Esse filho de quem nem pode chamar-se bem uma puta,
persegue-me, arranha-me, arrepela-me, cospe
sempre ao meu lado, e nos lugares aonde
julga que eu passei. Filho, como é,
do que nem pode chamar-se bem
uma puta, vive de cuspir, de arrepelar
de arranhar, de perseguir as sombras
que ele julga serem as de quem não passa
nos becos onde a mãe o deu à luz,
depois de untada a vida com lubrificante
que lhe ficou, brilhantina, agarrado ao cabelo,
e a mãe, logo que o viu, lhe calçou
meias verdes e lhe comeu o imbigo.
Filho do que, de puta, nem por prenha basta
para gerar um esterco assim tão penteado,
tão crítico, tão de meias verdes,
tão arrotantemente porco nas regueifas que
do cachaço ascendem ao tutano encefálico,
julga suinamente que não há lugares,
nem seres humanos, livres de presença
de Sua Putidade. Há.
Exactamente as pessoas e os lugares aonde
ser filho da puta é ser filho da puta,
com ou sem regueifas nas ideias
ou verdura nas meias,
ou brilhantina uterina
de quem lambido foi em sua mãe
antes de nascer para cri-mer-tí-da-co.
3 de Agosto de 1962
Jorge de Sena in Dedicácias. Guerra e Paz, Editores, 2010., pp.29
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