"Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da
senhora
e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB", escreveu
Michel Temer na carta à Dilma, revelada pelo craque Jorge Bastos Moreno. E eram
confiáveis o vice e seu partido? A carta repleta de mágoas me causou algumas
impressões:
1) Temer escancarou a importância da distribuição de cargos
nesse já carcomido sistema de presidencialismo de coalizão. Há pelo menos três
parágrafos com referências a nomeações e distribuição de emendas. Tenho a
impressão de que já fomos mais discretos (ou cinicos).
2) O vice ameaça Dilma, apresentando-se como o nome capaz de
unificar o país, já que seria o único a dialogar com a oposição. Não é à toa
que ele cita DEM, PSB e PV, legendas com colorações ideológicas variadas. Temer
se coloca como herói do impeachment, para aglutinar o apoio de quem se sente
desconfortável com as manobras de Eduardo Cunha. Vai ser difícil acreditar na
imagem legalista que o vice gosta de exibir publicamente.
3) Se há cinco anos o vice se sente desrespeitado pela
presidente, por que aceitou encabeçar com ela a chapa da reeleição? E, tendo
feito, esperou pela mais grave crise institucional para desembarcar do governo
e despejar suas mágoas. Claramente, o vice abraça a possibilidade de assumir a
Presidência. Sublinha, inclusive, seu programa econômico, que sugere ter
respaldo da sociedade.
3) Vejo, nas entrelinhas, uma velha estratégia masculina de
inverter culpa e sugerir que foi "obrigado a
trair". (Esta é uma observação de gênero. Muitos não entenderão.)
4) Por fim, como se diz nos procedimentos de emergência da
aviação: "Em caso de despressurização, máscaras cairão"... No Brasil,
agora, está tudo às claras, sem máscaras. É questão de escolher o lado.
Flavia Oliveira é jornalista de O Globo