda entre diplomatas e historiadores, abre as portas do clube para novos sócios – os países emergentes.
Uma tarefa a mais, portanto, para os presidenciáveis: entender de política externa. O tema entrou no caldeirão das prioridades nacionais e está obrigando cada um deles a esclarecer aos 135 milhões de eleitores, até outubro, duas questões: de que modo farão o País tirar vantagem desse novo cenário? E por quais caminhos pretendem definir esse novo lugar do Brasil no mundo?
Essas perguntas não faziam o menor sentido nos tempos do chamado mundo bipolar, o da Guerra Fria. Aquele era um mundo no qual não cabia mais ninguém além de Estados Unidos e União Soviética, com seus mísseis, seus espiões e o som de seus tambores de guerra. O nome do jogo era “mundo livre versus cortina de ferro” e a diplomacia dos tristes trópicos, tão desimportante, dormia sossegada durante os comícios eleitorais.
Isso passou. Sepultado com o comunismo, em 1991, o mundo bipolar foi trocado pelo domínio americano, unipolar. Bem depressa, porém, este se desmantelou. Não resistiu ao espetacular crescimento da China, aos estilhaços da crise financeira mundial e à virada americana com Barack Obama – cujo subproduto imediato era o fim do governo Bush e de sua obcecada guerra ao terror. É do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, uma das melhores definições desse furacão: “As placas tectônicas da economia e da política estão se deslocando. As categorias desatualizadas do Primeiro e do Terceiro Mundo, doador e credor, líder e liderado, já não servem mais.”
Buscar vantagens para o Brasil, nesse quintal de incertezas, não é tarefa simples. Primeiro, porque não há mais consenso sobre política externa. Como adverte a professora Maria Hermínia Tavares, do Instituto de Relações Internacionais da USP, o País ficou importante e os temas da diplomacia já não cabem nos salões e saletas do Itamaraty. “Eles ganharam o Congresso, as empresas, a mídia. Tornaram-se um tema controverso”, diz ela.
Polêmica aqui dentro, polêmica lá fora. O mundo dito multipolar onde a política externa tem de se aventurar virou um quebra-cabeça de novos temas, novos fóruns, novos riscos. Dos grandes salões oficiais, como a ONU e a OMC, o debate escapou para o G-20, os BRICs, os BASICs, o Caricom, a Unasul… Cúpulas informais, às vezes gigantescas, reúnem governos, ONGs e instituições mil para discutir sistema financeiro, segurança nuclear, mudanças climáticas, energias limpas, lavagem de dinheiro, direitos humanos, migrações, controle da internet. Uma tarefa para diplomatas de todos os ministérios.
Que mundo pode sair desse feirão de debates, com seus quilômetros de documentos? Para saber, o Conselho Nacional de Segurança dos EUA reuniu centenas de cientistas e montou, em 2008, uma futurologia de primeira – o estudo Global Trends 2025: A Transformed World (Tendências Globais 2025, Um Mundo Transformado). É um nunca acabar de alertas, a exigir das diplomacias um guia de sobrevivência.
Seu primeiro lembrete é que o Ocidente tem hoje 18% da população mundial – um número que convive com o rápido crescimento da Ásia e do Islã. A riqueza se transfere, em ritmo inédito, para a Ásia. Daqui a 15 anos cerca de 25 nações saberão fabricar uma bomba nuclear. As alterações climáticas vão desarrumar a vida de muitas nações. É preciso começar já a construir uma economia sem petróleo.
O Brasil, nessa avaliação, vale mais do que antes e menos do que se proclama. Embalado pelo agronegócio e pelo petróleo em alto-mar, pode sonhar com dias gloriosos – mas a precariedade da educação e uma tecnologia de principiante o impedem de decolar. Discursos e euforia à parte, o que os números dizem é que o País patina no 85º lugar nos índices de educação da ONU e que saltou de 22% para 45% o volume de matérias-primas nas nossas exportações.
Como adverte o economista Marcelo de Paiva Abreu, professor da PUC-Rio, se quiser livrar-se desses grilhões o próximo governo “não pode ignorar a urgência de maciça renovação da infraestrutura e inovações tecnológicas”. Isso combina com a incômoda previsão do Global Trends, segundo o qual o Brasil “tem limitada habilidade para projetar-se além do continente, como player importante no cenário mundial”. O americano Peter Hakim, do Diálogo Interamericano, vai mais longe. Veterano estudioso da América Latina, ele afirma que o potencial do Brasil para liderar o continente é “limitado por sua falta de disposição para arcar com os custos financeiros e políticos” de tal empreitada. E os vizinhos, diz ele com alguma ironia, “não têm um desejo particular de serem representados pelo Brasil”.
