domingo, 4 de julho de 2010
Paixão é fulminante e viciante , mas dura pouco.
Especialista brasileira lança livro sobre a química do amor e fala sobre o estágio mais derradeiro das relações.
A paixão, como descrita pela ciência, é um estado fisiológico, com sintomas psíquicos e físicos, em que há uma intensa atividade cerebral e hormonal muito semelhante à do vício por uma droga, como a cocaína.
O julgamento crítico, o discernimento, e a racionalidade em relação ao parceiro estão muito reduzidos, especialmente nos primeiros meses.” É assim que a médica Cibele Fabichak, autora de “Sexo, amor, endorfinas e bobagens” (Ed.
Novo Século), define o estado de enlevo que se apossa dos amantes de forma avassaladora, mas tem prazo para acabar: no máximo quatro anos.
AS TRÊS FASES DO AMOR:
“O que a ciência tem nos mostrado é que o amor, do ponto de vista biológico, tem três estágios independentes. O primeiro é o desejo ou luxúria, a busca da satisfação sexual, comandada por hormônios sexuais, principalmente a testosterona, sem uma elaboração emocional maior. O segundo estágio é o do amor romântico ou paixão, da atração física e sexual. Esta fase é marcada por uma cascata de substâncias, como noradrenalina, endorfina, serotonina, e também testosterona, estrógeno e progesterona.
O terceiro estágio é o da construção gradual do vínculo duradouro, o amor propriamente dito. Nesta fase há a ação do hormônio oxitocina na mulher e vasopressina no homem, os hormônios do vínculo.”
A ORDEM DOS FATORES:
“Os três estágios do amor geralmente ocorrem nesta ordem, mas não necessariamente. E não necessariamente com a mesma pessoa. É possível ter um vínculo muito forte com o marido, mas sentir desejo por um colega de trabalho e estar apaixonada pelo vizinho.”
PAIXÃO:
“Vários estudos, tanto americanos quanto europeus, chegaram à conclusão semelhante: a paixão, esse estado de alteração mental e física muito característico, dura de 12 a 48 meses. A média é de dois anos. Outros elementos, não só os químicos, influenciam, claro, como o lado psicológico, as personalidades, o histórico de relacionamentos, o grau de expectativa que cada um cria, o tipo de educação, o relacionamento que teve com os pais, a cultura, que é muito importante.”
VIVER APAIXONADO:
“Para o cérebro, existe um limite da perpetuação disso, é fisiológico.
Por mais que queiramos, o cérebro não consegue manter esse turbilhão de hormônios por muito mais tempo. É biológico, não tem como. A não ser que perpetue de forma patológica, transtorno obsessivocompulsivo, amor patológico.”
COMO UM VÍCIO:
“Na fase da paixão, algumas substâncias no cérebro se alteram. As endorfinas, a adrenalina, a noradrenalina e a dopamina aumentam, enquanto a serotonina diminui.
Este desequilíbrio de substâncias acontece de forma semelhante no transtorno obsessivo compulsivo e no vício por drogas, como cocaína. Ou seja, a paixão é um estado semelhante ao de um vício em uma droga. E está na fronteira com transtornos. Uma linha de pesquisa italiana está estudando justamente o momento em que a paixão se torna patológica e salta para o transtorno.”
CEGUEIRA APAIXONADA:
“Essa química cerebral alterada, esse turbilhão todo, faz com que o sistema límbico, a central das emoções, fique tão alterado que distorça a visão do parceiro escolhido. Faz com que o apaixonado sinta uma onda de prazer tão forte cada vez que entra em contato com o eleito que passa a associar uma coisa à outra. Então, não enxerga defeitos no apaixonado. Pensamentos obsessivos e de posse sexual são outras características desta fase.”
TRUQUE DA NATUREZA:
“Quando as alterações hormonais acontecem, a pessoa entende que aquele ser é uma grande fonte de prazer. Com isso, não vê defeito no outro, cria uma dependência emocional e isso gera um estado de profunda ligação entre o casal. O grande objetivo da natureza é, justamente, produzir uma rápida e profunda ligação entre as duas pessoas para que se reproduzam e mantenham a espécie. É difícil imaginar uma traição neste momento.”
TRAIÇÃO:
“Pode acontecer a qualquer momento, desde o primeiro estágio, em que é possível sentir desejo por diversas pessoas. No pico da paixão, nos primeiros meses, a infidelidade tem uma possibilidade menor de acontecer porque toda a química está voltada para fazer com que o indivíduo fique obsessivamente ligado naquele outro específico. Mas não quer dizer que não ocorra. E claro que, à medida que o vínculo se desenvolve, a infidelidade pode acontecer. Lembrando que, do ponto de vista biológico, bem pragmático, a traição pode ter vantagens tanto para homens como para mulheres, no que tange a chances maiores de reprodução da espécie.”
