quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Templo-Ostentação, plágio capitalista da modernização da fé

ARTIGOS E DEBATES


Publicado em Terça, 02 Setembro 2014 15:59



Por Fábio Py Murta de Almeida

“Nunca vamos entender o que está acontecendo hoje, se não entendermos que o capitalismo é, na realidade, uma religião. E, como disse Walter Benjamin, é a mais feroz de todas as religiões, porque não permite a expiação” (Agamben)

O sucesso da inauguração do Templo de Salomão pode ser visto em número de fiéis, mídias, reportagens e de acessos às suas informações. Com o ato cosmogônico sua liderança construiu mais um passo no seu complexo desenvolvimento estrutural religioso (1). Lembra-se no âmbito das religiões que a cosmogonia visa marcar território, definir fronteiras e propor uma ética reorganizando relações sociais. Uma inauguração de templo é tão importante que define como fiéis devem se comportar intramuros e fora deles. Por isso, faz sentido que a liderança da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) indicasse aos fiéis como deveriam ir às celebrações: a roupa adequada, o cartão de débito, de crédito para creditarem as ofertas, e disponibilizou uma linha de ônibus remunerada para translado.

"O capitalismo como religião"

Claro que todo o processo de Igreja-Ostentação iria gerar respostas do mercado religioso. Assim, ocorreu uma primeira reação que veio do líder da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, o bispo Rodovalho. Ele lançou aos fiéis o desafio de erguer em Brasília, onde funciona o Espaço Arena, um suntuoso templo com o dobro da capacidade do Templo de Salomão. A Sara Nossa Terra é um segmento religioso que abocanha uma generosa fatia de evangélicos. Tem sua sede na capital do País. Resta saber se o projeto terá fim e se promoverá de fato sua nova cosmogonia no futuro.

Retornando ao ponto iurdiano do Templo-Ostentação. De fato, sua vontade de poder é demonstrada entre suas paredes e adereços. Seus líderes recheiam as celebrações com mensagens religiosas, nas quais, anacronicamente utiliza-se termos de hoje, como “vender” e “comprar”, na antiguidade. Tudo para se acentuar o Cristianismo como parte do capitalismo. Por isso, lembra-se de um escrito de Walter Benjamin, de 1921, com o título de “O Capitalismo como religião" (2). Nele, assume três elementos que aproximam o capitalismo de uma religião, no qual, tomo emprestado entendendo que as agremiações cristãs se impregnaram sobremaneira pelo raciocínio frio do capital. A primeira seria de que seu culto é pragmático. Como ocorre nas comunidades-ostentação quando o fiel tributa o dízimo, a oferta para receber o bem, uma graça, algo material. Dá-se (ou, compra-se) para receber o benefício, um produto. A segunda ideia de Benjamin, sobre o capitalismo como religião, é de que todos seus dias são usados para ostentação como fonte de destilação do poder nas festividades. De fato, os iurdianos celebram diariamente o valor da moeda. Rezam com ela – por ela. E, por fim, a terceira ideia é de que a celebração é culpalizadora, quando na celebração iurdiana o fiel é posto como culpado. Logo, ele deve fazer o sacrifício (monetário) "pedir e darvo-se-á” do fragmento bíblico. No geral, a impressão é de que aos poucos o cristianismo vem se solidificando como “uma religião puramente de culto, desprovida de dogma" (3). Talvez, por isso, em 1921, Benjamin, embevecido do romantismo, assumiu o capitalismo como uma religião. Mas hoje, o projeto iurdiano (e de outras agremiações religiosas) não seria uma demonstração de que a religião cristã se tornou um braço esplendoroso do capitalismo?

Linguagem capitalista

Afinal, o dinheiro, a moeda, a compra, a venda, o mercado são linguagem comum do capitalismo, na qual direciona a ‘via moderna’ do Cristianismo. Olhando as catedrais germânicas do início do século passado, Benjamin aponta um último detalhe que nos remete às Igrejas-Ostentação: “No Ocidente, o capitalismo se desenvolveu como parasita do Cristianismo" (4). Portanto, se percebe que o capital estaria tão implicado no cotidiano cristão-moderno que se reza pelo dinheiro, ou, pela benção material de cada dia. Não é isso? O que trás a percepção inconformada de que cada vez mais o capitalismo torna-se uma nota unívoca da anunciação do mistério cristão. Dado que retira dele, seu trunfo utópico – o sentido expiatório.

Bibliografia:

BENJAMIN, Walter (org.). O capitalismo como religião. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões, São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Notas:

1 Mircea Eliade, O sagrado e o profano: a essência das religiões, p.43-65.

2 Walter Benjamin, O capitalismo como religião, p.21-25.

3 Op. cit., p.22.

4 Op. cit., p.23.

Fábio Py Murta de Almeida é teólogo, historiador e doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - RJ). É tanbém articulador do blog fabiopymurtadealmeida.blogspot.com
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