"Dispomos da afirmação que o poder não se dá nem se
retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o poder
não é principalmente manutenção e reprodução da relações econômicas, mas acima
de tudo de uma relação de força. Questão: se o poder se exerce, o que é este
exercício, em que consiste, qual é a sua mecânica?"Michel Foucault (Microfísica do poder)
domingo, 28 de fevereiro de 2016
Machado de Assis era Brasileiro. Uma genealogia brasileira.
Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), escritor
carioca, brasileiro, universal. Machado de Assis é reconhecido pela crítica
como um dos cinco maiores nomes da literatura portuguesa em toda a sua
história. Foi fundador e Presidente da Academia Brasileira de Letras.
A melhor obra "machadiana" para fins genealógicos
é o trabalho de Gondin da Fonseca, Machado de Assis e o Hipopótamo, 6ªed, 1974.
Joaquim Maria Machado de Assis (MA) foi batizado na Capela
de Nossa Senhora do Livramento (Santa Rita L8, 167) aos 13 de novembro de 1839,
nascido aos 21 de junho do mesmo ano. Filho legítimo de Francisco José de Assis
e de Maria Leopoldina Machado de Assis. Foram padrinhos o Viador Joaquim
Alberto de Souza da Silveira e Dona Maria José de Mendonça Barroso, senhores da
Quinta do Livramento, genro e nora entre si, como veremos depois.
O pai de Machado de Assis, Francisco José de Assis era
pintor e dourador.Sabia ler e escrever e possuía certa cultura, como se
depreende de uma assinatura sua do Almanaque Laemmert. Foi batizado aos onze
dias de outubro de 1806 na Catedral, Santíssimo Sacramento (L3A, 330). Era
filho de Francisco de Assis, pardo forro e de Inácia Maria Rosa,
parda forra. Foi padrinho o Reverendo Antonio de Azevedo e Protetora Nossa
Senhora das Dores. Muitos biógrafos de MA indicam o Padre Antonio de Azevedo
como avô de Francisco José de Assis. O Padre Antonio de Azevedo era
natural da Ilha do
Faial, Açores.
Casou o pai de Machado de Assis (MA), Francisco José de
Assis, com Maria Leopoldina aos dezenove dias de agosto de 1838 na Capela do
Livramento (Santa Rita, L4, 42). Maria Leopoldina era natural da
freguesia de São Sebastião da Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores,
filha de Estevão José Machado e de Ana Rosa. Foram testemunhas o Comendador
Baltazar Rangel de Souza e Azevedo Coutinho e o Alferes Joaquim José de
Mendonça. A mãe de MA foi indicada por alguns biógrafos como lavadeira e
certamente era de origens humildes, mas sabia ler e asinava com bela
caligrafia.
Machado de Assis só teve uma irmã, Maria, batizada no
Livramento em outubro de 1841. Foram padrinhos o Brigadeiro, Senador e Ministro
Bento Barroso Pereira e D. Maria José de Souza Silveira, novos senhores do
Livramento. (Santa Rita, L8, 243v.244). Maria faleceu em 4/7/1845. A
madrinha de MA D. Maria José de Mendonça faleceu em 11/10/1845, com 75 anos,
viúva do Senador Bento Barroso Pereira. A mãe de MA faleceu em 18/1/1849.
Os avós paternos de MA casaram na Igreja do Santíssimo (L2,
97). Francisco José de Assis, pardo forro, filho natural, desobrigado na
freguesia de Santa Rita, de Benedita Maria da Piedade, escrava que foi de D.
Maria Teresa dos Santos, com Inácia Maria Rosa, forra, filha natural de Rosa,
preta, escravas do Padre José Pereira dos Santos. Foram testemunhas o
Reverendo Chantre Filipe Pinto da Cunha e Souza e o Tenente Coronel Francisco
Cláudio Pinto da Cunha e Souza. Presente também o Padre Antonio de Azevedo, o
suposto pai do noivo, o que levou o matrimônio para outra freguesia e a sua
desobrigação da
Igreja de Santa Rita.
As origens da família paterna de MA encontram-se nos
segundos proprietários do Livramento. Manuel Pinto da Cunha e Sousa casou com Maria
Teresa dos Santos em 1737. Eram os senhores do Morro do Livramento,
extensa propriedade que ia desde a orla do Valongo até quase o Campo de Santana,
depois Campo da República. Todo o Morro pertencia à Quinta do Livramento.
