Como pode o Brasil, num sistema internacional em transição, aumentar sua influência?
O Estado de S.Paulo – Gabriel Manzano
Trata-se de uma feliz coincidência e o melhor que os candidatos à Presidência podem fazer é aproveitá-la. O Brasil ganha importância e sonha com mais espaço na política mundial no exato momento em que uma crise financeira abala o sistema e obriga as grandes potências a reavaliar as regras do jogo e aceitar novos sócios. A multipolaridade, palavra da moda entre diplomatas e historiadores, abre as portas do clube para novos sócios – os países emergentes.
Uma tarefa a mais, portanto, para os presidenciáveis: entender de política externa. O tema entrou no caldeirão das prioridades nacionais e está obrigando cada um deles a esclarecer aos 135 milhões de eleitores, até outubro, duas questões: de que modo farão o País tirar vantagem desse novo cenário? E por quais caminhos pretendem definir esse novo lugar do Brasil no mundo?
Essas perguntas não faziam o menor sentido nos tempos do chamado mundo bipolar, o da Guerra Fria. Aquele era um mundo no qual não cabia mais ninguém além de Estados Unidos e União Soviética, com seus mísseis, seus espiões e o som de seus tambores de guerra. O nome do jogo era “mundo livre versus cortina de ferro” e a diplomacia dos tristes trópicos, tão desimportante, dormia sossegada durante os comícios eleitorais.
Isso passou. Sepultado com o comunismo, em 1991, o mundo bipolar foi trocado pelo domínio americano, unipolar. Bem depressa, porém, este se desmantelou. Não resistiu ao espetacular crescimento da China, aos estilhaços da crise financeira mundial e à virada americana com Barack Obama – cujo subproduto imediato era o fim do governo Bush e de sua obcecada guerra ao terror. É do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, uma das melhores definições desse furacão: “As placas tectônicas da economia e da política estão se deslocando. As categorias desatualizadas do Primeiro e do Terceiro Mundo, doador e credor, líder e liderado, já não servem mais.”
Buscar vantagens para o Brasil, nesse quintal de incertezas, não é tarefa simples. Primeiro, porque não há mais consenso sobre política externa. Como adverte a professora Maria Hermínia Tavares, do Instituto de Relações Internacionais da USP, o País ficou importante e os temas da diplomacia já não cabem nos salões e saletas do Itamaraty. “Eles ganharam o Congresso, as empresas, a mídia. Tornaram-se um tema controverso”, diz ela.
Polêmica aqui dentro, polêmica lá fora. O mundo dito multipolar onde a política externa tem de se aventurar virou um quebra-cabeça de novos temas, novos fóruns, novos riscos. Dos grandes salões oficiais, como a ONU e a OMC, o debate escapou para o G-20, os BRICs, os BASICs, o Caricom, a Unasul… Cúpulas informais, às vezes gigantescas, reúnem governos, ONGs e instituições mil para discutir sistema financeiro, segurança nuclear, mudanças climáticas, energias limpas, lavagem de dinheiro, direitos humanos, migrações, controle da internet. Uma tarefa para diplomatas de todos os ministérios.
Que mundo pode sair desse feirão de debates, com seus quilômetros de documentos? Para saber, o Conselho Nacional de Segurança dos EUA reuniu centenas de cientistas e montou, em 2008, uma futurologia de primeira – o estudo Global Trends 2025: A Transformed World (Tendências Globais 2025, Um Mundo Transformado). É um nunca acabar de alertas, a exigir das diplomacias um guia de sobrevivência.
Seu primeiro lembrete é que o Ocidente tem hoje 18% da população mundial – um número que convive com o rápido crescimento da Ásia e do Islã. A riqueza se transfere, em ritmo inédito, para a Ásia. Daqui a 15 anos cerca de 25 nações saberão fabricar uma bomba nuclear. As alterações climáticas vão desarrumar a vida de muitas nações. É preciso começar já a construir uma economia sem petróleo.
O Brasil, nessa avaliação, vale mais do que antes e menos do que se proclama. Embalado pelo agronegócio e pelo petróleo em alto-mar, pode sonhar com dias gloriosos – mas a precariedade da educação e uma tecnologia de principiante o impedem de decolar. Discursos e euforia à parte, o que os números dizem é que o País patina no 85º lugar nos índices de educação da ONU e que saltou de 22% para 45% o volume de matérias-primas nas nossas exportações.
Como adverte o economista Marcelo de Paiva Abreu, professor da PUC-Rio, se quiser livrar-se desses grilhões o próximo governo “não pode ignorar a urgência de maciça renovação da infraestrutura e inovações tecnológicas”. Isso combina com a incômoda previsão do Global Trends, segundo o qual o Brasil “tem limitada habilidade para projetar-se além do continente, como player importante no cenário mundial”. O americano Peter Hakim, do Diálogo Interamericano, vai mais longe. Veterano estudioso da América Latina, ele afirma que o potencial do Brasil para liderar o continente é “limitado por sua falta de disposição para arcar com os custos financeiros e políticos” de tal empreitada. E os vizinhos, diz ele com alguma ironia, “não têm um desejo particular de serem representados pelo Brasil”.
Em meio a tudo isso, a escolha moral e política sobre valores. A busca do “Brasil potência” vale o afastamento das tradicionais alianças ocidentais? Onde fica o ponto ótimo entre direitos humanos e negócios?Nenhum presidenciável escapará dessas escolhas cruciais, assim que subir a rampa do Planalto. E de muitas outras: como dar alento ao Mercosul? Dá para aplicar um choque de realidade no bolivarianismo? Como retomar o clima de confiança com os EUA? Os BRICs têm futuro como aliança? Seria oportuno o País ousar um pouco mais na política ambiental?
Fonte : O Estado de São Paulo
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