Estamos tendo de trabalhar de graça para os sistemas, cada
vez que tentamos nos mover na web; odeio isso
Não, não vou falar das fábricas que atraem trabalhadores honestos
e os tratam de forma desumana. Cada vez que um produto informa orgulhoso que
foi desenhado na Califórnia e fabricado na China, sinto um arrepio na espinha.
Conheço e amo essas duas partes do mundo.
Também conheço a capacidade de a tecnologia eliminar
empregos. Parece o sonho de todo patrão: muita margem de lucro e poucos
empregados. Se possível, nenhum! Tudo terceiro!
Conheço ainda como a tecnologia é capaz de criar empregos.
Vivo há 15 anos num meio que disputa engenheiros e técnicos a tapa, digo, a
dólares. O que acontece aí no Brasil, nessa área, acontece igualzinho no Vale
do Silício: empresas tentando arrancar talentos umas das outras. Aqui, muitos
decidem tentar a sorte abrindo sua própria start-up, em vez de encher o bolso
do patrão. Estou rodeada também de investidores querendo fazer apostas para...
voltar a encher os bolsos ainda mais.
Mas queria falar hoje de outro tipo de escravidão
tecnológica. Não dos que dormiram na rua sob chuva para comprar o novo iPhone
4S... Quero reclamar de quanto nós estamos tendo de trabalhar de graça para os
sistemas, cada vez que tentamos nos mover na internet. Isso é escravidão -e
odeio isso.
Outro dia, fiz aniversário e fui reservar uma mesa num
restaurante bacana da cidade. Achei o site do restaurante, lindo, e pareceu
fácil reservar on-line. Caí no OpenTable, sistema bastante usado e eficaz por
aqui. Escolhi dia, hora, informei número de pessoas e, claro, tive de dar meu
nome, e-mail e telefone.
Dois dias antes da data marcada precisei mudar o número de
participantes, pois tive confirmação de mais pessoas. Entrei no site, mas aí
nem o site nem o OpenTable podiam modificar a reserva on-line, pela proximidade
do jantar. A recomendação era... telefonar ao restaurante! Humm... Telefonei.
Secretária eletrônica. Deixei recado.
No dia seguinte um funcionário do restaurante me ligou,
confirmando ter ouvido o recado e tudo certo com o novo tamanho da mesa.
Incrível! Que felicidade ouvir um ser humano de verdade me dando a resposta que
eu queria ouvir! Hoje, tentando dar conta da leitura dos vários e-mails que
recebo, tentando arduamente não perder os relevantes, os imprescindíveis, os
dos amigos, os da família e os dos leitores, recebi um do OpenTable.
Queriam que avaliasse minha experiência no restaurante. Tudo
bem, concordo que ranking do público é coisa legal. Mas posso dizer outra
coisa?
Não tenho tempo de ficar entrando em sites e preenchendo
questionário de avaliação de cada refeição, produto e serviço que usufruo na
vida! Simples assim! Sem falar que é chato! Ainda mais agora que os crescentes
intermediários eletrônicos se metem no jogo entre o cliente e o fornecedor.
Quando o garçom ou o "maître" perguntam se a
comida está boa, você fica contente em responder, até porque eles podem
substituir o prato se você não estiver gostando. Mas quando um terceiro se mete
nessa relação sem ser chamado, pode ser excessivo e desagradável. Parece que
todas as empresas do mundo decidiram que, além de exigir informações
cadastrais, logins e senhas, e empurrar goela abaixo seus sistemas automáticos
de atendimento, tenho agora de preencher fichas pós-venda eletronicamente, de
modo que as estatísticas saiam prontas e baratinhas para eles do outro lado da
tela, à custa do meu precioso tempo!
Por que o OpenTable tem de perguntar de novo o que achei da
comida? Eu sei. Porque para o OpenTable essa informação tem um valor diferente.
Não contente em fazer reservas, quis invadir a praia do Yelp, o grande guia
local que lista e traz avaliações dos clientes para tudo quanto é tipo de
serviço, a começar pelos restaurantes.
O Yelp, por sua vez, invadiu a praia do Zagat
(recém-comprado pelo Google), tradicionalíssimo guia (em papel) de
restaurantes, que, por décadas, foi alimentado pelas avaliações dos leitores,
via correio.
As relações cliente-fornecedor estão mudando. Não faltarão
"redutores" de custos e atravessadores on-line.
MARION STRECKER é jornalista, cofundadora do UOL e sua
correspondente em San Francisco.
20 Oct 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário