quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Poema porrada
Eu estou farto de muita coisa
não me transformarei em subúrbio
não serei válvula sonora
não serei paz
eu quero a destruição de tudo que é frágil:
cristãos fábricas palácios
juízes patrões e operários
uma noite destruída cobre os dois sexos
minha alma sapateia feito louca
um tiro de máuser atravessa o tímpano de
duas centopeias
o universo é cuspido pelo cu sangrento
de um Deus-Cadela
as vísceras se comovem
eu preciso dissipar o encanto do meu velho
esqueleto
eu preciso esquecer que existo
mariposas perjuram o céu de cimento
eu me entrincheiro no Arco-Íris
Ah voltar de novo à janela
perder o olhar nos telhados como
se fossem o Universo
o girassol de Oscar Wilde entardece sobre os tetos
eu preciso partir um dia para muito longe
o mundo exterior tem pressa demais para mim
São Paulo e a Rússia não podem parar
quando eu ia ao colégio Deus tapava os ouvidos para mim?
a Morte olha-me da parede pelos olhos apodrecidos
de Modigliani
eu gostaria de incendiar os pentelhos de Modigliani
minha alma louca aponta para a Lua
vi os professores e seus cálculos discretos ocupando
o mundo do espírito
vi criancinhas vomitando nos radiadores
vi canetas dementes hortas tampas de privada
abro os olhos as nuvens tornam-se mais duras
trago o mundo na orelha como um brinco imenso
a loucura é um espelho na manhã de pássaros sem Fôlego
Roberto Piva
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
SÉTIMO DIA
Voltámos, um a um, da tua morte
para a nossa vida como quem regressa a casa
de uma longa viagem. Para trás ficaram recordações, países,
e agora é como se te tivéssemos sonhado.
A voz que, diante da escuridão, suspendemos
quando se desmoronou o mundo para o fundo de ti
erguêmo-la de novo para os afazeres diurnos
e para as horas comuns.
Ainda ontem estávamos sozinhos diante do Horror
e já somos reais outra vez.
A própria dor adormeceu no nosso colo
como um animal de companhia.
MANUEL ANTÓNIO PINA
Quem controla o sistema financeiro?
"Assim, a política econômica não é mais da jurisdição
dos governos democraticamente eleitos, porque existe um determinado grupo de
interesses que nunca pode ser derrotado. Não é somente a questão dos detentores
de riqueza poderem evitar o ônus de qualquer política da qual não gostem. É
pior do que isso: eles podem arruinar a economia no processo de evitar decisões
locais, causando uma crise no balanço de pagamentos." (Quem controla o
sistema financeiro? - Ibase)
Strophes pour se souvenir
Vous n'avez réclamé la gloire ni les larmes
Ni l'orgue ni la prière aux agonisants
Onze ans déjà que cela passe vite onze ans
Vous vous étiez servi simplement de vos armes
La mort n'éblouit pas les yeux des partisans
Vous aviez vos portraits sur les murs de nos villes
Noirs de barbe et de nuit, hirsutes, menaçants
L'affiche qui semblait une tache de sang
Parce qu'à prononcer vos noms sont difficiles
Y cherchait
un effet de peur sur les passants.
Nul ne semblait vous voir Français de préférence
Les gens
allaient sans yeux pour vous le jour durant
Mais à l'heure du couvre-feu des doigts errants
Avaient
écrit sous vos photos morts pour la France
Et les
mornes matins en étaient différents
Tout avait
la couleur uniforme du givre
À la fin février pour vos derniers moments
Et c'est alors que l'un de vous dit calmement
Bonheur à tous Bonheur à ceux qui vont survivre
Je meurs
sans haine en moi pour le peuple allemand
Adieu la peine et le plaisir Adieu les roses
Adieu la vie Adieu la lumière et le vent
Marie-toi sois heureuse et pense à moi souvent
Toi qui vas demeurer dans la beauté des choses
Quand tout
sera fini plus tard en Erivan
Un grand
soleil d'hiver éclaire la colline
Que la
nature est belle et que le cœur me fend
La justice
viendra sur nos pas triomphants
Ma Mélinée
ô mon amour mon orpheline
Et je te dis de vivre et d'avoir un enfant
Ils étaient
vingt et trois quand les fusils fleurirent
Vingt et
trois qui donnaient leur cœur avant le temps
Vingt et trois étrangers et nos frères pourtant
Vingt et trois amoureux de vivre à en mourir
Vingt et
trois qui criaient la France en s'abattant
Strophes
pour se souvenir. Louis Aragon
Aujourd'hui
l'Humanité rend hommage aux 23 résistants du groupe Manouchian, morts pour la
France il y a 70 ans jour pour jour.
Fonte L’Humanité
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
( Senhor, dá-me a faculdade de jamais rezar, poupa-me a
insanidade de toda adoração, afasta de mim essa tentação de amor que me
entregaria para sempre a Ti. Que o vazio se estenda entre o meu coração e o
céu! Não desejo ver meus desertos povoados com Tua presença, minhas noites
tiranizadas por Tua luz, minhas Sibérias fundidas sob Teu sol. Mais solitário
do que Tu, quero minhas mãos puras, ao contrário das Tuas que sujaram-se para
sempre ao modelar a terra e ao misturar-se nos assuntos do mundo. Só peço à Tua
estúpida onipotência respeito para minha solidão e meus tormentos. Não tenho
nada a fazer com Tuas palavras. Conceda-me o milagre recolhido antes do
primeiro instante, a paz que Tu não pudeste tolerar e que Te incitou a abrir
uma brecha no nada para inaugurar esta feira dos tempos, e para condenar-me
assim ao universo, à humilhação e à vergonha de existir.)
