".... E de repente pareceu-lhe que a mãe lhe cantava
uma canção. 'Mamãe, vou dormir; ah! Como é bom dormir aqui!'
- Venha comigo, vamos ver a árvore de Natal, meu menino -
murmurou repentinamente uma voz cheia de doçura.
Ele ainda pensava que era a mãe, mas não, não era ela. Quem
então acabava de chamá-lo? Não vê quem, mas alguém está inclinado sobre ele e o
abraça no escuro, estende-lhe os braços e... logo... que claridade! A
maravilhosa árvore de Natal! E agora não é um pinheiro, nunca tinha visto
árvores semelhantes! onde se encontra então nesse momento? Tudo brilha, tudo
resplandece, e em torno, por toda parte, bonecos - mas não, são meninos e
meninas. só que muito luminosos! Todos o cercam, como nas brincadeiras de roda,
abraçam-no em seu vôo, tomam-no, levam-no com eles, e ele mesmo voa e vê:
distingue sua mãe a lhe sorrir com ar feliz.
- Mamãe! Mamãe! Como é bom aqui, mamãe! - exclamava a
criança. De novo abraça seus companheiros e gostaria de lhes contar bem
depressa a história dos bonecos da vidraça...
- Quem são vocês então, meninos? E vocês, meninas, quem são?
- pergunta ele, sorrindo e mandando-lhes beijos.
- Isto... é a árvore de natal de Cristo - respondem-lhe. -
Todos os anos, neste dia, há, na casa de Cristo, uma árvore de Natal, para os
meninos que não o tiveram na terra...
E soube assim que todos aqueles meninos e meninas tinham
sido outrora crianças como ele, mas alguns tinham morrido, gelados nos cestos,
onde tinham sido abandonados nos degraus das escadas dos palácios de
Petersburgo; outros tinham morrido junto às amas, em algum dispensário
finlandês; uns sobre o seio exaurido de suas mães, no tempo em que grassava,
cruel, a fome de Samara; outros, ainda, sufocados pelo ar mefítico de um vagão
de terceira classe. Mas todos estão ali nesse momento, todos são agora como
anjos, todos juntos a Cristo, e Ele, no meio das crianças, estende as mãos para
abençoá-las e às pobres mães... E as mães dessas crianças estão ali, todas, num
lugar separado, e choram; cada uma reconhece seu filhinho ou filhinha que
acorrem voando para elas, abraçam-nas, e com as mãozinhas enxugam-lhes as
lágrimas, recomendando-lhes que não chorem mais, que eles estão muito bem
ali...
E nesse lugar, pela manhã, os porteiros descobriram o
cadaverzinho de uma criança gelada junto de um monte de lenha. Procurou-se a
mãe... Estava morta um pouco adiante; os dois se encontraram no céu, junto ao
bom Deus" - Dostoievski (A Árvore de Natal na Casa de Cristo)