sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Gênero e silêncio




Judith Butler é uma das intelectuais mais influentes do cenário contemporâneo de debates em torno das chamadas "ciências humanas".

Uma das responsáveis pela elevação das discussões sobre gênero e identidade sexual a setor fundamental da reflexão sobre reconhecimento social, Butler forneceu o quadro teórico para a luta política de grupos que procuraram sair da invisibilidade a que foram relegados por discursos profun-damente normativos a respeito da vida sexual.

Associada ao que hoje entendemos por "queer theory", Butler soube ir além do quadro tradicional das lutas feministas e ver, na instabilidade das identidades sexuais, espaço de afirmação das possibilidades de construção de singularidades atravessadas pela necessidade de produzir suas próprias normas.

Em vez de perpetuar estratégia feminista que procurava contrapor-se à normatividade masculina e patriarcal por meio da afirmação essencialista do feminino, ela deu voz àqueles que parecem só serem capazes de viver desarticulando normas identitárias fundamentais.

Isso lhe permitiu desenvolver uma grande sensibilidade ética e política para processos de exclusão e invisibilidade social. Tratava-se de levar ao extremo uma certa guinada ética -herdada de setores das filosofias francesa e alemã do século 20- com sua compreensão de que a questão moral fundamental encontrava-se no problema do reconhecimento da alteridade.

Podemos falar em "levar ao extremo" porque o reconhecimento só mostra sua força moral quando tenta responder à questão: Como reconheço aquele que nem sequer tem voz no interior do meu discurso, nem representação possível para mim? Ajo moralmente quando empurro tal inominável para a vala do irracional?

Assim, em vez de se contentar em defender minorias sexuais do Upper East Side (Nova York) fotografadas por Nan Goldin, ela se dedicou ao menos glamouroso trabalho de defender prisioneiros de Guantánamo contra seu vazio jurídico, criticar grupos homossexuais europeus por sua islamofobia e defender palestinos contra a ideia de que seriam um "povo inventado", obrigados à condição de eternos refugiados, apátridas, se quisermos falar como Hannah Arendt.
Por posições como essa, Butler recebeu, há duas semanas, em Frankfurt, o Prêmio Adorno. Mas sua nomeação provocou a ira de grupos judaicos que a acusam de antissemitismo. No entanto há um detalhe importante: Butler é judia.
Como era de se esperar, não há uma palavra sua contra o direito de existência do Estado de Israel, ao qual ela se sente pessoalmente concernida. Mas alguns grupos talvez não estejam preparados para um verdadeiro debate sobre jul-gamentos morais.



Vladimir Safatle - 

Folha de São Paulo: 09 Oct 2012

O supremo trabalho


 - ROBERTO DaMATTA



Quando visitei os Estados Unidos pela primeira vez, em setembro de 1963, para estudar em Harvard, ouvi de um amigo que todo americano tinha um médico, uma igreja e um advogado. Não fiquei surpreso com o módico nem com a igreja, porque desde criança tinha visto médicos dando consulta em nossa casa com seis irmãos, enquanto a igreja era parte de nossas vidas dominicais. O advogado como um componente da vida rotineira me deixou curioso. Ò amigo disse: “Nas democracias, como você sabe (eu não sabia, mas fingi saber), há muitas disputas e conflitos, daí a necessidade do advogado”. Esse jovem professor assistente, Richard Moneygrand, divorciou-se de sua primeira mulher meses depois dessa observação. Foi uma separação conflituosa, cm que o advogado teve um relevante papel no equilíbrio legal e psicológico do meu amigo americano. Era um elemento de moderação básico, num sistema em que a liberdade era um direito e a igualdade um valor. No caso, a uma separação entre um casal que passou da paixão incontida e eterna à extrema indiferença por parte do amante masculino, cujo projeto não era mais a mulher, mas uma outra com quem logo em seguida casou-se e da qual divorciou-se novamente. Um outro amor que o protagonista tinha, conforme me explicou Richard com todas as letras, direito constitucional. Para ele, os americanos (e todos os seres humanos, homens ou mulheres, velhos ou jovens, ricos ou pobres) tinham assegurado o direito à felicidade. Que, para meu amigo, incluía não apenas o conforto material sem ostentação, mas o amor. O tal "love” de que eu tanto gostava e que era o personagem principal de um estilo de música popular tão sofisticado.

