- ROBERTO DaMATTA
Quando visitei os Estados Unidos pela primeira vez, em
setembro de 1963, para estudar em Harvard, ouvi de um amigo que todo americano
tinha um médico, uma igreja e um advogado. Não fiquei surpreso com o módico nem
com a igreja, porque desde criança tinha visto médicos dando consulta em nossa
casa com seis irmãos, enquanto a igreja era parte de nossas vidas dominicais. O
advogado como um componente da vida rotineira me deixou curioso. Ò amigo disse:
“Nas democracias, como você sabe (eu não sabia, mas fingi saber), há muitas
disputas e conflitos, daí a necessidade do advogado”. Esse jovem professor
assistente, Richard Moneygrand, divorciou-se de sua primeira mulher meses
depois dessa observação. Foi uma separação conflituosa, cm que o advogado teve
um relevante papel no equilíbrio legal e psicológico do meu amigo americano.
Era um elemento de moderação básico, num sistema em que a liberdade era um
direito e a igualdade um valor. No caso, a uma separação entre um casal que
passou da paixão incontida e eterna à extrema indiferença por parte do amante
masculino, cujo projeto não era mais a mulher, mas uma outra com quem logo em
seguida casou-se e da qual divorciou-se novamente. Um outro amor que o
protagonista tinha, conforme me explicou Richard com todas as letras, direito
constitucional. Para ele, os americanos (e todos os seres humanos, homens ou
mulheres, velhos ou jovens, ricos ou pobres) tinham assegurado o direito à
felicidade. Que, para meu amigo, incluía não apenas o conforto material sem
ostentação, mas o amor. O tal "love” de que eu tanto gostava e que era o
personagem principal de um estilo de música popular tão sofisticado.
Foi nesses primeiros meses que tive, como ocorreu igualmente
com um visitante ilustre que me antecedeu em 1831 - Alexis de Tocqueville a
noção de duas dimensões indispensáveis a uma democracia. À primeira era a
moderação, cujo papel era representado pelo advogado. A segunda era o conflito
aberto e horizontalizado, em que as pessoas entravam não como representantes de
grupos ou de valores morais, mas individualmente. Como subjetividades autônomas
e por sua livre e espontânea vontade.
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