Judith Butler é uma das intelectuais mais influentes do
cenário contemporâneo de debates em torno das chamadas "ciências
humanas".
Uma das responsáveis pela elevação das discussões sobre
gênero e identidade sexual a setor fundamental da reflexão sobre reconhecimento
social, Butler forneceu o quadro teórico para a luta política de grupos que
procuraram sair da invisibilidade a que foram relegados por discursos
profun-damente normativos a respeito da vida sexual.
Associada ao que hoje entendemos por "queer
theory", Butler soube ir além do quadro tradicional das lutas feministas e
ver, na instabilidade das identidades sexuais, espaço de afirmação das
possibilidades de construção de singularidades atravessadas pela necessidade de
produzir suas próprias normas.
Em vez de perpetuar estratégia feminista que procurava
contrapor-se à normatividade masculina e patriarcal por meio da afirmação
essencialista do feminino, ela deu voz àqueles que parecem só serem capazes de
viver desarticulando normas identitárias fundamentais.
Isso lhe permitiu desenvolver uma grande sensibilidade ética
e política para processos de exclusão e invisibilidade social. Tratava-se de
levar ao extremo uma certa guinada ética -herdada de setores das filosofias
francesa e alemã do século 20- com sua compreensão de que a questão moral
fundamental encontrava-se no problema do reconhecimento da alteridade.
Podemos falar em "levar ao extremo" porque o
reconhecimento só mostra sua força moral quando tenta responder à questão: Como
reconheço aquele que nem sequer tem voz no interior do meu discurso, nem
representação possível para mim? Ajo moralmente quando empurro tal inominável
para a vala do irracional?
Assim, em vez de se contentar em defender minorias sexuais
do Upper East Side (Nova York) fotografadas por Nan Goldin, ela se dedicou ao
menos glamouroso trabalho de defender prisioneiros de Guantánamo contra seu
vazio jurídico, criticar grupos homossexuais europeus por sua islamofobia e
defender palestinos contra a ideia de que seriam um "povo inventado",
obrigados à condição de eternos refugiados, apátridas, se quisermos falar como
Hannah Arendt.
Por posições como essa, Butler recebeu, há duas semanas, em
Frankfurt, o Prêmio Adorno. Mas sua nomeação provocou a ira de grupos judaicos
que a acusam de antissemitismo. No entanto há um detalhe importante: Butler é
judia.
Como era de se esperar, não há uma palavra sua contra o
direito de existência do Estado de Israel, ao qual ela se sente pessoalmente
concernida. Mas alguns grupos talvez não estejam preparados para um verdadeiro
debate sobre jul-gamentos morais.
Vladimir Safatle -
Folha de São Paulo: 09 Oct 2012
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