Foi nesses primeiros meses que tive, como ocorreu igualmente com um visitante ilustre que me antecedeu em 1831 - Alexis de Tocqueville a noção de duas dimensões indispensáveis a uma democracia. À primeira era a moderação, cujo papel era representado pelo advogado. A segunda era o conflito aberto e horizontalizado, em que as pessoas entravam não como representantes de grupos ou de valores morais, mas individualmente. Como subjetividades autônomas e por sua livre e espontânea vontade.


O que move a História


- LUIZ FERNANDO VERISSIMO


Os pais de Adolph Hitler teriam sido aconselhados a levar o menino para uma consulta com um médico que estava revolucionando o tratamento de distúrbios mentais, em Viena. Mas decidiram que o que o Adolphinho fazia com insetos era normal para a idade dele e não procuraram o Dr. Freud. O resultado foi o que se viu.

Karl Kraus escreveu que a Viena do começo do século 20 era o campo de provas da destruição do mundo. A derrocada do império Austro-Húngaro foi o fim de um certo mundo, mas acho que Kraus quis dizer mais do que isto. Para ele, as revoluções do pensamento postas em movimento na Viena da sua época trariam o fim do longo dia do humanismo europeu que durara desde a Renascença, e o novo século restauraria a idade das trevas.

O encontro que não houve entre o intelectual judeu que radicalizou o estudo da consciência e o homem que quis eliminar as duas coisas, o judeu e a consciência, da História simboliza este prenúncio, ou esta intuição de Kraus, sobre o século. Seria fatalmente o século do desencontro entre as duas formas de modernidade, a que liberava o pensamento pela investigação científica e a que o aprisionava pelo mito do estado científico.

A questão é até onde coisas vagas como o clima intelectual de uma cidade, ou clínicas como a maluquice de alguém, influenciam a História, ou até que ponto uma boa terapia pediátrica teria evitado o Holocausto. A História teria sido diferente sem Hitler, ou com um Hitler no poder mas tratado por Freud? A ideia do nazismo como uma anomalia patológica, como coisa de loucos, é uma ficção conveniente que absolve boa parte da direita cristã europeia da sua cumplicidade.

Mas a ideia de um determinismo neutro, independente de qualquer escolha moral, também é assustadora. Precisamos de vilões mais do que de heróis, de culpados muito mais do que de inocentes. Nem que seja só para preservar o autorrespeito da espécie.

O materialismo histórico rejeita a ideia de sujeitos regendo a História e marxistas ortodoxos reagem a qualquer sugestão de que as ideias justas venham de um discernimento moral inato. Assim a História como um relato de mocinhos providenciais em guerra com bandidos doentes sobra para a literatura, ou essa categoria de ficção sentimental que é a História convencional.

Pois gostamos de pensar que é a iniciativa humana que move a História, e que o seu objetivo, mesmo que tarde, seja moral e justo, e que ela tenha uma cara e uma biografia.

Estadão.20/05/2012

O feijão e a nuvem



 Chicago é, na verdade, uma cidade única nas suas relações acirradas entre arte e arquitetura

Esta semana aconteceu a última aula do meu curso sobre a canção brasileira na Universidade de Chicago.
O “Maracatu atômico”, de Nelson Jacobina e Jorge Mautner, estava no centro das questões finais, na versão de Gilberto Gil e depois na de Chico Science. No dia seguinte soube da morte de Jacobina, cuja discreta e batalhada serenidade e cujas melodias sóbrias e potentes sempre me tocaram. Fiquei feliz de que ele tivesse estado conosco, através dessa canção profundamente afirmativa. Sei que ele venceu durante muito tempo a doença, para além de todas as previsões médicas, simplesmente afirmando a vida, com arte. Assim seja.