Em meio a tudo isso, a escolha moral e política sobre valores. A busca do “Brasil potência” vale o afastamento das tradicionais alianças ocidentais? Onde fica o ponto ótimo entre direitos humanos e negócios?Nenhum presidenciável escapará dessas escolhas cruciais, assim que subir a rampa do Planalto. E de muitas outras: como dar alento ao Mercosul? Dá para aplicar um choque de realidade no bolivarianismo? Como retomar o clima de confiança com os EUA? Os BRICs têm futuro como aliança? Seria oportuno o País ousar um pouco mais na política ambiental?
Fonte : O Estado de São Paulo
“O Brasil não apoia o Irã; apoia a paz”, diz Celso Amorim. Para ministro, há má fé e ignorância nas críticas à atuação do país na área de direitos humanos
Celso Amorim, ministro de Relações Exteriores, sobre 2011: “Não quero criar constrangimentos para ninguém”
Entrevista: Está na hora de o Mercosul ter metas, diz Celso Amorim
Sergio Leo, de Brasília – VALOR
O Mercosul precisa de metas para garantir uma integração “plena” dos mercados nos países do bloco, defende o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. Ele diz estar contente com os resultados da última reunião do bloco, que criou procedimentos comuns para as alfândegas do Mercosul e fixou prazo para acabar com a cobrança dupla de tarifa de importação no trânsito de mercadorias de um país ao outro. “Está na hora de pensar grande”, diz ele. “Em vez de negociar setorzinho por setorzinho , será que não devemos ter metas?”
O ministro diz que esse deve ser o passo a tomar na presidência temporária do Brasil neste semestre. Entre as metas que o ministro considera necessárias estão um prazo para acabar com as exceções à Tarifa Externa Comum (TEC) e datas para acordos de serviços e de compras governamentais, que dê tratamento nacional às empresas dos países do Mercosul nos outros mercados do bloco.
Amorim não esperou que começasse a sessão de perguntas para reagir a uma das críticas mais fortes à política externa do governo Lula, a de que é leniente com abusos dos direitos humanos em países aliados do Brasil. Ele vê motivação política na interpretação do documento não oficial encaminhado pela diplomacia brasileira em Genebra, que propõe novas etapas antes da aprovação de resoluções condenando qualquer país. “Ninguém nasceu ontem, [esse mecanismo] existe para certos casos, certos países”, desafia. Sobre outro tema polêmico, garante: “O Brasil não apoia o Irã; apoia a paz”. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor, em que Amorim fala também de seus planos pessoais para 2011.
Valor: Ministro…
Celso Amorim: Li agora o documento entregue na ONU; de maneira nenhuma ele procura isentar nenhum país de nada, pelo contrário, o objetivo é tornar as recomendações dos órgãos de direitos humanos mais fáceis de implementar. Diz apenas que o método usado até agora, só condenação aos países, não foi efetivo, não mudou a situação de nenhum país. E há o fato de que as condenações são muito concentradas em uma ou duas regiões. Quando se leu alguma resolução sobre Guantánamo, ou algum país que permitiu que seus serviços de inteligência transferissem presos para lugares onde seriam torturados? Ninguém nasceu ontem, [o mecanismo] existe para certos casos e certos países.
Valor: Todos os países passam por revisões no Conselho…
Amorim: O Brasil lutou muito para ter esse mecanismo universal, todos passam por isso: Brasil, Coreia, Irã, EUA. No documento levado a Genebra se fala em mecanismo para ver se as ações recomendadas podem ser implementadas; vai ter até quem o veja como intrusivo, porque pede informativos, visitas aos países por delegações de Estados-membros, estratégias para implementação das recomendações dos mecanismos de revisão periódica, como implementar recomendações dos outros mecanismos de direitos humanos…
Valor: A questão direitos humanos ganhou fôlego por que…
Amorim: Porque é misto de má fé e ignorância. Ignorância porque não sabem como as coisas correm na realidade da vida, que países aliados militares de outros ficam totalmente isentos. Não vou dar exemplos, não quero romper relações diplomáticas, mas todo mundo sabe disso. Falei há pouco de Guantánamo porque até o presidente Obama falou; e os países cujos serviços de inteligência foram usados para levar presos, isso está noticiado. Não queremos dar refresco para nenhum país, queremos uma maneira que melhore, não para que os que tem complexo de culpa possam botar diploma na parede e dizer: condenei, e não mudar nada. O que me choca é a falta de interesse em melhorar de fato a situação de direitos humanos.
