quarta-feira, 16 de setembro de 2009

NA MONTANHA III

"O homem não vive sòmente a sua vida individual; consciente ou inconscientemente participa também da sua época e dos seus contemporâneos. Até mesmo uma pessoa inclinada a julgar absolutas e naturais as bases gerais e ultrapessoais da sua existência, e que dá ideia de as criticar tão objectivamente quanto o bom do Hans Castorp – até uma pessoa assim pode fácilmente sentir o seu bem estar moral um tanto diminuído pelos defeitos inerentes a essas bases. O indivíduo pode visar numerosos objectivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe dêem o impulso para grandes esforços e elevadas actividades: mas, quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece no fundo de esperanças e perspectivas, quando se lhe revela como desesperador, desorientado e falto de saída, e responde com um silêncio vazio à pergunta que se faz consciente ou inconscientemente, mas em todo caso se faz, a pergunta pelo sentido supremo, ultrapessoal e absoluto, de toda a actividade e de todo o esforço – então tornar-se-á inevitável, precisamente entre as naturezas mais rectas, o efeito paralisador desse estado de coisas, e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral, e de afectar a própria parte física e orgânica do indivíduo. Para um homem se dispor a empreender uma obra que ultrapassa a medida do que é usual fazer-se sem que a época saiba dar uma resposta satisfatória à pergunta «Para quê?», é indispensável ou um isolamento moral e uma independência, como raras vezes se encontram e têm um quê de heróico, ou então uma vitalidade muito robusta. Hans Castorp não possuía nem uma nem outra dessas qualidades, e portanto deve ser considerado medíocre, posto que num sentido inteiramente louvável."

Thomas Mann, "A Montanha Mágica".

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