Manuel Pinto da Cunha faleceu por volta de 1771. Eram os
senhores de Benedita Maria da Piedade, escrava negra, bisavó de MA. José
Pereira dos Santos, eclesiástico, provavelmente irmão ou parente próximo
de Maria Teresa dos Santos, era o senhor de Rosa, outra bisavó de MA.
O Livramento e os seus senhores
A chácara do Livramento foi criada pelo português José
Caieiro da Silva. Instituiu a Capela dedicada a Nossa Senhora do Livramento. O
primeiro dono faleceu em 15/8/1736. A propriedade foi comprada por Manoel
Pinto da Cunha, que legou a chácara a dois de seus filhos. A 10 de fevereiro
de 1827, Ana Teresa faz a doação do Livramento, em escritura, para Bento
Barroso Pereira em 10/2/1827. A escritura afirma que Bento administrara os
bens e os resgatara das dificuldades e das dívidas deixadas pelo irmão
dela, o Brigadeiro Francisco Cláudio Pinto da Cunha e Sousa,
falecido em 1822. A doadora ficaria em usufruto na propriedade e o Brigadeiro
Bento continuaria a morar em sua companhia na dita Quinta. Deu o valor da
Quinta em 24 contos. O imóvel deveria valer muito mais. D. Ana Teresa faleceu
seis meses depois, aos 19/9/1827.
Manuel Pinto da Cunha e Sousa e Maria Teresa dos Santos
foram os pais de Ana Teresa Angélica da Cunha e Sousa, senhora solteira, que
herdou a propriedade do Livramento após a morte de seu irmão, o Tenente Coronel
Francisco Cláudio, falecido em 1822. Nesta parte entra em cena o
Brigadeiro Bento Barroso Pereira, que freqüenta o círculo das pessoas da
chácara do Livramento, ganha a confiança, ajuda D. Ana Teresa Angélica
a administrar a propriedade e paga as dívidas dela. Bento Barroso Pereira
receberia em doação boa parte do Livramento em 19/2/1827, como agradecimento
pela convivência e pelo pagamento das dívidas da Quinta. Bento Barroso Pereira
casou na Capela do Livramento um ano antes com a viúva Maria José Mendonça,
nascida em Portugal, batizada na freguesia de São Vitor, Braga, aos 9/3/1773.
Foi exposta e seu padrinho foi o Cônego João Cardoso de Mendonça Figueira. Era
filha natural de Manuel Cardoso de Mendonça Figueira de Azevedo. Em 6/3/1802,
por procuração passada na Cidade do Porto, Igreja de Santo Ildefonso, Maria
José Alexandrina Cardoso de Mendonça Figueira de Azevedo casou com um primo,
Joaquim José de Mendonça Cardoso, Desembargador Intendente do Ouro no Brasil,
falecido no Rio de Janeiro em 17/10/1807. Joaquim José de Mendonça Cardoso era
filho natural de
Maria Clara, batizado em 15/10/1766 na freguesia de São
Martinho de Anta, Concelho de Sabrosa, Porto. Maria Clara era natural de São
João Batista, Vila de Moimenta da Beira, Bispado de Lamego, filha de
Domingos de Aguiar e de Clara dos Santos. Seria Joaquim José de Mendonça Cardoso,
primeiro marido de Maria José Mendonça, filho do Cônego Joaquim José
de Mendonça Cardoso ? No ato do casamento é que Maria José revelou o
nome do pai dela, a mãe nunca foi revelada. Eram pessoas riquíssimas em Portugal
e no Brasil. Maria José teve dois filhos do seu primeiro enlace, nascidos
em Portugal e que vieram depois também para o Livramento: O Alferes
Joaquim José de Mendonça e Antonia Margarida de Mendonça Figueira de
Azevedo, casada com Joaquim Alberto de Sousa da Silveira.
Foram padrinhos de MA D. Maria José Mendonça e seu genro o
Sargento-Mor Joaquim Alberto de Sousa da Silveira, também parentes entre
si em Portugal em grau recuado. Também seriam ambo considerados parentes
distantes de D. Ana Teresa Angélica da Cunha e Sousa (300). O Livramento seria
uma rede de parentesco ? Temos que verificar empiricamente a afirmação com
outras pesquisas.