ESCOLHAS BIOLÓGICAS:
“Inúmeros elementos fazem parte do grande momento da paixão, tanto físicos quanto psicológicos e ambientais. Mas o que a biologia tem nos mostrado é que a atração, o primeiro contato, passa basicamente pelos cinco sentidos. Isso significa que não temos controle voluntário e consciente sobre essa escolha. (Pela visão, tato, audição, olfato e paladar é possível saber, inconscientemente, a compatibilidade genética e do sistema imunológico, o parceiro mais fértil, entre outras informações fundamentais para a reprodução da espécie).”
DA PAIXÃO AO AMOR:
“Esse é o grande X, saber em que momento a paixão começa a ceder. E por que a transição ocorre para alguns casais e não para outros. Para os cientistas, alguns elementos presentes desde o início da paixão podem apontar para uma relação mais duradoura. Um deles é o comprometimento com o parceiro e o relacionamento. Outro elemento fundamental é a novidade. Cada um precisa trazer elementos novos para a relação, desafios ao casal, fazendo com que os dois possam vivenciar situações nas quais cresçam. Isso aumenta o vínculo. A celebração é outro elemento importante, a capacidade de celebrar os sucessos do outro. Bom humor também é fundamental, saber brincar consigo mesmo e com o parceiro. E a boa comunicação sempre.”
A IMPORTÂNCIA DO SEXO:
“O sexo é fundamental. Já está comprovado que a geração do sexo é cerebral, com progesterona, estrógeno e endorfinas. E um dos hormônios de grande importância é a oxitocina, que alcança grandes picos durante orgasmo, tanto do homem quanto na mulher. E este é o hormônio por trás da criação de vínculos duradouros. Faz com que as estruturas do cérebro reconheçam o outro como fonte de prazer.”
PAIXÕES EM SÉRIE:
“Vivemos numa sociedade de extremo consumo, com muitas possibilidades e estresses de escolha. Há muita pressão para que se vivencie tudo, de forma rápida, muitas vezes simultânea, que alguns relacionamentos vão nessa mesma direção, numa dinâmica semelhante ao do consumir o máximo possível. A paixão está sendo hipervalorizada. Ela é um dos elementos do amor, mas o que se vê é gente tentando conhecer o maior número possível de pessoas, pulando de relação em relação, em vez de aprofundar uma história, conhecer melhor o outro, de se criar um relacionamento duradouro. Está se optando pela superficialidade, há uma incapacidade de tolerar diferenças e o tempo da relação segue mais ou menos o tempo biológico, de alguns meses a poucos anos.”
Fonte: O Globo 04/07/2010
A paixão, como descrita pela ciência, é um estado fisiológico, com sintomas psíquicos e físicos, em que há uma intensa atividade cerebral e hormonal muito semelhante à do vício por uma droga, como a cocaína.
O julgamento crítico, o discernimento, e a racionalidade em relação ao parceiro estão muito reduzidos, especialmente nos primeiros meses.” É assim que a médica Cibele Fabichak, autora de “Sexo, amor, endorfinas e bobagens” (Ed.
Novo Século), define o estado de enlevo que se apossa dos amantes de forma avassaladora, mas tem prazo para acabar: no máximo quatro anos.
AS TRÊS FASES DO AMOR:
“O que a ciência tem nos mostrado é que o amor, do ponto de vista biológico, tem três estágios independentes. O primeiro é o desejo ou luxúria, a busca da satisfação sexual, comandada por hormônios sexuais, principalmente a testosterona, sem uma elaboração emocional maior. O segundo estágio é o do amor romântico ou paixão, da atração física e sexual. Esta fase é marcada por uma cascata de substâncias, como noradrenalina, endorfina, serotonina, e também testosterona, estrógeno e progesterona.
O terceiro estágio é o da construção gradual do vínculo duradouro, o amor propriamente dito. Nesta fase há a ação do hormônio oxitocina na mulher e vasopressina no homem, os hormônios do vínculo.”
A ORDEM DOS FATORES:
“Os três estágios do amor geralmente ocorrem nesta ordem, mas não necessariamente. E não necessariamente com a mesma pessoa. É possível ter um vínculo muito forte com o marido, mas sentir desejo por um colega de trabalho e estar apaixonada pelo vizinho.”
PAIXÃO:
“Vários estudos, tanto americanos quanto europeus, chegaram à conclusão semelhante: a paixão, esse estado de alteração mental e física muito característico, dura de 12 a 48 meses. A média é de dois anos. Outros elementos, não só os químicos, influenciam, claro, como o lado psicológico, as personalidades, o histórico de relacionamentos, o grau de expectativa que cada um cria, o tipo de educação, o relacionamento que teve com os pais, a cultura, que é muito importante.”
VIVER APAIXONADO:
“Para o cérebro, existe um limite da perpetuação disso, é fisiológico.