Valor: Mas Cuba e Irã são dois países onde…
Amorim; A mídia está totalmente errada ao dizer que o Brasil apoia o Irã. O Brasil não apoia o Irã. O Brasil apoia a paz, procurou um acordo proposto pelos países ocidentais em relação a energia nuclear, evitar armas nucleares.
Valor: Mas o presidente Lula faz declarações de apoio aos países, como quando compara oposição iraniana à torcida de futebol, diz ser avacalhação intervir por uma condenada à morte por adultério, diz que pode abrigá-la se ela estiver incomodando…
Amorim: Estamos trabalhando pelos direitos humanos, mas nossa maneira de agir é diferente de outros que fazem da hipocrisia sua maneira de principal instrumento. Condenam publicamente e financiam privadamente, em muitos casos.
Valor: Citaria um exemplo?
Amorim: Não.
Valor: Especialistas dizem que o Brasil emite sinais ambíguos, dá impressão de ser advogado dos interesses iranianos…
Amorim: Isso é imaginação, invenção das pessoas. Peguem os comentários feitos pelo Brasil sobre as exposições iranianas no Conselho de Direitos Humanos e verão que há muitas críticas e recomendações. Está disponível.
Valor: Pode citar algumas?
Amorim: Várias: condenação à pena de morte para menores, sobre a situação da mulher. Agora, o Irã, com todos os defeitos, convidou a alta comissária de Direitos Humanos para ir lá, e ela não foi até agora, deve sofrer pressão de alguém para não ir. Não propomos refresco para ninguém. Os métodos tradicionais não funcionam, precisamos encontrar métodos eficazes, e entre eles existe a maneira como implementar as recomendações dessa revisão universal. Isso não é notícia nova sequer, há uma fabricação com objetivos políticos, no noticiário.
Valor: Não só os jornais, as ONGs também se queixam do Brasil….
Amorim: As ONGs estão em sua missão de fiscalizar, como as de meio ambiente, que falam coisas que a gente não concorda, depois nos elogiam. A maneira como encaramos o processo, essa ideia da revisão periódica universal, eu defendi em Genebra, no governo FHC, justamente porque se pretendia tratar com isonomia, não permitir a politização, porque países entravam e outros não.
Valor: Na Guiné Equatorial o senhor falou em negócios; seria tradição de isolar a economia do tema de direitos humanos?
Amorim: Um jornalista me fez uma pergunta, foi totalmente distorcida, sobre negócios com o país. Eu disse: qual manteiga você comprou hoje? Quais companhias de petróleo operam aqui? Não quer dizer que esteja endossando o governo. Não quis dizer que isso guia nossa diplomacia, mas que não se pode confundir as coisas. A manteiga era francesa, as companhias de petróleo, americanas.
Valor: Outra crítica é que o Brasil se propõe a atuar como mediador…
Amorim: Não estamos propondo não, os outros países nos procuram. O presidente da Síria esteve aqui, o [presidente da Autoridade Palestina] Mahmoud Abbas, o presidente de Israel e o presidente do Irã estiveram aqui.
Valor: E na América do Sul, onde o Uruguai pediu em vão ajuda na crise com a Argentina pela instalação de papeleiras na fronteira?
Amorim: Só podemos ajudar quando os dois lados estão interessados, senão em vez de ajudar prejudica. No caso iraniano, recebemos estímulos de países ocidentais e outros para continuar na trilha e tinha óbvios interesses no Irã. Óbvio interesse dos dois lados.
Valor: No caso de palestinos e Israel não havia tanto interesse…
Amorim: Essas coisas têm de ser levadas com delicadeza. Há movimentos sendo feitos, no caso eu, pessoalmente, em decorrência até de pedido de Israel.
Valor: A aproximação com a Síria?
Amorim: Não vou dar detalhes, estive na Síria, Palestina, em Israel. E Turquia.
Valor: O Brasil não poderia ser mais ativo no Mercosul? E as queixas dos uruguaios?
