Hoje, os europeus, chamados com urgência a Bruxelas,
pretendem salvar o euro. E provavelmente conseguirão. Eles já se habituaram a
tirar da beira do abismo esta triste moeda, e sabem bem como fazê-lo. São
profissionais: palavras, promessas, imprecações, créditos, austeridade e
lirismos pérfidos. O euro poderá sair do hospital.
Mas em que condições? Num carro pequeno, com tubos no nariz,
nas veias e nos rins, um pulmão artificial e um coração transplantado.
E retomará seu curso, se podemos dizer assim, até a próxima
síncope.
Na espera, remédios tentarão fazer o possível: curas de
austeridade ferozes, abandonos dos créditos pelos bancos que emprestaram para
os países enfermos (Grécia), aumento do Fundo Europeu de Estabilidade
Financeira (Feef), o "corpo de bombeiros" acionado para apagar, na
Grécia e em outros lugares, os incêndios da dívida.
A multidão de médicos em volta do euro faz suas avaliações,
preconiza remédios. E esses remédios são tantos que é impossível enumerá-los,
tanto mais que já são bem conhecidos. Mas o martírio do euro é antigo, tão
grave e sistêmico que, ao lado dos políticos, homens de finanças, banqueiros e
especialistas, desta vez vozes mais raras, a dos intelectuais e filósofos, se
erguem, tentando ler a crise nos eventos da história, da civilização.
O polonês Zygmund Baumant não se consola em ver o
"sonho europeu" se transformar num "pesadelo". Ele não dá à
Europa um atestado de óbito, mas um "atestado de vida a crédito".
São os alemães, "mestres da filosofia desde o século
18", que discorrem mais brilhantemente sobre a crise. Peter Sloterdjik
analisa o uso deletério, demoníaco, do crédito: "Entramos num período em
que capacidade do crédito de abrir um futuro sólido está bloqueada, porque hoje
tomamos crédito para pagar outros créditos. O "creditismo" entrou
numa crise financeira.
O ensaísta alemão Hans Magnus Eizenberger escreve
ironicamente que "a união não faz mais a força, mas a coerção e o absurdo.
Basta olhar para o Tratado de Lisboa, essa pseudo Constituição que serve de
base para a União Europeia; ela coloca o cidadão europeu diante de dificuldades
insuperáveis de leitura. (Poderíamos dizer uma barragem de arame farpado.)
O euro foi concebido nos bastidores como uma abstração.
Mas foi o maior dos filósofos alemães, Jurgen Habermas, da
Escola de Frankfurt, que investe com mais violência: "A Europa entrou numa
era pós-democrática". Ele teme que Nicolas Sarkozy e Angela Merkel
concluam uma espécie de pacto entre "o estatismo francês e o liberalismo
econômico alemão, em detrimento da legitimidade democrática". De que
maneira? Habermas responde: "Governos de diferentes Estados, e não os
representantes dos cidadãos europeus, decidiriam no lugar destes últimos a
alocação das verbas orçamentárias nacionais pelo Conselho da Europa. O risco de
um curto-circuito da democracia é grande."
E ele troveja. "Os chefes de governo transformarão o
projeto europeu no seu contrário: a maior comunidade supranacional democrática
legalizada se tornará o órgão da dominação pós-democrática".
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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