Aqui, sinto-me finalmente capaz de dizer alguma coisa sobre a famosa e singular conformação arquitetônica e urbanística da cidade, depois de dois meses e meio de convivência. Embora se compare Chicago, volta e meia, com São Paulo, como metrópoles de empuxe industrial, algo da topografia e do urbanismo se parece surpreendentemente com o Rio, descontadas as abissais e montanhosas diferenças (isto é, descontados todos aqueles abismos e todas aquelas montanhas, literais ou metafóricas, que são impensáveis aqui). Mas é que Chicago se estende ao longo do Lago Michigan, lago-mar cuja borda é um parque público que pega de ponta a ponta a extensão urbana, como se a cidade fosse acompanhada em toda a linha por uma espécie de Aterro do Flamengo modulado com a Lagoa Rodrigo de Freitas.

As vias expressas e as parkways americanas se confundem na paisagem com vias de pedestres que passam por baixo ou por cima delas, mostrando-se e escondendo-se em transições bucólicas que têm a água só eventualmente como praia, e quase sempre como pano de fundo. É possível sair do Hyde Park, ao sul, em direção ao norte, a pé ou de bicicleta, e ir vendo a massa fina dos prédios do centro se mostrando em relances e aproximações gradativas, num show de escalas e contraplanos que criam muitas situações antes de passar pelo aquário, pelo planetário e chegar ao Millennium Park. O modelo é o mesmo que gerou o Aterro de Reidy, Burle Marx e Lota Macedo Soares, além de ser — o das parkways — uma das fontes explícitas do Plano Piloto de Brasília por Lúcio Costa.

No Millennium Park, a enorme escultura de aço espelhado de Anish Kapoor, nomeada “ Cloud Gate ” (“Portal Nuvem”), mas conhecida como “The bean” (“O feijão”), faz o papel de um epicentro imaginário (se é que se pode falar de epicentro numa cidade tão longilínea e reticulada como Chicago). E não é fácil explicar por quê. Começa que nenhuma fotografia tinha me dado a dimensão inusual dessa obra, pelos espaços e reflexos paradoxais que ela cria, e pela maneira como se localiza em meio aos edifícios. Seria preciso explicar, antes de mais nada, que Chicago é ela mesma um acontecimento arquitetônico: incendiada quase completamente em 1871, foi reconstruída por jovens arquitetos num momento de grandes saltos técnicos, como o domínio da tecnologia do elevador, que liberou a construção de arranha-céus, e o domínio das estruturas internas aos edifícios que permitiam com que se criassem grandes salões dentro dele, como o Ganz Hall, projetado por Sullivan.

Esse paradigma inovador do fim do século XIX prosseguiu através das residências pioneiras de Frank Lloyd Wright no início do século XX, do surto de edifícios déco nos anos 1920 e 30, ligados, digamos, ao imaginário da Gotham City, do “international style”, moderno, de Mies van der Rohe, nos anos 1940 aos 60, da leva pós-moderna nos anos 1980. Na pouco notável produção contemporânea, vale notar que o edifício Aqua Tower, de Jeanne Gang, em 2009, recebe a influência explícita do Copan de Niemeyer na Avenida Ipiranga, em São Paulo, e faz homenagens sutis a certos traços de estilo de Lina Bo Bardi.

Voltando à escultura de Anish Kapoor: sua superfície polida, em forma de ovo que tivesse engolido uma fita de Moebius, espelha e suga para dentro dela as imagens de tudo o que está à sua volta, os prédios de todas as décadas, o céu, as nuvens, o sol, as árvores, as pessoas que se aproximam e que se
distanciam  . É possível entrar por baixo dela, como se entrássemos num portal e num nicho vertiginoso de imagens e autoimagens multiplicadas, estranhamente superficiais e longínquas. Como um ovo, a escultura parece suspender o dilema da interioridade e da exterioridade. Sua pele de aço tem o poder aparente de engolir e de repelir as imagens, como se se apoderasse delas e as jogasse para um espaço que é dentro e fora. Como se a escultura fosse ela mesma o cérebro em que se refletem as imagens das coisas, inteiramente interiores e inteiramente exteriores a ele.