Amorim: Não agimos com imposição, não faz parte de nossa atitude. Há mecanismos persuasórios, mas se não funcionam não adianta forçar, tem de esperar que o momento ocorra.
Valor: A reunião do Mercosul avançou com uma agenda que estava paralisada?
Amorim: O ministro não pode estar o tempo todo presente; lançam-se linhas de ação e elas avançam. Coisas que pareciam impossíveis ocorreram, houve o código aduaneiro, eliminação dos cronogramas, acordo de livre comércio com o Egito, o primeiro com país em desenvolvimento – além do que o Egito por si mesmo é país importante para nós. Tivemos uma coisa que não é comercial, mas é importante, o de gestão do aquífero Guarani. Só podemos exercitar plenamente nossa soberania mediante acordos de cooperação entre os quatro países.
Valor: Mas não falta, como reconheceu na reunião, um cronograma para acabar com as exceções à tarifa comum? Como aplicar um código nas alfândegas com tantas diferenças de tarifa?
Amorim: Uma coisa pressiona a outra, é positivo. A inexistência de uma tarifa externa comum faz com que o mercado comum não se realize plenamente, dificulta até negociações externas. Não se consegue isso de um dia para o outro, mas se fizermos um cronograma -não quero botar números, dez anos, quinze anos que sejam, e umas exceçõezinhas para o final – teremos mecanismo de cobrança sobre nós mesmos . Vamos conseguir dessa vez? Foi grande êxito a reunião, vai até ficar difícil para o Brasil agora porque muitas coisas que estavam represadas saíram. Temos de começar outras iniciativas.
Valor: Os chanceleres e presidentes discutiram as exceções à tarifa externa na última reunião?
Amorim: Falei na minha apresentação. Não houve discussão, estávamos muito concentrados em resolver nossos problemas. No último momento sempre há questões complexas. Até o ultimo momento estávamos empenhados em uma solução razoável para esse problema naquela reunião.
Valor: Era a reivindicação argentina de incluir impostos de exportação no código?
Amorim: Não necessariamente o da Argentina, o Brasil aplicou por muito tempo imposto sobre exportação de couro wet blue…
Valor: O Mercosul vai manter práticas como esse imposto de exportação?
Amorim: A medida em que a gente evolua para uma tarifa externa comum para valer, elimine a dupla cobrança da TEC, trabalhe para eliminar subsídios internos, não faz sentido ter imposto de exportação interno, mas isso será uma evolução.
Valor: Na crise Venezuela e Colômbia, um dos problemas é a presença dos guerrilheiros das Farc na fronteira; não é um problema regional a ser atacado?
Amorim: As Farc nascem de qualquer maneira dentro da Colômbia, qualquer atitude tem de ser combinada com o governo colombiano. Não significa que não vamos melhorar o policiamento na fronteira, isso aliás vale para os dois lados. A ideia do Conselho de Defesa da Unasul é também poder trocar de informação, ter medidas de criação de confiança, incluir medidas desse tipo, certamente com o repúdio a grupos armados sobretudo ligados ao narcotráfico.
Valor: Uribe desmoralizou a Unasul ao preferir denunciar na OEA a presença das Farc na Venezuela?
Amorim: Não desmoralizou, primeiro porque não é problema do Conselho de Defesa; quando se trata de denúncia é problema político. O Conselho é para encaminhar soluções ou que previnam que se chegue a esse ponto (de crise diplomática) ou para encaminhar alguma decisão política. Uma ação de um país não pode desmoralizar uma organização. O presidente Uribe tem direito de fazer a opção que quiser, também é membro da OEA, mas é muito mais provável conseguir solução na Unasul que na OEA.
Valor: Defende a ideia de mecanismo conjunto de fiscalização das fronteiras na região
Amorim: Pode ajudar, mas pode ser bilateral, vamos respeitar as sensibilidades; essas coisas não podem ser impostas.
Valor: Que metas o governo tem para o fim do governo?