Por mais que queiramos, o cérebro não consegue manter esse turbilhão de hormônios por muito mais tempo. É biológico, não tem como. A não ser que perpetue de forma patológica, transtorno obsessivocompulsivo, amor patológico.”
COMO UM VÍCIO:
“Na fase da paixão, algumas substâncias no cérebro se alteram. As endorfinas, a adrenalina, a noradrenalina e a dopamina aumentam, enquanto a serotonina diminui.
Este desequilíbrio de substâncias acontece de forma semelhante no transtorno obsessivo compulsivo e no vício por drogas, como cocaína. Ou seja, a paixão é um estado semelhante ao de um vício em uma droga. E está na fronteira com transtornos. Uma linha de pesquisa italiana está estudando justamente o momento em que a paixão se torna patológica e salta para o transtorno.”
CEGUEIRA APAIXONADA:
“Essa química cerebral alterada, esse turbilhão todo, faz com que o sistema límbico, a central das emoções, fique tão alterado que distorça a visão do parceiro escolhido. Faz com que o apaixonado sinta uma onda de prazer tão forte cada vez que entra em contato com o eleito que passa a associar uma coisa à outra. Então, não enxerga defeitos no apaixonado. Pensamentos obsessivos e de posse sexual são outras características desta fase.”
TRUQUE DA NATUREZA:
“Quando as alterações hormonais acontecem, a pessoa entende que aquele ser é uma grande fonte de prazer. Com isso, não vê defeito no outro, cria uma dependência emocional e isso gera um estado de profunda ligação entre o casal. O grande objetivo da natureza é, justamente, produzir uma rápida e profunda ligação entre as duas pessoas para que se reproduzam e mantenham a espécie. É difícil imaginar uma traição neste momento.”
TRAIÇÃO:
“Pode acontecer a qualquer momento, desde o primeiro estágio, em que é possível sentir desejo por diversas pessoas. No pico da paixão, nos primeiros meses, a infidelidade tem uma possibilidade menor de acontecer porque toda a química está voltada para fazer com que o indivíduo fique obsessivamente ligado naquele outro específico. Mas não quer dizer que não ocorra. E claro que, à medida que o vínculo se desenvolve, a infidelidade pode acontecer. Lembrando que, do ponto de vista biológico, bem pragmático, a traição pode ter vantagens tanto para homens como para mulheres, no que tange a chances maiores de reprodução da espécie.”
ESCOLHAS BIOLÓGICAS:
“Inúmeros elementos fazem parte do grande momento da paixão, tanto físicos quanto psicológicos e ambientais. Mas o que a biologia tem nos mostrado é que a atração, o primeiro contato, passa basicamente pelos cinco sentidos. Isso significa que não temos controle voluntário e consciente sobre essa escolha. (Pela visão, tato, audição, olfato e paladar é possível saber, inconscientemente, a compatibilidade genética e do sistema imunológico, o parceiro mais fértil, entre outras informações fundamentais para a reprodução da espécie).”
DA PAIXÃO AO AMOR:
“Esse é o grande X, saber em que momento a paixão começa a ceder. E por que a transição ocorre para alguns casais e não para outros. Para os cientistas, alguns elementos presentes desde o início da paixão podem apontar para uma relação mais duradoura. Um deles é o comprometimento com o parceiro e o relacionamento. Outro elemento fundamental é a novidade. Cada um precisa trazer elementos novos para a relação, desafios ao casal, fazendo com que os dois possam vivenciar situações nas quais cresçam. Isso aumenta o vínculo. A celebração é outro elemento importante, a capacidade de celebrar os sucessos do outro. Bom humor também é fundamental, saber brincar consigo mesmo e com o parceiro. E a boa comunicação sempre.”
A IMPORTÂNCIA DO SEXO:
“O sexo é fundamental. Já está comprovado que a geração do sexo é cerebral, com progesterona, estrógeno e endorfinas. E um dos hormônios de grande importância é a oxitocina, que alcança grandes picos durante orgasmo, tanto do homem quanto na mulher. E este é o hormônio por trás da criação de vínculos duradouros. Faz com que as estruturas do cérebro reconheçam o outro como fonte de prazer.”
PAIXÕES EM SÉRIE:
“Vivemos numa sociedade de extremo consumo, com muitas possibilidades e estresses de escolha. Há muita pressão para que se vivencie tudo, de forma rápida, muitas vezes simultânea, que alguns relacionamentos vão nessa mesma direção, numa dinâmica semelhante ao do consumir o máximo possível. A paixão está sendo hipervalorizada. Ela é um dos elementos do amor, mas o que se vê é gente tentando conhecer o maior número possível de pessoas, pulando de relação em relação, em vez de aprofundar uma história, conhecer melhor o outro, de se criar um relacionamento duradouro. Está se optando pela superficialidade, há uma incapacidade de tolerar diferenças e o tempo da relação segue mais ou menos o tempo biológico, de alguns meses a poucos anos.”
Fonte: O Globo 04/07/2010
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