domingo, 12 de dezembro de 2010

Limites

Destas ruas que afundam o poente

Uma (mas qual?) já tenho percorrido

Pela última vez, indiferente

E sem adivinhá-lo, submetido



A Quem prefixa omnipotentes normas

E uma secreta e rígida medida

Às sombras e aos sonhos e às formas

Que destecem e tecem esta vida.



Se para tudo há um termo e há medida,

Última vez e nunca mais e olvido,

Nesta casa de que pessoa querida

Nos despedimos sem ter sabido?



A noite cessa p'ra lá da vidraça

E da pilha dos livros que truncada

Sombra pela indecisa mesa espaça

Há-de havê-los dos quais não lemos nada.



No Sul ao menos um portão arruinado

Existe com jarrões de alvenaria

E nopais dentro, que me está vedado

Como se fosse uma litografia.



Fechaste alguma porta pela certa

E para sempre. Um espelho em vão te aguarda.

Julgavas a encruzilhada aberta

E Jano quadrifonte está de guarda.



Entre as tuas memórias uma existe

Que sem remédio se veio a perder;

Àquela fonte não te hão-de ver

Descer o branco sol, a lua triste.



Não volta a tua voz a quanto o persa

Disse em língua de aves e de rosas,

Quando ao sol-pôr, perante a luz dispersa,

Quiseres dizer inolvidáveis cousas.



E o incessante Ródano e o lago,

Esse ontem, sobre o qual hoje me inclino,

Tão perdido estará como Cartago,

Sepulta em fogo e sal pelo latino?



Parece-me na alva que soou

Vivo rumor de gente. Assim vos vais,

(Foi tudo quem me quis e me olvidou)

Espaço e tempo e Borges já deixais.





Jorge Luis Borges in Poemas Escolhidos. Edição bilingue. Selecção e Trad. Ruy Belo.

Dom Quixote, Lisboa, 2003, pp.31-33

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