O resultado é uma peça de entretenimento capaz de excitar crianças e pelotões de turistas fotografantes e, ao mesmo tempo, nos colocar diante de enigmas como o do caráter imaginário do real e o da nudez real das imagens, cujo lugar é longe, perto, dentro, fora, superfície e nada. Essa grande peça de aço inoxidável polido espelha a arquitetura da cidade à sua volta, lançando-a para o lugar indeterminado em que a refrata na sua superfície reluzente.

Chicago é, na verdade, uma cidade única nas suas relações acirradas entre arte e arquitetura. E uma cidade campeã na defesa do espaço público. É significativo que a terceira cidade norte-americana o seja, e que a primeira, Nova York, tenha um enorme espaço público no centro de Manhattan, e que a segunda, Los Angeles, seja a campeã mundial da privatização de todos os espaços.

 - JOSÉ MIGUEL WISNIK

O Globo.06/02/2012


Erotismo feminino, mais uma receita?



 "Andamos desatinadas com essa onda de erotismo, como se isso fosse novidade: nunca antes sentimos nada? Éramos bonecas de pano?"

Parece que quanto mais insatisfeitos estamos em nossa intimidade, mais bradamos aos quatro ventos sobre sexualidade, erotismo e coisas semelhantes. Mais receitas aparecem, mais obrigações: nisso como em tantas coisas somos escravos do “ter de”.
A gente tem de ser rico, ser famoso, ter os melhores cartões de crédito, comprar muito, viajar muito, conhecer os resorts, ser bonito, jovem, magro, atlético, conhecer comidas sofisticadas mas estar de dieta, apreciar bons vinhos mas beber só água (sem gás!), ser saudável mas entupir-se de remédios, enfim: viver está mais complicado. Agora, “temos de” ser heróis da sexualidade.
Jovens, maduros, homens e mulheres, todos caem na onda do erotismo forçado, artificial, receitado, acrobático, difícil e angustiado. Longe do que é natural, se é que temos ainda em nós a escuta e o sentimento do natural, embora sejamos, muitos de nós, naturebas.

O tema erotismo feminino anda cansativo, exagerado, às vezes beirando o ridículo. Mulheres se permitem ou precisam de permissão do feroz e brutalhão patrão masculino, para viver uma sexualidade boa — dependendo do que isso signifique para cada pessoa? Não acredito que na antiga Grécia as nada consideradas mulheres sofressem por cumprir seu dever de concubinas, ou que na era vitoriana todas tivessem apenas de suportar o parceiro na cama.
Os costumes eram outros, sim, bem como preceitos e preconceitos, mas o ser humano foi sempre o mesmo, com a mesma capacidade de amar, de sofrer, de sonhar, de ter prazeres, quem sabe mais intensos por serem ocultos.

Já escrevi que até na Idade Média mulheres, embora raras, davam aulas de teologia ou arte nas grandes universidades, mulheres comandavam seu feudo, quando o marido estava nas cruzadas, mulheres chegaram a fundar, na mesma época, ligas de artesãs para administrar seu trabalho.
Não acredito que no começo do século passado as mulheres que não trabalhavam fora nem ganhavam seu dinheiro não tivessem nenhuma voz dentro de casa. A não ser que por temperamento e medo fossem gueixas submissas de um senhor boçal, frequentemente eram as conselheiras dele, e muitos negócios entre donos de vastas terras ou de pequenas colônias só eram fechados depois de se ouvir a voz da mulher.

