Também possuo uma vida e devo vivê-la. Nada
de vinganças;
que poderia, mais uma morte, arrancar à morte,
sobretudo uma morte violenta? E que poderia
acrescentar à vida? Os anos
passaram. Não sinto ódio; esqueci, talvez?, estou
cansado? Não sei.
Até sinto uma relativa simpatia pela criminosa;
ela mediu abismos imensos,
um grande crescimento fez crescer-lhe os olhos
na obscuridade
e ela vê - vê o inesgotável, o irrealizável, o imu-
tável. Ela vê-me.
Também eu quero ver o assassínio de meu pai na
totalidade apaziguadora da morte,
esquecê-lo na morte completa
que também nos espera. Esta noite revelou-me
a inocência de todos os usurpadores. E todos somos,
de um modo ou outro, usurpadores - estes dos
povos, dos tronos,
aqueles do amor ou da morte; minha irmã
usurpadora da minha única vida; e eu da tua.
Yannis Ritsos. poemas. Selecção e Trad. de Egito Gonçalves. Prefácio de Carlos Porto. 1ª ed. Fevereiro, 1984. Editora Limiar., p.66
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