A questão é complexa e polêmica. Em nossas mentes
essencialistas, a "insidiosa moléstia", como se dizia antigamente
(evitávamos até chamá-la pelo nome), ainda é sinônimo de doença mortal. Em
nível celular, porém, o câncer é um processo biológico com ampla variedade de
desfechos naturais. Há desde tumores agressivos até os inertes, passando pelos
de evolução lenta, cujos portadores morrem de outras causas antes de a doença
manifestar-se. Como o significado mais letal é o que prevalece, ao menor sinal
de malignidade, já se recomenda a remoção do tecido e o tratamento.
A estratégia inegavelmente salva vidas, mas há um preço a
pagar, como explica H. Gilbert Welch, autor de vários livros e artigos a
respeito do sobrediagnóstico de câncer.
Nas contas de Welch, para cada vida que salvamos submetendo
mulheres de 50 anos a mamografia, produzimos os seguintes efeitos adversos: de
2 a 10 recebem tratamento sem necessidade; de 5 a 15 sabem da doença
antecipadamente, mas o prognóstico não muda; de 200 a 500 experimentam
"alarme falso".
Com o aumento dos "check-ups" e exames, altas
taxas de sobrediagnóstico são encontradas para câncer de mama, pulmão,
próstata, tireoide e melanoma. Para Welch, o sobrediagnóstico transforma gente
saudável em pacientes que passam por intervenções agressivas (e pagam por elas)
sem motivo.
Para complicar mais, no instante do resultado positivo, é
impossível dizer se o paciente é aquele que se salvará graças ao diagnóstico
precoce ou o que se submeterá a tratamento ocioso. Apesar dos avanços, a
medicina ainda exige que façamos apostas, nem sempre explícitas.
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