Lógico que as coisas mudaram muito, e em grande parte para melhor: não nos casamos mais por imposição paterna, não ficamos mais reclusas em casa, não precisamos ficar de lado com as outras mulheres quando há festa e os homens têm suas conversas ditas interessantes no salão no outro lado.
Não precisamos mais ter todos os filhos que a natureza determinar nem ter uma vida plena só com aliança no dedo. Podemos (em geral precisamos) trabalhar, ter cargos de mando, viajar sozinhas, enfim, podemos ter alguma liberdade — toda a liberdade ninguém tem.

Mas, talvez como quem come mel pela primeira vez se lambuza, andamos desatinadas com o tal erotismo, como se fosse novidade: nunca antes sentimos nada, éramos bonecas de pano? Somos melhores homens e mulheres, mais felizes, mais amorosos, mais unidos, estamos construindo algo melhor juntos sob o império de tais “deveres”?
Ou a obrigação de “ter de” fazer isso e aquilo nos inibe e nos aflige? O que não é espontâneo, amoroso, sutil, um pouco secreto, particular de cada casal, não há de trazer grandes alegrias. Sair correndo a comprar objetos eróticos nos torna mais plenas? Comparando com outras mulheres os novos fetiches, ou brandindo na cara do parceiro tais novidades ou textos, muitas dizem “agora sim, ele vai aprender o que e como fazer para me agradar”, as escravas se tornaram capatazes, como tantas vezes na história?
E, quando as novidades incluem sadomasoquismo, possivelmente nem sempre temos o erótico, mas o perigoso.
Do jeito que andamos, em breve os homens também vão requisitar exóticas e forçadas (ou irregulares) mudanças na língua portuguesa, e teremos frases como “O motoristo do pediatro de minhas filhas agora é estudanto de educação física”.

Lya Luft - 

REVISTA VEJA.08/10/2012


O rei não queria tirar a roupa




Um dia, o rei adoeceu, mas, por algum motivo misterioso, recusava-se a tirar a roupa para ser tratado pelos médicos. 
Refiro-me a Bernadotte, rei da Suécia e da Noruega no começo do século 19.
 Ainda vou escrever mais sobre esse Bernadotte. Grande personagem. Imagine que ele foi rei da Suécia e da Noruega, mas não era sueco nem norueguês, nem mesmo nórdico era.
 Era francês.
 Bernadotte foi general vitorioso da Revolução Francesa e depois se consagrou como o principal marechal de Napoleão Bonaparte. Em meio a lutas tantas, conquistou, além de terras, o coração de Desirèe, uma beldade que havia sido noiva de Napoleão nos tempos da juventude do pequeno grande corso.
 Há quem diga que Desirèe era o grande amor de Napoleão e existe até um filme a respeito exatamente com esse título: “Desirèe, o Amor de Napoleão”. O papel de Napoleão coube a ninguém menos do que Marlon Brando, o maior ator de cinema de todos os tempos. O de Bernadotte foi de Michael Rennie, um galalau de queixo quadrado que interpretou o alienígena daquele filme “O Dia em que a Terra parou”.
 Bem.
 Por aquelas questões intrincadas da política europeia da época, Bernadotte acabou eleito rei da Suécia e da Noruega. E foi em meio ao seu reinado que adoeceu e, doente, não admitia despir-se a fim de ser submetido à sangria prescrita pelos doutores. O problema é que o rei ia piorando, seu estado se agravava a cada dia. A corte inteira insistia, os médicos insistiam, Desirèe insistia, e nada de ele querer tirar a roupa. Por quê? Por quê??? Ninguém compreendia tanta teimosia.
 Até que, temendo mais a morte do que a vergonha, Bernadotte concordou em desnudar-se. E então os médicos viram tatuada em seu braço uma frase que ele mandou gravar nos tempos febris da Revolução Francesa:
 “Morra o rei!”
 O rei era contra a monarquia. Ou foi contra, antes de ser rei.

DAVID COIMBRA - 

ZERO HORA.