Cioran
"É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas
insone; e sem fantasmas. É terrível – sem nenhum fantasma. Inútil querer
povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina
que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos
houvesse o vento. Vento é ira, ira é vida. Ou neve, que é muda, mas deixa
rastro – tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma
continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode
falar do silêncio como se fala da neve."
- Clarice Lispector, em “Onde Estivestes de Noite”, 1998.
Voz já sem eco, só
visões de mescalina;
Minha pátria, o silêncio
— imagem desfocada
ou oblívio —
no transmutar-se em água.
(Um jogo de
decapitações:
extravio dos prováveis,
sem desfibrar a
rocha.)
(Yin Hsi, exaurido após luas e sóis de inútil leitura —
tarefa insana como polir pedra com pluma, mover montanhas, secar o sol —
incinera o códice de nós.)
fonte: Cláudio Daniel
MINHA PÁTRIA
Minha pátria não é a língua portuguesa.
Nenhuma língua é a pátria.
Minha pátria é a terra mole e peganhenta onde nasci
e o vento que sopra em Maceió.
São os caranguejos que correm na lama dos mangues
e o oceano cujas ondas continuam molhando os meus pés quando
sonho.
Minha pátria são os morcegos suspensos no forro das igrejas
carcomidas,
os loucos que dançam ao entardecer no hospício junto ao mar,
e o céu encurvado pelas constelações.
Minha pátria são os apitos dos navios
e o farol no alto da colina.
Minha pátria é a mão do mendigo na manhã radiosa.
São os estaleiros apodrecidos
e os cemitérios marinhos onde os meus ancestrais
tuberculosos
[e impaludados não param de tossir e tremer nas noites frias
e o cheiro de açúcar nos armazéns portuários
e as tainhas que se debatem nas redes dos pescadores
e as résteas de cebola enrodilhadas na treva
e a chuva que cai sobre os currais de peixe.
A língua de que me utilizo não é e nunca foi a minha pátria.
Nenhuma língua enganosa é a pátria.
Ela serve apenas para que eu celebre a minha grande e pobre
pátria muda,
minha pátria disentérica e desdentada, sem gramática e sem
dicionário,
minha pátria sem língua e sem palavras.
LÊDO IVO
Poema sobre a recusa
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.
Maria Teresa Horta
DEFESA DA ALEGRIA
Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas
defender a alegria como um princípio
defendê-la do pasmo e dos pesadelos
dos neutros e dos nêutrons
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos
defender a alegria com uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingênuos e dos canalhas
da retórica e da parada cardíaca
das endemias e das academias
defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
do descanso e do cansaço
da obrigação da alegria
defender a alegria como uma certeza
defendê-la da ferrugem e da sarna
da célebre pátina do tempo
do relento e do oportunismo
dos rufiões do riso
defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos sobrenomes e das lástimas
do acaso
e também da alegria
MARIO BENEDETTI
Tradução: Fabiano Calixto
OUTRE
Des fois, aussi,
tout irisée se
balade
naïve
une bulle
en la
fraîcheur
du vent,
pourquoi si beau
dehors oh
pourquoi enfermée
elle se dit
et explose
aussitôt
du plaisir
d'exploser
Un poema de Annie Salager
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
A Criança e a Relva
Walt Whitman - Tradução de Geir Campos
Uma criança disse:O que é a relva? - trazendo um tufo em
suas mãos;
O que dizer a ela?... sei tanto quanto ela o que é a relva.
Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito,
tecida de uma substância de esperança verde.
Vai ver é o lenço do Senhor,
Um presente perfumado e o lembrete derrubado por querer,
Com o nome do dono bordado num canto,
pra que possamos ver e examinar, e dizer:
- É seu?
O Louco
Gibran Khalil Gibran - Tradução de Mansour
Challita.
Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:
Um dia, muito tempo antes
de muitos deuses terem nascido,
eu despertei de um sono profundo e notei que todas
as minhas máscaras tinham sido roubadas
- as sete máscaras que eu havia confeccionado
e usado em sete vidas -e corri sem máscara pelas
ruas cheias de gente, gritando:
"Ladrões, ladrões, malditos ladrões!"
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram
para casa, com medo de mim e quando cheguei à praça
do mercado, um garoto trepado no telhado de uma
casa gritou: "Ele é um louco!".
Olhei para cima, pra vê-lo.
E pela primeira vez, o sol beijou minha face nua, e
minha alma inflamou-se de amor pelo sol,
e eu não desejei mais as minhas máscaras. E, como num
transe, gritei:
"Benditos, benditos os ladrões
que roubaram minhas máscaras!"
E foi assim que eu me tornei louco.
E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura:
a liberdade da solidão e a segurança de não ser
compreendido,
pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em
nós.
Cap. III - Representar
"Com suas voltas e reviravoltas, as aventuras de Dom
Quixote traçam o limite: nelas terminam os jogos antigos da semelhança e dos
signos; nelas já se travam novas relações. Dom Quixote não é o homem da
extravagância, mas antes o peregrino meticuloso que se detém diante de todas as
marcas da similitude. Ele é o herói do Mesmo. Assim como de sua estrita
província, não chega a afastar-se da planície familiar que se estende em torno
do Análogo. Percorre-a indefinidamente, sem transpor jamais as fronteiras
nítidas da diferença, nem alcançar o coração da identidade. Ora, ele próprio é
semelhante a signos. Longo grafismo magro como uma letra, acaba de escapar
diretamente da fresta dos livros. Seu ser inteiro é só linguagem, texto, folhas
impressas, história já transcrita. É feito de palavras entrecruzadas; é ESCRITA
ERRANTE no mundo em meio à semelhança das coisas. Não porém inteiramente: pois,
em sua realidade de pobre fidalgo, só pode tornar-se cavaleiro, escutando de
longe a epopéia secular que formula a Lei. O livro é menos a sua existência que
se dever. Deve incessantemente consultá-lo, a fim de saber o que fazer e dizer,
e quais signos dar a si próprio e aos outros para mostrar que ele é realmente
da mesma natureza que o texto de onde saiu. [...]. Dom Quixote desenha o
negativo do mundo do Renascimento; a escrita cessou de ser a PROSA DO MUNDO; as
semelhanças e os signos romperam sua antiga aliança; as similitudes
decepcionam, conduzem à visão e ao delírio.As coisas permanecem obstinadamente
na sua identidade irônica: não são mais do que o que são; AS PALAVRAS ERRAM AO
ACASO, sem conteúdo, sem semelhança para preenchê-las; não marcam mais as
coisas; dormem entre as folhas dos livros, no meio da poeira."