Amorim: Resolver bem o que começamos. Sempre disse que o Brasil, até para atuar fora da região, precisa que a região esteja bem organizada e bem integrada. Demos passos importantes, não definitivos, não resolvem os problemas, temos de avançar mais. Não é eliminar as exceções; é como chegar a uma plena tarifa do Mercosul num numero X de anos. Tem sentido não ter acordo de compras governamentais que deem ao Mercosul uma preferência real? Temos de ter acordo de serviços mais amplo, maior liberalização, dar tratamento nacional às empresas do bloco em todos os países. Em vez de negociar setorzinho por setor será que não devemos ter meta para definir, que devem ser alcançadas? Talvez agora, com o fim do nosso governo, esteja na hora de pensar grande novamente no futuro. Essas metas temos de buscar.
Valor: Pode-se fechar o acordo de livre comércio com a União Europeia neste ano?
Amorim: Não quero fazer previsões. Se forem pessimistas, tornam-se auto-cumpríveis; se muito otimistas, dirão que é a proverbial ingenuidade do Itamaraty. Vamos trabalhar, ver até onde avançamos. Acho que dá para avançar, mas, realisticamente, concluir negociação neste semestre, não sei. Aguardamos a resposta deles para nossa oferta agrícola.
Valor: O que há entre EUA e Brasil para Lula falar em decepção com Barack Obama?
Amorim: Não posso fazer juízo assim, o presidente Obama é bem intencionado, muito importante para a política interna dos EUA, foi positivo o que fez na saúde, na disciplina dos bancos, Mas a política americana é complexa, parece não poder tratar de muitos assuntos ao mesmo tempo. Talvez o que o presidente Lula fale é da necessidade de maior compreensão do que é e como mudou a América Latina.
Valor: O embaixador José Botafogo diz que a diplomacia aponta uma série de tarefas, mas confunde importância com prioridade. Se tudo é prioridade, desperdiça esforços.
Amorim: Quando o [secretário-geral do Itamaraty, Antônio] Patriota vai a um determinado lugar me sinto representado. Tanto que esses avanços todos no Mercosul foram obtidos na minha ausência. Quando há necessidade, pode ter certeza de que estamos presentes, como no caso do código aduaneiro no Mercosul.
Valor: O senhor atuou diretamente?
Amorim: Me lembrei de problema parecido, no acordo Trips [direito de propriedade intelectual] da OMC. Garantimos que o assunto fosse mencionado, mas que cada um pudesse considerar-se representado.
Valor: Ministro, já decidiu o que fará no próximo governo?
Amorim: Minha vida não se mede por governos.
Valor: Em 2011, permanece no ministério? Falou com a candidata de seu partido?
Fonte :Valor Economico
Amorim: Não conversei, nem vou criar esse tipo de constrangimento para ela. Uma coisa garanto: não vou criar constrangimento a ninguém. E estou tomando providências: vou dar aulas na UFRJ. Não estou em idade de ensinar teoria, os mais jovens devem saber mais, mas posso transmitir experiência. Outra coisa minha mulher já fez: pedimos o apartamento nosso no Rio, em Copacabana que já está alugado.
Celso Amorim, ministro de Relações Exteriores, sobre 2011: “Não quero criar constrangimentos para ninguém”
Entrevista: Está na hora de o Mercosul ter metas, diz Celso Amorim
Sergio Leo, de Brasília – VALOR
O Mercosul precisa de metas para garantir uma integração “plena” dos mercados nos países do bloco, defende o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. Ele diz estar contente com os resultados da última reunião do bloco, que criou procedimentos comuns para as alfândegas do Mercosul e fixou prazo para acabar com a cobrança dupla de tarifa de importação no trânsito de mercadorias de um país ao outro. “Está na hora de pensar grande”, diz ele. “Em vez de negociar setorzinho por setorzinho , será que não devemos ter metas?”
O ministro diz que esse deve ser o passo a tomar na presidência temporária do Brasil neste semestre. Entre as metas que o ministro considera necessárias estão um prazo para acabar com as exceções à Tarifa Externa Comum (TEC) e datas para acordos de serviços e de compras governamentais, que dê tratamento nacional às empresas dos países do Mercosul nos outros mercados do bloco.
Amorim não esperou que começasse a sessão de perguntas para reagir a uma das críticas mais fortes à política externa do governo Lula, a de que é leniente com abusos dos direitos humanos em países aliados do Brasil. Ele vê motivação política na interpretação do documento não oficial encaminhado pela diplomacia brasileira em Genebra, que propõe novas etapas antes da aprovação de resoluções condenando qualquer país. “Ninguém nasceu ontem, [esse mecanismo] existe para certos casos, certos países”, desafia. Sobre outro tema polêmico, garante: “O Brasil não apoia o Irã; apoia a paz”. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor, em que Amorim fala também de seus planos pessoais para 2011.