Les sciences humaines et sociales au lycée, à quoi bon ?


par Laurence De Cock, Marjorie Galy


TRIBUNE

Les enjeux du démantèlement des sciences humaines et sociales.Publié le 22 février 2010 à 11h39 - Mis à jour le 22 février 2010 à 17h20   Temps deLecture 5 min.
La suppression du caractère obligatoire d'un enseignement de l'histoire-géographie en terminale S dont les médias se sont emparés n'était bien que le symptôme visible d'un démantèlement beaucoup plus large des sciences humaines et sociales (SHS) dans le secondaire dont nous aimerions expliciter ici les enjeux.

Les sciences économiques et sociales sont reléguées, en seconde, à un statut optionnel d'"enseignement exploratoire", d'une durée réduite à 1 h 30 par semaine. L'indigence des programmes, réduits à la manipulation d'outils économiques, purgés de toute approche sociologique, et dictés – après une négociation purement formelle – par le ministère, relève d'une véritable entreprise de sabotage des sciences sociales au lycée. C'est pourtant avec un tel gadget que Luc Chatel continue de communiquer sur le fait que, désormais, tous les lycéens auraient un enseignement d'économie. Quel progrès pour la culture économique et sociale des jeunes ! En réduisant la finalité de cet enseignement absent du collège à une simple exploration en seconde, c'est la contribution spécifique à la formation citoyenne qu'apporte l'ensemble des sciences sociales (économie, sociologie, anthropologie, science politique) qui est reléguée au rang d'accessoire.

Le Haut Conseil de l'éducation envisage, en outre, l'extension pour le cycle terminale de cette scission entre "économie approfondie" et "sciences sociales". Il reprend là, par l'intermédiaire d'un de ses membres, Michel Pébereau, président du conseil de surveillance de BNP-Paribas et de l'Institut de l'entreprise, les positions défendues régulièrement par certains milieux patronaux, partisans acharnés d'un enseignement où les sciences sociales seraient dissociées pour se concentrer sur l'apprentissage des " fondamentaux ", avec une préférence marquée pour la microéconomie et la seule économie d'entreprise. Outre une réduction substantielle des horaires en SES (diminution de l'horaire élève de 25 % de la seconde à la terminale), c'est la série ES dans son ensemble qui est dénaturée par la suppression pure et simple des spécialités langues, mathématiques et sciences politiques, qui permettaient aux lycéens les plus motivés de réussir de brillantes études en langues appliquées, instituts d'études politiques, classes préparatoires aux grandes écoles ou économie-gestion…


L'histoire-géographie quant à elle se voit gracieusement offrir un tronc commun en première pour compenser la perte d'heures en terminale S. De fait, il est annoncé que les programmes seront reconfigurés afin que l'ensemble du XXe siècle soit appréhendé en première. Soyons donc comptables et un tantinet réalistes : difficile d'imaginer le montage événementiel annoncé par cette condensation ; difficile également de prétendre "finir le programme", comme on dit, autrement que par une pédagogie proche du gavage d'oie mais dont certains gardent encore la nostalgie : celle du prêche du maître sur l'estrade. Quand on sait que, pour certains élèves, la méthode de prise de notes en classe de première n'est pas encore assimilée, on imagine aisément le résultat. Nouveau défi, nouveau record donc : balayer plus d'un siècle en un an. Il sera bien inutile de chercher à s'appesantir sur la complexité de moments historiques (colonisation, génocide[s], Vichy… quelle importance après tout ?) et encore plus de puiser dans le passé les multiples exemples de mobilisations sociales qui ont contribué à dessiner les contours de cette société qu'on nous enjoint aujourd'hui de ne pas chercher à comprendre. Combien d'élèves n'atteindront pas l'extrémité du programme ? Qu'importe, c'est déjà le cas diront les plus sceptiques. Et une histoire sous pilote automatique, ça a le mérite d'empêcher de penser. Que l'on se prépare donc à la scansion purement événementielle du XXe siècle…