(Início do Cap. III - Representar, do livro As Palavras e as
Coisas, de Michel Foucault)
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
- Manuel Bandeira, em "A cinza das horas", 1917.
___
Manuel Bandeira no site:
http://www.elfikurten.com.br/2011/02/manuel-bandeira-estrela-da-vida-inteira.html
ESPLANADA
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,
agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.
O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.
MANUEL ANTÓNIO PINA
La guerra desconocida, 1914-1945
11 de febrero de 2014 Yaroslav Butakov, File.rf
Hace 100 años comenzó la Primera Guerra Mundial. Para muchos
sigue siendo la Guerra Desconocida, aunque en 1914 se la conocía también en
Rusia como la Guerra Patria.
La guerra desconocida, 1914-1945
Fuente: RIa Novosti
En Rusia buena parte de la conciencia colectiva la considera
una guerra desprovista de sentido; engendró la Revolución y supuso una pérdida
de territorio. ¿Es, por tanto, necesario recordarla? Sí, lo es. Aunque solo sea
porque cerca de dos millones de rusos sucumbieron en los campos de batalla de
esta Primera Guerra Mundial.
“En este momento no solo tenemos la obligación de defender
nuestro país, injustamente agraviado, sino que también debemos proteger el
honor, la dignidad y la integridad de Rusia, así como su posición entre las
grandes potencias del mundo…”, declaró el 20 de julio (2 de agosto según el
calendario juliano que se utilizaba entonces en el país eslavo) de 1914 el zar
Nicolás II en un manifiesto publicado al día siguiente de que Alemania
declarara la guerra a Rusia.
Proteger el honor, la dignidad y la integridad. No son
palabras vacías. La agresión de la Alemania imperial a Rusia fue, sin duda, un
hecho histórico. El desmembramiento de Rusia fue fraguado por los
pangermanistas ya en los años 80 del siglo XIX.
En 1914, el káiser Guillermo II recibió un memorándum que
sugería la ‘limpieza’ de los países Bálticos, Bielorrusia y el territorio de la
entonces conocida como Gran Rusia (Velíkaya Rus en ruso) desde la línea de
Petrogrado-Smolensk hacia el oeste para el asentamiento de alemanes en esas
tierras.
En verano de 1915, se celebró un congreso en Berlín en el
que 1.347 profesores alemanes firmaron otro memorándum que sostenía que todo el
territorio al oeste del Volga debía quedar bajo colonización alemana. El
ejército ruso, por tanto, combatió en aquella guerra principalmente por la
libertad y la independencia de su patria.
En su día, nada menos que Winston Churchill se sintió en la
obligación de recordar a los ciudadanos del Imperio británico y a los
estadounidenses la contribución de Rusia en la victoria de la Triple Entente. A
principios de los años 30, se recopilaron varios fragmentos de toda su obra en
un libro dedicado a la Primera Guerra Mundial bajo el título La guerra
desconocida: el frente occidental. El nombre fue muy acertado... desconocida.
En Francia, por ejemplo, hay un monumento a los soldados de
las brigadas especiales rusas. Pero en Grecia y en Macedonia, donde las
brigadas especiales rusas también combatieron como parte de las fuerzas aliadas
multinacionales, sigue sin haber ningún recordatorio. En general, las proezas
de los soldados rusos en los Balcanes entre 1916 y 1918 no han sido
inmortalizadas.
De los rusos que perdieron la vida en los campos de batallas
de Francia se ha filmado alguna película y se han escrito numerosos libros;
sobre las tropas rusas del Frente de Salónica no hay más que dos o tres
artículos.
En Turquía, en el extremo de la península de Galípoli — a la
entrada de Dardanelos—, donde tuvo lugar en 1915 una de las batallas más
conocidas de la Primera Guerra Mundial, se erigió aún en tiempos de Kemal
Atatürk un enorme complejo en memoria de los soldados turcos y británicos.
En uno de sus monumentos se puede leer la siguiente frase:
“Descansen en paz. A todos los John y los Mehmed sin distinción; ambos yacen
juntos en nuestro país”. Qué impide levantar monumentos similares en aquellos
lugares donde se libraron las mayores batallas entre los ejércitos de Rusia y
Turquía en la Primera Guerra Mundial: lugares como Sarighamish, Erzurum, Trebisonda
o Erzincan.
Para Rusia el fin de la guerra no llegó con la firma del
tratado de paz de Brest, sino que continuó posteriormente. En invierno de 1918
y 1919, las tropas soviéticas regresaron a las fronteras occidentales del
antiguo Imperio ruso. De hecho, la guerra con Polonia de 1920 también cumple
todos los requisitos para ser considerada como continuación de la Primera
Guerra Mundial.
Si se contempla a una escala mayor, toda esta guerra se
podría considerar simplemente como la primera fase de la Gran Guerra Patria de
los 30 años, de 1914 a 1945 (Gran Guerra Patria es el nombre con el que se
conoce comúnmente a la Segunda Guerra Mundial en Rusia).
