IV
Nas montanhas, avança lentamente. Se tiveres de rastejar, rasteja.
Majestosas ao longe, insignificantes ao perto para quem as veja,
as montanhas são a forma que uma superfície posta ao alto tem
e o carreiro sinuoso que parece horizontal e se sustém
é de facto vertical. Deitado na montanha, estás
de pé; de pé, estás deitado. O que prova que hás
de cair para seres livre. Assim do medo se triunfa,
e da vertigem do abismo e da embriaguês dos cumes.
V
Se gritarem ''Ei, tu aí!'', não te dês por achado. Sê surdo e mudo.
Mesmo que saibas a língua, não abras a boca por nada deste mundo.
Faz por não te expores, de perfil ou de frente; de vez em
quando, simplesmente não laves a cara. E quando degolarem
um cão à tua frente com uma serra, não te arrepies. Caso fumes,
apaga o cigarro com uma bisga. Quanto a roupa, veste-te
de cinzento, a cor da terra - sobretudo a de baixo -,
para reduzir a tentação de assim te meterem no caixão.
VI
Quando no deserto fizeres uma paragem, forma uma seta
com pedras - assim, se acordas de repente, sabes logo por ela
que direcção tomar. De noite, os demónios no deserto
perseguem os viajantes. Quem escuta o seu concerto
pode facilmente perder-se: um passo ao lado e é o além.
Espíritos, fantasmas, demónios, no deserto estão em casa. Também
tu, com os pés enterrados na areia, saberás isto sem errar
quando de ti só a alma for o que restar.
Iosif Brodskii. Paisagem Com Inundação. Edição Bilingue. Introdução e tradução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 2001., p.47
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