Sentado debaixo do grande terebinto XV
"Sem dúvida, todo o ser humano tem e acalenta, mais ou menos conscientemente, uma concepção, uma ideia querida, fonte de uma paixão secreta em que o sentimento da vida se alimenta e sustém. Para José essa ideia preciosa era a coabitação do corpo e do espírito, da beleza e do saber e a consciência recìprocamente fortalecedora dos dois elementos. Alguns escravos e viajantes caldeus tinham-lhe contado que Bel, para criar o género humano, fizera decepar a própria cabeça a fim de que o sangue se misturasse com a terra, e da massa de terra ensanguentada fora criada a vida. José não acreditava, mas quando queria tornar-se cônscio da sua própria existência e tirar daí um sentimento de prazer, meditava na cruenta mistura do terrestre com o divino, regozijando-se ìntimamente de ser formado com tal substância. A sorrir, lembrava-se de que a consciência do corpo e da beleza devia ser aperfeiçoada e fortalecida pela consciência do espírito e vice-versa.
Acreditava sim que o espírito de Deus, a que o povo de Sinar dava o nome de «Mummu», adejara sobre as águas do caos e criara o mundo com o poder da palavra. Que maravilha! – pensava ele. O mundo surgira pelo poder da palavra livremente articulada, e ainda hoje qualquer coisa que existisse só se tornava real e presente quando o homem lhe dava vida chamando-a pelo nome. Como não havia, pois, uma bela e graciosa cabeça de se convencer também da sua sabedoria expressa em palavras."
Thomas Mann, “O Jovem José.
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