De esos 32 años, a Rusia le corresponden 14 años de
importantes guerras externas y, si a estas se le suman las guerras locales, en
total fueron 22 años de contiendas. Solo en 1925 se marcharon los últimos
invasores del territorio ruso (los japoneses del norte de Sajalín); en 1929,
sin embargo, tuvo lugar un conflicto en la línea transmanchuriana (rama del
transiberiano que une Rusia con China); y en 1937 volvieron los conflictos con
Japón en el Extremo Oriente (el incidente de Blagovéshchensk). Después llegaron
los acontecimientos que todos conocemos y que se prolongaron hasta el año 1945.
La denominación de Guerra Patria alude a que no se trató de
una guerra librada para la conquista de tierras extranjeras, sino para la de la
independencia nacional.
Yaroslav
Butakov, doctorando en Historia.
Artículo publicado originalmente en ruso en File-RF.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
Sociedade do Espetáculo
[O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação
social entre pessoas, mediada por imagens.
Compreendido em sua totalidade, o espetáculo é tanto o
resultado como a meta do modo de produção dominante. Ele não é uma mera
decoração acrescentada ao mundo real. É o próprio coração do irrealismo desta
sociedade real. Em todas suas manifestações particulares -- notícias,
propaganda, anúncios, entretenimento -- o espetáculo representa o modelo
dominante de vida. É a afirmação onipresente das escolhas que já foram feitas
na esfera da produção e do consumo resultante de tal produção.]
Gui Debord
A Palavra
Eleva-se entre a espuma, verde e cristalina
e a alegria aviva-se em redonda ressonância.
O seu olhar é um sonho porque é um sopro indivisível
que reconhece e inventa a pluralidade delicada.
Ao longe e ao perto o horizonte treme entre os seus cílios.
Ela encanta-se. Adere, coincide com o ser mesmo
da coisa nomeada. O rosto da terra se renova.
Ela aflui em círculos desagregando, construindo.
Um ouvido desperta no ouvido, uma língua na língua.
Sobre si enrola o anel nupcial do universo.
O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nível do universo.
Na sua simplicidade terrestre há um ardor soberano.
- António Ramos Rosa, in "Volante Verde".
psiquê do ódio
Para entender o curioso fenômeno em que Dilma se consolida
como favorita e aumenta o ódio das fragmentadas oposições. Entrevisto eleitores
falando que a Dilma é razoável, mas os outros candidatos são todos seguramente
muito piores e por isso é que ela vai se reeleger. A forte base social e força
eleitoral do voto no PT motiva reações desesperadas, violentas e desconexas. Os
movimentos de protesto amanhã serão menores, muito menores porque já se formou
um grande e vigoroso anticorpo político contra black blocs, anonymous e outras
velhacarias em rede de 2013. Marina e Heloísa Helena não repetirão 2010 e 2006
como já se sabia naquelas eleições. Órfãos da ditadura, alguns dos mesmos que
patrocinaram agosto de 54, Jânio Quadros, a Redentora de 64 e Fernando Collor
imaginam inventar um neo-velho simulacro desgastado de "Salvador da
Pátria" autoritário, tipo Idi Amin Dada, outra manobra fadada ao fracasso.
O PSDB traz sólida rejeição nacional a quem apoiar no primeiro e no segundo
turno. Para quem viveu e sobreviveu aos governos Figueiredo, Sarney, Collor,
Fernando Henrique Cardoso - sabe-se que a situação hoje é muito melhor (ou bem
menos pior) do que durante os períodos anteriores a 2003. Quem está
individualmente pior hoje em relação a 2002, 1992, 1982 ? A grande maioria do
povo brasileiro melhorou bastante de vida em relação aos últimos 10, 20, 30
anos. Para entender a curiosa psiquê do ódio. http://www.domtotal.com/noticias/detalhes.php?notId=719590&fb_action_ids=10201527525175980&fb_action_types=og.likes&fb_source=other_multiline&action_object_map=[355654764577474]&action_type_map=[%22og.likes%22]&action_ref_map=[]
Ricardo Costa de Oliveira
O impossível carinho
Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
- Manuel Bandeira, no livro "Libertinagem e Estrela da
Manhã". 14ª ed., Editora Nova Fronteira, 2000, pág. 68.
Black Bloc é uma tática e não uma organização política. Não
existe, portanto, os Black Blocs.
O que há são pessoas ou pequenos grupos dispersos que se
intitulam assim, numa heterogeneidade de motivações, condutas, trajetórias.
O que dá identidade para quem se diz um Black Bloc são os
rostos cobertos e a ação de enfrentamento direto aos aparelhos estatais,
sobretudo a polícia, em diferentes níveis.
Esse anonimato e essa forma de atuação criam um terreno
fértil para a reunião de jovens inconsequentes, que agem por revolta e
desorganizados, atraídos pela ousadia Black Bloc e repelidos pela inércia das
instituições políticas tradicionais, principalmente os partidos políticos.
Mas também é o terreno ideal para a infiltração da polícia e
de mercenários pagos para incitar conflitos, com o intuito de justificar o
aumento da repressão e de afastar a massa dos protestos. Por isso, a violência
policial e a ação de grupos violentos em meio às multidões, invariavelmente,
são movimentos articulados e planejados para criminalizar e dissipar movimentos
legítimos de contestação.
Aqueles que ainda acreditam nas transformações sociais e na
força das mobilizações populares precisam dedicar seu tempo para discutir com
essa juventude e apontar caminhos consequentes de luta organizada.
