Por Mário Lima Jr.
Quase cem corpos encontrados, mais de duzentas pessoas
desaparecidas. Moradias destruídas, árvores derrubadas e plantações devastadas.
Por causa da poluição do rio Paraopeba, sua principal fonte de sustento, a
sobrevivência da tribo Pataxó Hã-hã-hãe está ameaçada. Os culpados, liderados
pela Vale, foram apontados ao longo da semana e devem ser punidos de uma vez
por todas. Para impedirmos que crimes como o de Mariana e Brumadinho se
repitam, também é fundamental compartilharmos o sofrimento daqueles que se
foram.
Jonatas Lima Nascimento tinha 36 anos e está entre os
assassinados pela negligência da Vale. Era operador de equipamentos de
instalação e passou o primeiro turno de trabalho, do dia 25 de janeiro,
pensando na esposa e nos filhos, de 11 e 5 anos de idade. Sabemos disso porque
Jonatas ligou duas vezes para conversar com a esposa naquela manhã.
Cansado, talvez depois de abastecer vagões com minérios que
seriam transportados de trem, uma das tarefas que desempenhava, Jonatas estava
no centro de carregamento – uma área baixa – na hora do rompimento da barragem
da Mina do Córrego do Feijão, segundo informações extraoficiais.
A audição deve ter sido o primeiro sentido despertado, pelo
barulho da onda gigantesca de rejeitos rompendo a barragem e esmagando o
maquinário e tudo o que tinha pela frente. Se havia treinamento frequente para
situações de emergência, em milésimos de segundo o cérebro trouxe à memória o
procedimento a ser seguido. Mas o mar de lama veio rápido demais para uma
reação maior. Muitos não tiveram tempo de correr, como os trabalhadores dentro
do refeitório, completamente soterrado. No máximo, trocaram olhares com o
colega de trabalho mais próximo, que também morreria em instantes.
Gritos foram abafados de imediato. A força da avalanche, que
deslocou construções por centenas de metros, esmagou as vítimas contra paredes
e objetos que arrastava, bem maiores do que o corpo humano. Antes da escuridão
completa, quem sabe Jonatas sentiu o impacto nas costas e na cabeça, e o corpo
imobilizado por um peso tremendo sobre ele.
Os Bombeiros encontraram membros arrancados. Esperamos uma
morte instantânea, sem dor, mas aqueles que passaram pela experiência não podem
revelar se sentiram o corpo cortado, perfurado, o gosto de terra na boca e o
toque da lama entre os dedos. Dois segundos no trajeto do rompimento da
barragem significaram um sofrimento insuportável. A podridão entrou pelo nariz,
pela boca, e em pouco tempo se tornou impossível respirar.
Com calma e benevolência na voz, Fabio Schvartsman,
presidente da Vale, alegou que a empresa aplicou um “esforço imenso” para
evitar outra tragédia após Mariana. No entanto, os mortos, bem como o
sofrimento dos parentes, são um fato indiscutível que provam o contrário. As
sirenes que deveriam ter alertado a população sequer funcionaram. Foram
instaladas para cumprir a legislação e nem ao menos testadas. É o relato do seu
Manuel, que morava perto da barragem e de uma das sirenes. Ele perdeu a casa e
só não perdeu a vida porque a esposa o salvou.