O Sargento-Mor Joaquim Alberto de Sousa da Silveira e D.
Antonia Margarida tiveram uma única filha, batizada com o mesmo nome da avó
materna (Maria José de Mendonça, a madrinha de MA), nascida em Pati do Alferes,
Maria José de Mendonça da Silveira. Casou com Jorge Firmo Loureiro, adido à
legação de Portugal. D. Maria José de Mendonça da Silveira era Dama de Honra da
Imperatriz do Brasil.
Como referimos antes, D. Maria José Mendonça, viúva com 53
anos, casou na Capela do Livramento (Santana L1, 120v.) aos 25/11/1826 com
o Brigadeiro Bento Barrosos Pereira, com 41 anos. Dona Ana Teresa
Angélica da Cunha e Sousa foi testemunha junto com o Sargento-Mor Pedro
Francisco Guerreiro
Drago.
O Brigadeiro Bento Barroso Pereira faleceu em 9/2/1837, em
Niterói. Sem filhos do seu casamento, como seria presumível em função da
idade de sua mulher D. Maria José de Mendonça Barrosos e que também faleceria
em 1845. O Alferes Joaquim José de Mendonça faleceu em 1847, em estado de
demência. A única herdeira foi Maria José de Mendonça Silveira, a filha de
Joaquim Alberto de Sousa da Silveira, o padrinho de MA. A herdeira seria
representada no inventário pelo seu marido Jorge Firmo Loureiro. Houve um
litígio com D. Maria Paula (ver a seguir) e a herança do Alferes Joaquim José
de Mendonça, com problemas mentais, que somou 18:734. 493
D. Maria José de Mendonça da Silveira voltou a casar em
6/10/1866 na Capela do Livramento com João Antonio Martins Tinoco. Do primeiro
casamento teve a filha Carolina da Silveira Loureiro, que casou e morreu em
Braga. Do segundo casamento em Braga, Portugal, também teve geração conhecida.
Um dos irmãos de Bento Barroso Pereira era Joaquim Barroso
Pereira, que casou em 1831 com Maria Paula Rangel de Sousa Coutinho
Azevedo, filha do Capitão Baltazar Rangel de Sousa Coutinho Azevedo e D.
Antonia Joaquina Duque Estrada Furtado de Mendonça. D. Maria Paula teve longa
vida, nasceu no Rio de Janeiro em 10/5/1797 e faleceu em 27/6/1893, com 96
anos. Foi a cunhada e sucessora no Livramento de D. Maria José Mendonça.
Teve dois filhos: Antonio Barroso Pereira e Bento Barrosos Pereira. MA
"sempre a amou". Maria Paula foi a testamenteira de D. Maria José
de Mendonça em 1845. Como vimos antes, no casamento na Capela do Livramento dos
pais de MA, Francisco José com Maria Leopoldina, foram testemunhas
Baltazar Rangel de Sousa Coutinho Azevedo, pai de Maria Paula Rangel e Joaquim
José de Mendonça, filho de Maria José Mendonça e que ficou demente
(louco), legando para sua mãe a renda do ofício de Escrivão das Execuções do
Sabará.
A família da mãe de Machado de Assis
Maria Leopoldina Machado da Câmara, a mãe de MA, foi
batizada em 7/3/1812, freguesia de São Sebastião de Ponta Delgada, Ilha de São
Miguel dos Açores. Faleceu no Rio de Janeiro em 18/1/1849. Filha de Estevão
José e de Ana Rosa, casados em 9 de junho de 1809. Estevão José era natural da
Vila do Porto, Ilha de Santa Maria, freguesia de Nossa Senhora da Assunção,
nascido em 16 de março de 1790, a princípio foi declarado filho de pais
incógnitos e exposto nas Casas da Câmara. Depois seus pais, João Pedro e
Francisca Rosa, regularizaram a situação, quando casaram em 9/7/1796 na
freguesia de Nossa Senhora da Purificação, Candeias, da Ilha de Santa Maria.
João Pedro, bisavô de MA era filho de João Machado e de Helena Rosa.