André Castelo Branco Machado
Visualize 2014 em Curitiba: cidade mais atrasada para a Copa
e com menor volume de obras para a Copa; risco de implosão no sistema integrado
de transporte público e sobra de vagas em hotéis porque os turistas não se
interessaram pela cidade. Ou seja, ano em que todo o mito da capital europeia
escoa rapidamente ralo da realidade. Esse é o ano da
"brasileirização" de Curitiba. Cidade dos atrasos, dos
superfaturamentos, da inexistência de prestação de contas do uso do dinheiro
público, do transporte coletivo caro e ruim, dos coronéis na política, dos
políticos mandões e dos políticos fracotes. Depois dessa, chega! Estamos no
Brasil, moçada, com tudo o que isso significa. Essa ladainha da cidade evoluída
não se sustenta mais. Não somos - tenho dúvidas que um dia tenhamos sido - mais
avançados e organizados do que outras cidades do mesmo porte do País.
Emerson Urizzi Cervi
discussões políticas
Jose Alvaro Moises
10 de fevereiro próximo a São Paulo
Não estou seguro de que todas as pessoas responsáveis desse
país - inclusive meus colegas da universidade e, especialmente, os cientistas
políticos - estão se dando conta de modo completo das implicações e das
consequências do retorno da violência na vida pública brasileira. Só não vê
quem não quer que o clima de mal estar com o funcionamento da democracia - e em
grande parte com o governo de Dilma Roussef e do PT - está dando lugar a
iniciativas as mais variadas que, antes de se apoiar no diálogo, na negociação
e nas instituições de representação - usam a violência como forma de protesto,
de ação e de expressão. A morte de um jornalista, os ônibus queimados, os
abusos das milícias, e também das polícias, o pânico da população - tudo está
dando sinais de que, aos poucos, em todas as esferas da vida o conflito
legítimo de sociedades complexas como a nossa está sendo tratado como se sua
única solução fosse o uso da força, da violência e da depredação. Não me digam,
por favor, que os governos ditos de esquerda ou seus opostos, os conservadores,
estão sabendo o que fazer, nem que os partidos de qquer orientação estão
conectados com a população. Não importa mais a controvérsia se o
presidencialismo de coalizão funciona ou não, o que precisamos perceber é que o
país está entrando em um clima e em uma atmosfera perigosa, que ameaçam a
democracia, a convivência social e tranquilidade das pessoas. Acho melhor olhar
isso de frente logo, com clareza e percepção, e começar a pensar em saídas para
tudo isso do que esperar o caos se instalar. Desculpem-me o desabafo, mas estou
sufocado pela apreensão pelo que estou vendo ocorrer no Brasil contemporâneo,
sem vislumbrar saídas de lado nenhum. Queria saber aonde estão as nossas
lideranças, e o que elas têm a dizer de tudo isso.
Vera Zaverucha "Que ameaçam a democracia, a convivência
social e a tranquilidade das pessoas"..
Na verdade, a força, a violência e depredação são artifícios
de guerra para espantarem a população. Ninguém quer mais ir às ruas pois temem
serem rechaçadas. Os black blocs são uma farsa. São pessoas programadas para
desfazer manifestações e causar transtornos.
.
Adilson Simonis Caro Professor, solidarizo-me com seu
oportuno desabafo. Apenas tento agregar a ideia de que este lamentável episódio
dos Blacs está muito parecido com o assassinato em Sarajevo do Arquiduque
Império Austro-Húngaro Francisco Ferdinando pelo sérvio nacionalista Gavrillo.
Adilson Simonis Continuando: não foi a causa mas uma
manifestação de muitas variáveis que levaram ao ato violento. Cabe-nos trazer a
complexidade a toma. Você tem um papel merecido neste aspecto. Abraços
Jose Alvaro Moises Pois é Adilson, tem algo de muito
estranho nisso, tudo a indicar que se trata de algo articulado e não
espontâneo, embora não seja claro ainda com que objetivos. E a perplexidade
parece ser geral, porque agora, com exceção de uma ou outra pessoa públic...Ver
mais
Jose Alvaro Moises A esquerda tem medo de constatar a
violência e suas consequências por que já flertou e ainda flerta com ela. A
direita só vai até o pedido de repressão sem querer olhar as causas. M
Jose Alvaro Moises Mas o mais grave é que as chamadas
lideranças democráticas não tenham nada a dizer, estão guardando um silêncio
sepulcral como se o país não estivesse entrando - em ritmo ainda local e de
pequenas proporções - em convulsão.
Jose Alvaro Moises Não acho que seja o caso de exagerar no
diagnóstico, mas os sinas não são bons e pedem atenção e soluções, rápidas,
eficazes, antes que se acumulem os efeitos negativos do que está ocorrendo.
Adilson Simonis Pois caro amigo, a questão econômica está
pegando. A incapacidade do modelo vigente se sustentar e a falta de proposta da
oposição (no máximo manter o tripé do Palocci via Rede) fazem que a pasmaceira
reine. O que tah pegando como dizem os jovens eh a crise energética (dizem que
o apagão derrubou FHC) . Pois bem, cade os pensadores para propor avanços
sociais aos que terão que devolver o carrinho pois não conseguem pagar o Ipva
(35 porcento do Pibinho em postos) significa uma barreira capitalista de
acumulação que, mesmo ela, não pode gerar riquezas sem estabilidade política.
Vocês sociólogos tem que se manifestarem; nos estatísticos estamos vendo a
coisa feia e pode piorar. Abraço
Ernesto Heine O grande trunfo do governo é ter amarrado
muitos setores da indústria ao BNDES e a empréstimos com prazos a vencer em
período que precede eleições. O BNDES, empreiteiras, imprensa e etc são
máquinas muito eficientes de manipulação e em um período de crise a quantidade
de setores endividados é imensa. Ninguém quer abrir a boca e ser liquidado.
Como as lideranças políticas tem uma corda atrelada ao setor econômico.... não
restam dúvidas que está tudo muito amarrado. Esta corda precisa ser rompida
através da reforma política. É o ponto alto da questão.
Adilson Simonis Caro Ernesto; defina reforma política, por
favor. Voto distrital, fundo partidário diferente do de hoje ou manter o
financiamento público. Onde reformaram?
