ARTIGOS E DEBATES
Publicado em Terça, 02 Setembro 2014 15:59
Por Fábio Py Murta de Almeida
“Nunca vamos entender o que está acontecendo hoje, se não
entendermos que o capitalismo é, na realidade, uma religião. E, como disse
Walter Benjamin, é a mais feroz de todas as religiões, porque não permite a
expiação” (Agamben)
O sucesso da inauguração do Templo de Salomão pode ser visto
em número de fiéis, mídias, reportagens e de acessos às suas informações. Com o
ato cosmogônico sua liderança construiu mais um passo no seu complexo
desenvolvimento estrutural religioso (1). Lembra-se no âmbito das religiões que
a cosmogonia visa marcar território, definir fronteiras e propor uma ética
reorganizando relações sociais. Uma inauguração de templo é tão importante que
define como fiéis devem se comportar intramuros e fora deles. Por isso, faz
sentido que a liderança da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) indicasse
aos fiéis como deveriam ir às celebrações: a roupa adequada, o cartão de
débito, de crédito para creditarem as ofertas, e disponibilizou uma linha de
ônibus remunerada para translado.
"O capitalismo como religião"
Claro que todo o processo de Igreja-Ostentação iria gerar
respostas do mercado religioso. Assim, ocorreu uma primeira reação que veio do
líder da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, o bispo Rodovalho. Ele lançou
aos fiéis o desafio de erguer em Brasília, onde funciona o Espaço Arena, um
suntuoso templo com o dobro da capacidade do Templo de Salomão. A Sara Nossa
Terra é um segmento religioso que abocanha uma generosa fatia de evangélicos.
Tem sua sede na capital do País. Resta saber se o projeto terá fim e se
promoverá de fato sua nova cosmogonia no futuro.
Retornando ao ponto iurdiano do Templo-Ostentação. De fato,
sua vontade de poder é demonstrada entre suas paredes e adereços. Seus líderes recheiam
as celebrações com mensagens religiosas, nas quais, anacronicamente utiliza-se
termos de hoje, como “vender” e “comprar”, na antiguidade. Tudo para se
acentuar o Cristianismo como parte do capitalismo. Por isso, lembra-se de um
escrito de Walter Benjamin, de 1921, com o título de “O Capitalismo como
religião" (2). Nele, assume três elementos que aproximam o capitalismo de
uma religião, no qual, tomo emprestado entendendo que as agremiações cristãs se
impregnaram sobremaneira pelo raciocínio frio do capital. A primeira seria de
que seu culto é pragmático. Como ocorre nas comunidades-ostentação quando o
fiel tributa o dízimo, a oferta para receber o bem, uma graça, algo material.
Dá-se (ou, compra-se) para receber o benefício, um produto. A segunda ideia de
Benjamin, sobre o capitalismo como religião, é de que todos seus dias são
usados para ostentação como fonte de destilação do poder nas festividades. De
fato, os iurdianos celebram diariamente o valor da moeda. Rezam com ela – por
ela. E, por fim, a terceira ideia é de que a celebração é culpalizadora, quando
na celebração iurdiana o fiel é posto como culpado. Logo, ele deve fazer o
sacrifício (monetário) "pedir e darvo-se-á” do fragmento bíblico. No
geral, a impressão é de que aos poucos o cristianismo vem se solidificando como
“uma religião puramente de culto, desprovida de dogma" (3). Talvez, por
isso, em 1921, Benjamin, embevecido do romantismo, assumiu o capitalismo como
uma religião. Mas hoje, o projeto iurdiano (e de outras agremiações religiosas)
não seria uma demonstração de que a religião cristã se tornou um braço
esplendoroso do capitalismo?
Linguagem capitalista
Afinal, o dinheiro, a moeda, a compra, a venda, o mercado
são linguagem comum do capitalismo, na qual direciona a ‘via moderna’ do
Cristianismo. Olhando as catedrais germânicas do início do século passado,
Benjamin aponta um último detalhe que nos remete às Igrejas-Ostentação: “No
Ocidente, o capitalismo se desenvolveu como parasita do Cristianismo" (4).
Portanto, se percebe que o capital estaria tão implicado no cotidiano
cristão-moderno que se reza pelo dinheiro, ou, pela benção material de cada
dia. Não é isso? O que trás a percepção inconformada de que cada vez mais o
capitalismo torna-se uma nota unívoca da anunciação do mistério cristão. Dado
que retira dele, seu trunfo utópico – o sentido expiatório.
Bibliografia:
BENJAMIN, Walter (org.). O capitalismo como religião. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2013.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das
religiões, São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Notas:
1 Mircea Eliade, O sagrado e o profano: a essência das
religiões, p.43-65.
2 Walter Benjamin, O capitalismo como religião, p.21-25.
3 Op. cit.,
p.22.
4 Op. cit.,
p.23.
♦
Fábio Py Murta de Almeida é teólogo, historiador e doutorando em Teologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - RJ). É tanbém
articulador do blog fabiopymurtadealmeida.blogspot.com
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