O que não significa vai significar um dia destes. Mas
significará uma coisa bastante diferente. Pensam que uma escada leva sempre a
uma espécie de casa ou terraço, e são magnânimos admitindo alguma variação de
formas e propósitos dentro dos termos das casas e terraços que há. Pois estão à
vossa espera, senhores, casas e terraços de estranhos sistemas arquitectónicos.
Há mesmo a suspeita de tratar-se de uma escada esquisita, uma escada apenas
para subir.
Mas dantes havia moral, dizem eles. Havia a moral para subir
e ir ao terraço. Depois via-se a paisagem.
E era bonito?
Sim, havia metafísica, política e filosofia para ver.
E para que servia ver isso?
Ora, a gente ficava contente, porque entravam e saíam ideias
pela cabeça.
Uma espécie de piquenique mental, não?
A metafísica, a política, a filosofia são matérias nobres.
Sim, senhores, obrigado.
Pois, e se a gente queria a casa, subia a escada e entrava
na casa.
Também nas paredes, a filosofia, e etc?
Sim, exactamente.
Olhem: não, obrigado. Vou dizer-lhes: vai ser escada para
subir e depois a gente ficará lá em cima experimentando o transe do silêncio.
Os senhores não percebem nada de destruições. Temos de aturar todo o
aborrecimento de uma velha modernidade: Fernandos Pessoas, surrealismos, a
política com metonímias, a filosofia rítmica, as religiosidades heréticas, as
pequenas tradições de certas liberdades. Acabou-se.
(O verbo impregnava a terra, a energia impregnava a terra).
Tudo isto é para a grande máquina circulatória, o aparelho
digestivo, o sistema respiratório. Coisas do corpo que precisa de transe,
êxtase. Essa é a significação. Estamos a trabalhar com instrumentos que abalam
tudo. Há uma energia geral comutada à passagem pelo corpo. É uma comutação
cultural. E afastem daqui o surrealismo. Afastem a metafísica, a política, as
ideiazinhas de merda. Um transe. A palavra é uma provocação destinada a uma
espécie de intransigência física. E que é o corpo senão ele mesmo?
Os poetas estão a avançar com uns vagares de galinholas.
Porra.
[Herberto Helder]