quinta-feira, 27 de dezembro de 2012


Enquanto as pessoas são mais ou menos jovens e a partitura de suas vidas está somente nos primeiros compassos, elas podem compô-la juntas e trocar os motivos, mas quando se encontram numa idade mais madura, suas partituras estão mais ou menos terminadas, e cada palavra, cada objeto, significa algo diferente na partitura de cada um.

(Milan Kundera, A insustentável leveza do ser - parte 3: As palavras incompreendidas).)

SI LES POÈTES ÉTAIENT MOINS BÊTES


 Boris Vian
 
Si les poètes étaient moins bêtes
Et s'ils étaient moins paresseux
Ils rendraient tout le monde hereux
Pour pouvoir s'occuper en paix
De leur souffances littéraires
Ils construiraient des maisons jaunes
Avec des grands jardin devant
Et des arbres pleins de zoizeaux
De mirliflûtes et de lizeaux
Des mésongres et des feuvertes
Des plumuches, des picassiettes
Et des petits corbeaux tout rouges
Qui diraient la bonne aventure
...
tradução de Ruy Proença:
 
Se os poetas fossem menos bestas
E se fossem menos preguiçosos
Fariam todo o mundo feliz
Para poderem tratar em paz
Dos seus sofrimentos literários
Levantariam casas douradas
Cercadas por enormes jardins
E árvores cheias de colibris
De rustiflautas e de aqualises
De pardongos e luziverdes
De plumuchas e de picapratos
E de pequenos corvos vermelhos
Que soubessem tirar nossa sorte
...
 
(fragmento inicial do poema, in Boris Vian - poemas e canções - seleção e tradução de Ruy Proença, São Paulo, Nankin Editorial, 2001, pp.32 e 33)

Elogio da memória.

De José Paulo Paes.

O funil da ampulheta
apressa, retardando-a,
a queda
da areia.

Nisso imita o jogo
manhoso de certos momentos
que se vão embora
quando mais queríamos
que ficassem

VIOLINO FADO



Ponho as mãos no teu corpo musical
Onde esperam os sons adormecidos.
Em silêncio começo, que pressente
A brusca irrupção do tom real.
E quando a alma ascendendo canta
Ao percorrer a escala dos sentidos,
Não mente a alma nem o corpo mente.
Não é por culpa nossa se a garganta
Enrouquece e se cala de repente
Em cruas dissonâncias, em rangidos
Exasperantes de acorde errado.

Se no silêncio em que a canção esmorece
Outro tom se insinua, recordado,
Não tarda que se extinga, emudece:
Não se consente em violino fado.

 JOSÉ SARAMAGO,

 in POEMAS POSSÍVEIS

Fresta



Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,
Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado
Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.

(Fernando Pessoa)




"entre a produção e o consumo
a imagem
entre a produção e o consumo
a mensagem
entre a produção e o consumo
produssumo
a passagem"

décio pignatari