Ganhador do Nobel de Economia sustenta não
haver acordo social possível sobre 'sociedade justa'
MARCOS FERNANDES G. DA SILVA
Tendemos a achar que alguns conceitos são triviais. É o caso
da palavra justiça. Não é porque temos uma noção de justiça que podemos dizer
que existe uma teoria e uma visão unificadora da mesma.
Talvez a melhor forma de entender o que ela poderia
significar é buscando na vida econômica algum sentido mais universal. É o que
faz o Nobel de Economia Amartya Sen em seu último livro, "A Ideia de
Justiça". Partindo de uma síntese entre filosofia política e economia, ele
se coloca a missão de superar os debates sobre justiça no âmbito metafísico e
ideal.
Não há arranjos institucionais universais que ajudem a
resolver problemas envolvendo julgamentos de valor; teorias da justiça não são
ordenáveis (inexiste a "melhor", a "pior"), dado que elas
pressupõem a priori noções incomensuráveis de moralidade. Assim pensa Sen.
Concepções ideais do que constituiria uma sociedade justa
não teriam utilidade prática para ajudar a sociedade, por meio do voto, a
resolver problemas de políticas públicas. Erraríamos ao aceitar tacitamente uma
noção de razão. E, mormente, a aceitação de uma visão unívoca de razão vem
acompanhada de um tanto de utopias.
Esse parece ser o caso de Hobbes, Locke e Kant, que
elaboraram noções de justiça em torno de algum tipo de contrato social
abstrato.
Sen identifica dois problemas sérios com esses tipos de
argumento: não há acordo social possível sobre a natureza de uma
"sociedade justa". Adicionalmente, como é que nós realmente
reconhecemos uma "sociedade justa"?
Grande parte da crítica de Sen é dirigida ao filósofo
social-democrata John Rawls, cujo livro "Uma Teoria da Justiça"
tornou-se uma referência no debate sobre justiça baseada em utopias abstratas.
Para Sen, tal querela deveria basear-se em construções de
consenso em torno do que uma sociedade de carne e osso julga ser razoável.
É impossível deixar de lado o papel, para Sen, do
"espectador imparcial" da teoria dos sentimentos morais, de Adam
Smith.
Ao contrário dos racionalistas citados, incluindo Rawls, Sen
não crê que precisemos de uma concepção de um mundo ideal, só de uma ampla
noção de moralidade.
Para entender melhor Sen, vale a pena destacar sua crítica à
ideia de que seria possível garantir liberdade para todos sem uma visão de
mundo compartilhada que determine isso como desejável.
O chamado Paradoxo de Sen, teorema que lhe garantiu o Nobel,
é um paradoxo lógico que parte de outros dois paradoxos, o do Nobel Kenneth
Arrow e o do matemático Condorcet.
De acordo com a prova, é impossível ao mesmo tempo ter um
acordo social sobre o que é liberdade mínima e máxima eficiência econômica.
Falando português: as escolhas que envolvem políticas públicas pressupõem a
construção de consensos morais.
Pode-se criticar Sen por adotar um a priori ocidental, que a
democracia e a razoabilidade são necessárias para a construção de consensos.
Mas ele tem o mérito de iniciar o debate dos economistas com
os filósofos políticos e do direito. Grande livro.
MARCOS FERNANDES G. DA SILVA, economista da Fundação Getulio
Vargas, é autor dos livros "Economia Política da Corrupção no Brasil"
(2001) e Formação Econômica do Brasil" (2011).Folha de São Paulo.22 Oct 2011.
A IDEIA DE JUSTIÇA
AUTOR Amartya Sen
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes
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