Valor: Ministro…
Celso Amorim: Li agora o documento entregue na ONU; de maneira nenhuma ele procura isentar nenhum país de nada, pelo contrário, o objetivo é tornar as recomendações dos órgãos de direitos humanos mais fáceis de implementar. Diz apenas que o método usado até agora, só condenação aos países, não foi efetivo, não mudou a situação de nenhum país. E há o fato de que as condenações são muito concentradas em uma ou duas regiões. Quando se leu alguma resolução sobre Guantánamo, ou algum país que permitiu que seus serviços de inteligência transferissem presos para lugares onde seriam torturados? Ninguém nasceu ontem, [o mecanismo] existe para certos casos e certos países.
Valor: Todos os países passam por revisões no Conselho…
Amorim: O Brasil lutou muito para ter esse mecanismo universal, todos passam por isso: Brasil, Coreia, Irã, EUA. No documento levado a Genebra se fala em mecanismo para ver se as ações recomendadas podem ser implementadas; vai ter até quem o veja como intrusivo, porque pede informativos, visitas aos países por delegações de Estados-membros, estratégias para implementação das recomendações dos mecanismos de revisão periódica, como implementar recomendações dos outros mecanismos de direitos humanos…
Valor: A questão direitos humanos ganhou fôlego por que…
Amorim: Porque é misto de má fé e ignorância. Ignorância porque não sabem como as coisas correm na realidade da vida, que países aliados militares de outros ficam totalmente isentos. Não vou dar exemplos, não quero romper relações diplomáticas, mas todo mundo sabe disso. Falei há pouco de Guantánamo porque até o presidente Obama falou; e os países cujos serviços de inteligência foram usados para levar presos, isso está noticiado. Não queremos dar refresco para nenhum país, queremos uma maneira que melhore, não para que os que tem complexo de culpa possam botar diploma na parede e dizer: condenei, e não mudar nada. O que me choca é a falta de interesse em melhorar de fato a situação de direitos humanos.
Valor: Mas Cuba e Irã são dois países onde…
Amorim; A mídia está totalmente errada ao dizer que o Brasil apoia o Irã. O Brasil não apoia o Irã. O Brasil apoia a paz, procurou um acordo proposto pelos países ocidentais em relação a energia nuclear, evitar armas nucleares.
Valor: Mas o presidente Lula faz declarações de apoio aos países, como quando compara oposição iraniana à torcida de futebol, diz ser avacalhação intervir por uma condenada à morte por adultério, diz que pode abrigá-la se ela estiver incomodando…
Amorim: Estamos trabalhando pelos direitos humanos, mas nossa maneira de agir é diferente de outros que fazem da hipocrisia sua maneira de principal instrumento. Condenam publicamente e financiam privadamente, em muitos casos.
Valor: Citaria um exemplo?
Amorim: Não.
Valor: Especialistas dizem que o Brasil emite sinais ambíguos, dá impressão de ser advogado dos interesses iranianos…
Amorim: Isso é imaginação, invenção das pessoas. Peguem os comentários feitos pelo Brasil sobre as exposições iranianas no Conselho de Direitos Humanos e verão que há muitas críticas e recomendações. Está disponível.
Valor: Pode citar algumas?
Amorim: Várias: condenação à pena de morte para menores, sobre a situação da mulher. Agora, o Irã, com todos os defeitos, convidou a alta comissária de Direitos Humanos para ir lá, e ela não foi até agora, deve sofrer pressão de alguém para não ir. Não propomos refresco para ninguém. Os métodos tradicionais não funcionam, precisamos encontrar métodos eficazes, e entre eles existe a maneira como implementar as recomendações dessa revisão universal. Isso não é notícia nova sequer, há uma fabricação com objetivos políticos, no noticiário.
Valor: Não só os jornais, as ONGs também se queixam do Brasil….
Amorim: As ONGs estão em sua missão de fiscalizar, como as de meio ambiente, que falam coisas que a gente não concorda, depois nos elogiam. A maneira como encaramos o processo, essa ideia da revisão periódica universal, eu defendi em Genebra, no governo FHC, justamente porque se pretendia tratar com isonomia, não permitir a politização, porque países entravam e outros não.
Valor: Na Guiné Equatorial o senhor falou em negócios; seria tradição de isolar a economia do tema de direitos humanos?