"Mauvais procès !" répond le ministère, car l'accompagnement individualisé et l'insistance en terminale sur les "méthodes et outils" compenseront très largement cette vague impression de retour à la plus conservatrice des pédagogies, en histoire-géographie comme en sciences économiques et sociales. Pour ceux qui l'ignorent, un volet d'heures en demi-groupes sera donc attribué de façon globale aux établissements dont le conseil pédagogique – nommé par le proviseur – décidera de la ventilation. Bien-sûr on nous dira que tout cela sera négocié, collectivement délibéré, et qu'aucune matière n'en pâtira.
L'expérience a déjà été faite en collège. Fidèles à l'air du temps, les heures sont systématiquement attribuées aux "fondamentaux", entendre mathématiques et français dans le langage ministériel. Quid alors du travail sur documents d'archives ou statistiques, des travaux de groupes, de l'encadrement des recherches documentaires ou d'enquête, de toute cette sensibilisation au matériau empirique qui fonde nos disciplines ? Les sciences humaines et sociales, comme toute science, ne sont pas des produits finis, elles s'éprouvent de manière empirique, se testent, s'interrogent, sont des work in progress, et tentent de valoriser la posture du doute systématique chez les élèves. Elles ne se transmettent pas, elles s'enseignent.

Car c'est bel et bien là que le bât blesse et que cette réforme du lycée touche aux rapports intrinsèques que l'école républicaine entretient à la citoyenneté. Certes, comme toutes les matières scolaires, les SHS s'efforcent de participer à la compréhension du monde. C'est un topo politiquement peu utile que de le rappeler. Mais leurs fondements épistémologiques et leur praxis relèvent d'une posture critique valorisée comme un acquis indispensable pour agir dans le monde de demain. Peut-être est-ce ce qui gêne aujourd'hui ? Les sciences humaines et sociales véhiculeraient-elles des contenus subversifs ? En affirmant par exemple que l'appréhension du passé montre que des hommes et des femmes en action ont fait changer le monde ? En rappelant qu'une société s'appréhende par l'analyse des mobilisations d'acteurs sociaux et pas seulement par la projection comptable de ses futurs acteurs économiques ? En affirmant enfin que la culture commune véhiculée par l'école ne s'achète pas comme un bien de consommation mais se construit collectivement.

Aussi, les signataires de cet appel invitent à la vigilance face à une réforme qui considère les sciences humaines et sociales comme une simple variable d'ajustement, non pas pour se poser en garants de chapelles disciplinaires, mais pour réaffirmer un engagement fort à l'égard d'une école qui ne peut être évaluée simplement à l'aune de ses performances, de ses coûts et de sa rentabilité, une école qui doit promouvoir l'objectif de formation citoyenne des lycéens.

Laurence De Cock, du Comité de vigilance face aux usages publics de l'histoire.

Marjorie Galy, de l'Association des professeurs de SES.

fonte : La Monde

SONETO II




Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler

À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.

Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso

Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.



Mário Faustino. Pi

Roteiro de Lisboa



Maria Teresa Horta

Vejam meus senhores
é uma cidade
com suas crianças
homens sem idade

É uma cidade
cercada colhida
é uma cidade
uma rapariga

Casas de ocultar
os homens lá dentro
mulheres que se mostram
envoltas no vento

Vejam meus senhores
é uma cidade
com seus monumentos
histórias de braçado

Histórias de braçado
que ensinam na escola
um castelo um rei
mais uma glória
vejam meus senhores
é uma cidade
com suas crianças
homens sem idade

Lá em baixo o Tejo
que é nome do rio
a lamber as armas
com suas colunas

Com seus prédios velhos
um rio lá em baixo
a lamber as pedras
as pernas-guindastes

De onde o seus bateis
partiam diurnos
vejam meus senhores
é uma cidade
de mãos empurradas
no fundo sem idade
com suas crianças
homens dos olhos

De bruços o céu
com seus girassóis
Lisboa é cidade
com heróis de luto

O nosso amargo cancioneiro, Livraria Paisagem, 1973 - Porto, Portugal