Jose Alvaro Moises Adilson, ao menos penso que não podemos
mais continuar com financiamento privado no volume que ocorre no Brasil. A
França e a Alemanha proibiram as empresas de financiar partidos e candidatos. Pode
ser um começo. E precisamos mudar o sistema político, o sistema proporcional
atual retira poder dos eleitores, não é bom. E o presidencialismo de coalizão
concentra poderes demais nas mãos do Executivo, enfraquece no Legislativo e
estimula o Judiciário a judicializar a política. Temos de reequilibrar o
balanço de poderes republicanos, e restaurar o interesse público na vida
política.
Claudia N. Paiva Eu não entendo quem é chamado de direita ou
esquerda nesse caso, pq o grupo no poder se diz esquerda, e os manifestantes
nas ruas, anarquistas.
As manifestações começaram pacíficas e foram reprimidas
violentamente até que só sobrassem black blocs nas ruas. Essa repressão foi
aceita pela opinião pública, única revista a reclamar foi a isto é. Agora está
formada a confusão.
Ernesto Heine Adilson Simonis, estava escrevendo, mas o
Prof. Moisés respondeu de modo ainda mais completo. Restaurar o interesse
público na vida política é essencial também. A juventude está muito
despolitizada. Não há uma geração de pensadores e quem é mais pensante, hoje
tem medo de opinar... ou então carece de liderança.
Adilson Simonis O setor privado não joga dinheiro fora. O
estado deve intervir onde falta dinheiro (Monte Belo jah deveria estar pronta).
Na época da UDN havia tão pouco dinheiro que chamar aquilo de financiamento
privado foge ao meu entendimento histórico. De qualquer maneira, gostei da sua
resposta.
Para a Claudia Paiva, chamo a atenção ao conceito que ajudou
a condenar alguns no processo do mensalão; domínio do fato.
Adilson Simonis Ernesto, obrigado pela resposta. Eu não
procuro lideranças (jah basta minha mulher que manda em mim) e como dizia um
personagem de quadrinhos; soja tenho medo que o céu caia na minha cabeça. Boa
noite a todos, sempre aprendo com os amigos da área de Humanas...
Jose Alvaro Moises A esquerda está no governo, mas não no
poder, embora compartilhe partes dele. A direita está em alguns estados, tem
poder econômico e dirige o capitalismo no país. Os manifestantes não são todos
anarquistas, apenas alguns, a maioria pediu mais democracia. Agora, os black
blocs... além de vândalos são provocadores, mas não está bem claro a serviço de
quem... talvez do crime organizado, os traficantes e contrabandeadores de
armas.
Jose Alvaro Moises E também expressam um fenômeno mais
profundo de marginalidade, desigualdade e deslocamento social - mas nada disso
justifica o uso da violência e da força. Isso é próprio da direito, como
fizeram durante a ditadura, no nazismo e na fascismo; e, infelizmente, as vezes
também na antiga União Soviética.
Angélica Salazar Pessôa Mesquita Prof. Jose Álvaro Moisés,
como sempre o senhor foi brilhante nos seus comentários. Mas, na minha opinião
a esquerda já deixou de flertar com a violência. Elas estão de braços dados,
defendendo direitos para bandidos e mais deveres para os cidadãos de bem.
Claudia N. Paiva Duvido muito q black blocs estejam a
serviço de quem quer q seja. Acompanhei as discussões das pag do anonymous e
dos black blocs, fui as manifestações maiores. Houve um momento (está no
youtube) em frente a prefeitura em q acredito q a guera começou. Um homem
bombado (e talvez cheirado) q a multidão pedia à polícia p retirar e a polícia
ameaçava quem pedia de cadeia. Depois a polícia usou esse homem de pretexto p
iniciar a repressão. Acho q existiu uma sensação de massacre e injustiça pela
polícia quando eles começaram a reprimir as manifestações sem nenhuma
justificativa moral razoável, e mais revolta ainda quando ficou patente o uso
de p2 pela polícia para culpar manifestantes. O caso do Bruno mostrou q a
polícia pode incriminar um inocente a hora q quiser. Muitas prisões
injustificadas foram flagradas por populares. Os black blocs tomaram a função
de "defesa da multidão", são equivocados no seu entendimento do
problema e nas suas táticas q estão longe de ser só defesa, mas não são coesos,
de fato, pela própria natureza anarquista da maioria de seus integrantes.
Renato Perissinotto Penso que existem diferentes violências
oriundas de diversos lugares na sociedade, mas me parece que elas se unificam a
partir de um lugar: o Estado brasileiro. Seja pela presença seja pela ausência,
o Estado brasileiro é fonte/incentivo à violência. Quando ausente, cria uma
estrutura de oportunidades para que a violência entranhada na sociedade
brasileira se manifeste, como no caso do garoto amarrado ao poste; quando se
faz presente humilha a população pela ineficiência (seja ao prestar serviços,
seja quando os regula) ou pela repressão. Como você disse, isso gera um ambiente
perverso, em que a direita demanda mais repressão e parte da esquerda (?),
ultraminoritária, aposta na violência como fim em si mesmo, como um primeiro
recurso. Na minha opinião, o problema da reforma do Estado brasileiro, para
além da bobagem do Estado mínimo ou da antinomia infrutífera entre empresas
estatais ou privadas, é o tema ausente mais importante da agenda política.
Reforma no sentido de, por um lado, recapacitá-lo a ser coordenador de ação
coletiva e implementador de um projeto de longo prazo que transcenda o curto
prazo das eleições e, por outro, no sentido de republicanizá-lo, de colocá-lo a
serviço da população e não contra ela. Mas para isso, seria preciso um pacto
entre lideranças políticas e forças socioeconômicas em nome de um projeto de longo
prazo. Quem seria capaz de encaminhar isso? Não vejo ninguém à altura e isso
também me preocupa muito.