Ana Rosa, avó materna de MA, era viúva de Antonio da Câmara,
que "não foi sepultado por cair no mar donde nunca saiu". O nome
Câmara e o nome Leopoldina da mãe de MA devem ter sido inventados para fins
de prestígio talvez. "O nome heráldico Maria Leopoldina Machado da
Câmara deve ter sido criação artística de D. Maria José de Mendonça Barroso,
protetora da moça" (Gondin da Fonseca, 286). Ela nasceu em 7/3/1812, na
freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, lugar Bretanha. Filha de Sebastião Arruda
Cordeiro, batizado na mesma freguesia da Bretanha em 18/11/1743 e de
Maria da Estrela. Ana Rosa era neta paterna de Julião Cordeiro e de Maria de
Viveiros e neta materna de Antonio Tavares e de Maria do Nascimento. Julião
Cordeiro era filho de Manuel Cordeiro Benevides e de Margarida de
Viveiros. Maria de Viveiros era filha de Pedro Arruda e de Francisca de
Viveiros (38).
Casa Grande e Senzala no Livramento
O Livramento era uma típica estrutura social brasileira no
estilo da Casa Grande e Senzala. Formava uma comunidade senhorial e
patriarcal, mesmo estando dentro da Cidade do Rio de Janeiro e sendo comandada
por mulheres bondosas e de vidas familiares também sofridas. Era uma
pequena comunidade escravista com as suas hierarquias e divisões. Havia várias
camadas. O proprietário ou a proprietária principal (no caso mais as
“matriarcas”), os senhores, os agregados superiores, os agregados, os
trabalhadores e os escravos na base da pequena comunidade. Havia a Capela do
Livramento, havia também a Casa Grande, que na verdade era um amplo palacete,
contrastando com outras casas dos agregados e com as senzalas Havia o trabalho
agrícola, as plantações, a fruticultura e as hortas nas atividades vinculadas
ao abastecimento da Cidade do Rio de Janeiro. Integração social e conflito
coexistiam. A comunidade do Livramento atravessaria quase todo século XIX e os
seus vínculos durariam ao longo do tempo.
Os pais de Machado de Assis podiam ser considerados
agregados em posição intermediária. Eram respeitados e inclusive batizaram filhos
de escravos do Livramento. O maior capital social que dispunham era a
cultura acima da média e a sua capacidade de escrever e ler. Isto faria a
diferença para a formação inicial do jovem Machado de Assis. O resto seria
com o próprio escritor e o ambiente progressista e modernizante em várias
esferas sociais e econômicas do Rio de Janeiro na virada do XIX para o XX.
Passemos a palavra para um comentarista estrangeiro, o
francês Jean Michel Massa (A Juventude de Machado de Assis: 1971, 55):
"Foi entre essa família patriarcal, um pouco voltada
sobre si mesma, que Machado de Assis passou os seus primeiros anos. Cresceu no
meio de um grupo social particular, que é uma espécie de gens, unida por uma
sólida argamassa. O chefe era uma velha dama, no crepúsculo de sua
vida, que conheceu uma existência bastante agitada, Maria José de
Mendonça, filha natural, casada em segundas núpcias, rica, muito rica mesmo.
Ali existia uma hierarquia implícita que todos aceitavam. Ela se exercia sem
violência, até mesmo com certa benevolência, porque se excetuarmos a idade
da proprietária, nada ameaçava as bases do edifício. Os anos 1840-1850
assistiram ao apogeu do sistema patriarcal; para alguns foram os seus últimos
clarões. As classes existiam nesta sociedade como em todas as épocas e em todos
os lugares, mas não se tinha ainda nitidamente consciência das diferenças. O
sistema era equilibrado e compensado por um certo tipo de vida afetiva,
muito brasileiro, de respeito e submissão”.
Ricardo Costa de Oliveira
12/5/2005
Cuando mi error y tu vileza veo
De amor, puesto antes en sujeto indigno, es enmienda
blasonar del arrepentimiento
Cuando mi error y tu vileza veo,
contemplo, Silvio, de mi amor errado,
cuán grave es la malicia del pecado,
cuán violenta la fuerza de un deseo.
A mi misma memoria apenas creo
que pudiese caber en mi cuidado
la última línea de lo despreciado,
el término final de un mal empleo.
Yo bien quisiera, cuando llego a verte,
viendo mi infame amor poder negarlo;
mas luego la razón justa me advierte
que sólo me remedia en publicarlo;
porque del gran delito de quererte
sólo es bastante pena confesarlo.
Sor Juana Inés de la Cruz
Biblioteca Digital Ciudad Seva
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