Amorim: Um jornalista me fez uma pergunta, foi totalmente distorcida, sobre negócios com o país. Eu disse: qual manteiga você comprou hoje? Quais companhias de petróleo operam aqui? Não quer dizer que esteja endossando o governo. Não quis dizer que isso guia nossa diplomacia, mas que não se pode confundir as coisas. A manteiga era francesa, as companhias de petróleo, americanas.
Valor: Outra crítica é que o Brasil se propõe a atuar como mediador…
Amorim: Não estamos propondo não, os outros países nos procuram. O presidente da Síria esteve aqui, o [presidente da Autoridade Palestina] Mahmoud Abbas, o presidente de Israel e o presidente do Irã estiveram aqui.
Valor: E na América do Sul, onde o Uruguai pediu em vão ajuda na crise com a Argentina pela instalação de papeleiras na fronteira?
Amorim: Só podemos ajudar quando os dois lados estão interessados, senão em vez de ajudar prejudica. No caso iraniano, recebemos estímulos de países ocidentais e outros para continuar na trilha e tinha óbvios interesses no Irã. Óbvio interesse dos dois lados.
Valor: No caso de palestinos e Israel não havia tanto interesse…
Amorim: Essas coisas têm de ser levadas com delicadeza. Há movimentos sendo feitos, no caso eu, pessoalmente, em decorrência até de pedido de Israel.
Valor: A aproximação com a Síria?
Amorim: Não vou dar detalhes, estive na Síria, Palestina, em Israel. E Turquia.
Valor: O Brasil não poderia ser mais ativo no Mercosul? E as queixas dos uruguaios?
Amorim: Não agimos com imposição, não faz parte de nossa atitude. Há mecanismos persuasórios, mas se não funcionam não adianta forçar, tem de esperar que o momento ocorra.
Valor: A reunião do Mercosul avançou com uma agenda que estava paralisada?
Amorim: O ministro não pode estar o tempo todo presente; lançam-se linhas de ação e elas avançam. Coisas que pareciam impossíveis ocorreram, houve o código aduaneiro, eliminação dos cronogramas, acordo de livre comércio com o Egito, o primeiro com país em desenvolvimento – além do que o Egito por si mesmo é país importante para nós. Tivemos uma coisa que não é comercial, mas é importante, o de gestão do aquífero Guarani. Só podemos exercitar plenamente nossa soberania mediante acordos de cooperação entre os quatro países.
Valor: Mas não falta, como reconheceu na reunião, um cronograma para acabar com as exceções à tarifa comum? Como aplicar um código nas alfândegas com tantas diferenças de tarifa?
Amorim: Uma coisa pressiona a outra, é positivo. A inexistência de uma tarifa externa comum faz com que o mercado comum não se realize plenamente, dificulta até negociações externas. Não se consegue isso de um dia para o outro, mas se fizermos um cronograma -não quero botar números, dez anos, quinze anos que sejam, e umas exceçõezinhas para o final – teremos mecanismo de cobrança sobre nós mesmos . Vamos conseguir dessa vez? Foi grande êxito a reunião, vai até ficar difícil para o Brasil agora porque muitas coisas que estavam represadas saíram. Temos de começar outras iniciativas.
Valor: Os chanceleres e presidentes discutiram as exceções à tarifa externa na última reunião?
Amorim: Falei na minha apresentação. Não houve discussão, estávamos muito concentrados em resolver nossos problemas. No último momento sempre há questões complexas. Até o ultimo momento estávamos empenhados em uma solução razoável para esse problema naquela reunião.
Valor: Era a reivindicação argentina de incluir impostos de exportação no código?
Amorim: Não necessariamente o da Argentina, o Brasil aplicou por muito tempo imposto sobre exportação de couro wet blue…
Valor: O Mercosul vai manter práticas como esse imposto de exportação?
Amorim: A medida em que a gente evolua para uma tarifa externa comum para valer, elimine a dupla cobrança da TEC, trabalhe para eliminar subsídios internos, não faz sentido ter imposto de exportação interno, mas isso será uma evolução.
Valor: Na crise Venezuela e Colômbia, um dos problemas é a presença dos guerrilheiros das Farc na fronteira; não é um problema regional a ser atacado?