Alba Zaluar Em março do ano passado fui gratuitamente
ofendida e agredida por jovens, aliás com sotaque paulista, alguns com
máscaras, na saída da inauguração do MAR, museu na cidade do Rio de Janeiro.
Barraram a minha passagem por um corredor (polonês), depois me deixaram passar
gritando que eu fedia e era uma burguesa! Portanto muito antes de qualquer
manifestação de rua no Rio de Janeiro. Não havia PMs no local, apenas a
segurança da presidente Dilma que nada fez. E eu saí mais cedo porque cansei de
esperar pela comitiva dela para ouvir os discursos e finalmente visitar o
museu. Esse movimento estava sendo gestado há muito, alimentado lamentavelmente
pelas ideias de alguns professores. A partir desse momento, comecei a me
perguntar o que estava acontecendo e, claro, me postei contra essa inútil forma
de agredir quem não tem nada com quem manda no país.
Jose Alvaro Moises Me solidarizo inteiramente com minha
querida colega Alba Zaluar. O relato dessa experiência humana horrível que a
atingiu é um exemplo importante dos riscos que estão surgindo ao direito à
vida, à livre expressão e à participação irrestrita na vida política e social.
Quando um de nós é ameaçado, todos estamos sendo ameaçados e, nesse caso, é
sinal de desconhecimento e de desprezo pela inestimável contribuição da Alba,
precisamente ao nosso tema, o uso da violência na vida pública.
Evelyn Levy Me identifico com aqueles que estão perplexos e
igualmente expresso minha profunda preocupação. Também acredito que não estão
surgindo lideranças para interpretar e propor caminhos. Nesse sentido seria
muito bom se você, Moisés - e o NUPPs- pudessem abrir o espaço para o debate.
Especialmente por que acho que a situação é mais complexa do que estamos
acostumados: há novos atores e novas formas de expressão se misturando a velhos
interesses. Também não acredito que possamos atribuir a responsabilidade
exclusivamente ao Governo Federal. Acredito que se não formos capazes de fazer
uma interpretação correta dessas múltiplas influências - a economia da droga,
por exemplo, como indicou ontem o Governador Anastasia -não saberemos formular
propostas eficazes de ação política.
Wagner Iglecias Caro Prof. José Jose Alvaro Moises, sua
preocupação é muito legítima e pertinente, ainda mais neste momento em que o
ambiente político-partidário anda tão envenenado. Entendo sua mensagem como um
convite a que todos aqueles da comunidade acadêmica interessados em debater de
maneira franca o país e saídas para seus problemas que o façam. Apenas não
creio que avançaremos se partimos da premissa de que o esgotamento da paciência
da população é com o partido A ou o partido B. Parece-me que é geral, e não
apenas com partidos ou com este ou aquele nível de governo. Muita gente anda
farta do governo federal, dos governadores, dos prefeitos. E não só. As pessoas
estão também cansadas do Congresso Nacional, dos deputados estaduais,
vereadores, juízes, promotores de justiça, de certos comunicadores da midia
etc. Estão ainda fartas da forma como são tratadas pelas empresas de telefonia,
bancos, operadoras de cartão de crédito, companhias aéreas, TVs a cabo e tantos
outros segmentos.
Jose Alvaro Moises O debate está aberto e todos podem participar
dele. Por outro lado, concordo que a insatisfação é geral, atinge a todos. Mas
alguns tem mais responsabilidade do que outros, especialmente, os que fizeram o
seu prestígio e sucesso eleitoral em torno da ideia de que estavam reformando a
política. Ao não reformarem, e pelo contrário a degradarem mais ainda, deixaram
um vazio ético, moral e político que agora está deixando o país sem rumo e as
pessoas sem esperança. Todos os partidos estão falhando e são deficitários, mas
alguns são mais do que outros, a história registra isso sem piedade. Temos de
ter clareza e cobrar isso de quem deve ser cobrado, sob pena de fraudarmos a
nossa própria percepção, mas não acho mais que o momento é para isso.
Jose Alvaro Moises João, não dou brecha nenhuma, sou bem
conhecido - e, aliás, criticado - por ser um crítico duro do PT, não apenas por
causa da sua política nos últimos 11 anos, mas por causa do seu projeto de
poder, e dos seus objetivos de longo prazo. Como fui fundador do partido, e
participei dele por mais de 10 anos, sei bem do que estou falando. Quanto ao
mais, respeito suas opiniões e da maior parte dos que tem participado do
debate, embora não de todos.
João Weber Jose Alvaro Moises, meu ponto não é esse, e nem
você especificamente. O "projeto de poder" do PT é o projeto de poder
da esquerda por excelência.
Os governos Lula e Dilma representam DE FATO a esquerda - em
todos os aspectos. Dissociar o "projeto de poder" petista da esquerda
é problemático. Não acho possível separar uma coisa da outra, assim como não é
possível dissociar a TFP da "direita".
Sei que não há mais consenso acadêmico a respeito dos termos
"direita" e "esquerda", e portanto trato a dicotomia como
uma questão autointitulada. É de esquerda quem se diz de esquerda.
Jose Alvaro Moises Então, aos poucos o mistério está se
revelando... resta saber como o governo vai reagir, assim como os líderes da
oposição - o momento exige uma tomada de posição clara das pessoas responsáveis
Ernesto Heine Isso no fundo é bom. Antes da copa e bem
próximo às eleições, está se desenhando um clima de novos protestos. Desta vez
com envergadura ainda maior. A mudança acontecerá.
Os pedidos dos manifestantes não foram atendidos. Nenhum...
Apenas alguns elementos de agenda foram apressados. Para piorar a questão da
copa está machucando demais. Pensou-se que o povo queria só futebol. Isso
acabou.