Amorim: As Farc nascem de qualquer maneira dentro da Colômbia, qualquer atitude tem de ser combinada com o governo colombiano. Não significa que não vamos melhorar o policiamento na fronteira, isso aliás vale para os dois lados. A ideia do Conselho de Defesa da Unasul é também poder trocar de informação, ter medidas de criação de confiança, incluir medidas desse tipo, certamente com o repúdio a grupos armados sobretudo ligados ao narcotráfico.
Valor: Uribe desmoralizou a Unasul ao preferir denunciar na OEA a presença das Farc na Venezuela?
Amorim: Não desmoralizou, primeiro porque não é problema do Conselho de Defesa; quando se trata de denúncia é problema político. O Conselho é para encaminhar soluções ou que previnam que se chegue a esse ponto (de crise diplomática) ou para encaminhar alguma decisão política. Uma ação de um país não pode desmoralizar uma organização. O presidente Uribe tem direito de fazer a opção que quiser, também é membro da OEA, mas é muito mais provável conseguir solução na Unasul que na OEA.
Valor: Defende a ideia de mecanismo conjunto de fiscalização das fronteiras na região
Amorim: Pode ajudar, mas pode ser bilateral, vamos respeitar as sensibilidades; essas coisas não podem ser impostas.
Valor: Que metas o governo tem para o fim do governo?
Amorim: Resolver bem o que começamos. Sempre disse que o Brasil, até para atuar fora da região, precisa que a região esteja bem organizada e bem integrada. Demos passos importantes, não definitivos, não resolvem os problemas, temos de avançar mais. Não é eliminar as exceções; é como chegar a uma plena tarifa do Mercosul num numero X de anos. Tem sentido não ter acordo de compras governamentais que deem ao Mercosul uma preferência real? Temos de ter acordo de serviços mais amplo, maior liberalização, dar tratamento nacional às empresas do bloco em todos os países. Em vez de negociar setorzinho por setor será que não devemos ter meta para definir, que devem ser alcançadas? Talvez agora, com o fim do nosso governo, esteja na hora de pensar grande novamente no futuro. Essas metas temos de buscar.
Valor: Pode-se fechar o acordo de livre comércio com a União Europeia neste ano?
Amorim: Não quero fazer previsões. Se forem pessimistas, tornam-se auto-cumpríveis; se muito otimistas, dirão que é a proverbial ingenuidade do Itamaraty. Vamos trabalhar, ver até onde avançamos. Acho que dá para avançar, mas, realisticamente, concluir negociação neste semestre, não sei. Aguardamos a resposta deles para nossa oferta agrícola.
Valor: O que há entre EUA e Brasil para Lula falar em decepção com Barack Obama?
Amorim: Não posso fazer juízo assim, o presidente Obama é bem intencionado, muito importante para a política interna dos EUA, foi positivo o que fez na saúde, na disciplina dos bancos, Mas a política americana é complexa, parece não poder tratar de muitos assuntos ao mesmo tempo. Talvez o que o presidente Lula fale é da necessidade de maior compreensão do que é e como mudou a América Latina.
Valor: O embaixador José Botafogo diz que a diplomacia aponta uma série de tarefas, mas confunde importância com prioridade. Se tudo é prioridade, desperdiça esforços.
Amorim: Quando o [secretário-geral do Itamaraty, Antônio] Patriota vai a um determinado lugar me sinto representado. Tanto que esses avanços todos no Mercosul foram obtidos na minha ausência. Quando há necessidade, pode ter certeza de que estamos presentes, como no caso do código aduaneiro no Mercosul.
Valor: O senhor atuou diretamente?
Amorim: Me lembrei de problema parecido, no acordo Trips [direito de propriedade intelectual] da OMC. Garantimos que o assunto fosse mencionado, mas que cada um pudesse considerar-se representado.
Valor: Ministro, já decidiu o que fará no próximo governo?
Amorim: Minha vida não se mede por governos.
Valor: Em 2011, permanece no ministério? Falou com a candidata de seu partido?
Fonte :Valor Economico
Amorim: Não conversei, nem vou criar esse tipo de constrangimento para ela. Uma coisa garanto: não vou criar constrangimento a ninguém. E estou tomando providências: vou dar aulas na UFRJ. Não estou em idade de ensinar teoria, os mais jovens devem saber mais, mas posso transmitir experiência. Outra coisa minha mulher já fez: pedimos o apartamento nosso no Rio, em Copacabana que já está alugado.
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