Seria muito bom que estas investigações sejam concluídas
rapidamente, para que o momento eleitoral seja ao gosto da população. Para que
haja um clima de confraternização, de alegria democrática...
Joel Formiga Acreditar que os black blocs são um movimento
popular legítimo, independente do julgamento que se faça dos seus métodos e
táticas, seria um ato de fé e uma esperança na capacidade de mobilização
política da população da qual não comungo. Infelizmente, são, na minha opinião,
jovens alienados comoois demais brasileiros, aliciados por uma remuneração, e
no máximo unidos por uma aversão à Polícia e às autoridades. Movimento legítimo
seria o dos rolezinhos, interessados em fazer uma farra aqui ou ali, e
indiferentes às questões sociais, raciais ou políticas que, por mais que a
mídia tenha tentado, não colaram. Legitimamente apolíticos.
Me resta compartilhar das preocupações e do pessimismo do
Prof. Moisés - ainda vai piorar muito antes de melhorar. O atual ambiente tem
potencial explosivo e destrutivo na hipótese possível se não improvável de uma
crise econômica.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
QUERO CHEGAR
Quero chegar em tudo ao cerne,
ao mais oculto.
Buscando a rota, no afazer, no
peito em tumulto.
Ao bojo dos dias de outrora,
ao próprio centro,
justo às raízes e às escoras,
medula adentro.
Sempre agarrando toda a série
de sinas, fatos,
sentir, pensar, amar, viver e
fazer achados.
E escreveria, ah, se o lograsse,
sobre os diversos
dons da paixão, de todo ou quase,
em oito versos.
Seus crimes, fugas e caçadas,
seus atropelos
acidentais, mãos espalmadas
e cotovelos.
Deduziria a essência inata
e as suas leis,
diria a inicial de cada
nome outra vez.
Dispondo cantos em canteiros,
com veias tensas,
veria as tílias: o horto inteiro
posto em seqüência.
E verteria, em verso, aromas
de rosa e menta,
prado, flor, feno e quanto assoma
numa tormenta.
Assim Chopin verteu – portento
vivo – seu mundo,
sítios, jazigos, bosques, dentro
de seus estudos.
O jogo e o suplício do afã de
vencer de fato –
a corda retesa e vibrante
do arco dobrado.
Boris Pasternak
Manchei o
mapa quotidiano
jogando-lhe a tinta de um frasco
e mostrei oblíquas num prato
as maçãs do rosto do oceano.
Nas escamas de um peixe de estanho
li lábios novos chamando.
E você? Poderia
algum dia
por seu turno tocar um noturno
louco na flauta dos esgotos?
Vladimir
Maiakovski
Tradução:
Haroldo de Campos
Lençóis de água sob um ventre pando.
Rasgam-se em ondas contra dentes brancos.
Amor. Lascívia. Como o uivo que escorre
das chaminés por gargalos de cobre.
No berço-embocadura barcos presos
aos mamilos de madres de ferro.
À orelha surda dos navios agora
rebrilham brincos de âncora.
Vladimir Maiakovski
Tradução:
Haroldo de Campos
Desatarei a fantasia em cauda de pavão num ciclo de matizes,
entregarei a alma ao poder do enxame das rimas imprevistas.
Ânsia de ouvir de novo como me calarão das colunas das
revistas
esses
que sob a árvore nutriz es-
cavam com seus focinhos as raízes.
Vladimir
Maiakovski
Tradução: Augusto de Campos e Boris Schnaiderman
sábado, 8 de fevereiro de 2014
Ternura
Enquanto nesta atroz demora,
Que me tortura, que me abrasa,
Espero a cobiçada hora
Em que irei ver-te à tua casa;
Por enganar o meu desejo
De inteira e descuidada posse,
Ai de nós! que não antevejo
Uma só vez que ao menos fosse;
Sentindo em minha carne langue
Toda a volúpia do teu sonho,
Toda a ternura do teu sangue,
Minh'alma nestes versos ponho;
Por que os escondas de teu seio
No doce o pequenino vale,
— Por que os envolva o teu enleio,
Por que o teu hálito os embale;
E o meu desejo, que assim foge
Ao pé de ti e te acarinha,
Possa sentir que minha és hoje,
E és para todo o sempre minha...
- Manuel Bandeira, em "A cinza das horas", 1917.
Miscelânea de Opiniões e Sentenças
«Acreditamos que os contos e os
brinquedos são coisas da infância. Como temos vista curta! Como poderíamos
viver, não importa em que idade da vida, sem contos e sem brinquedos? É verdade
que damos outros nomes a tudo isso e que o consideramos de outra forma, mas
essa é precisamente uma prova de que é a mesma coisa, pois a criança, ela
também considera seu brinquedo como um trabalho e o conto como uma verdade. A
brevidade da vida deveria eliminar a separação pedante das idades - como se
cada idade trouxesse algo de novo - e caberia a um poeta nos mostrar um dia o
homem de duzentos anos de idade, que vivesse sem contos e sem brinquedos.
[Friedrich Wilhelm Nietzsche, in “Miscelânea de Opiniões e
Sentenças”]
O conceito do Brasil cordial
Sergio Buarque de Holanda, o pai do Chico, formulou já faz
um tempo o conceito do Brasil cordial. Precisa ser revisto. Deixamos de ser
amistosos. Substituímos o carinho com que tratávamos uns aos outros por leis
bem mais mesquinhas. Venceu a de Gerson: “farinha pouca meu pirão primeiro”.
Lutamos para levar vantagem, passamos por cima de quem estiver no caminho,
quase sempre com pouca ética. E na sanha de ganhar acabamos endurecendo o
coração, perdendo a gentileza, estranhando quem está ao nosso lado. Talvez por
termos tão pouco em todas as áreas. O resultado é uma sociedade assustadora em
muitos sentidos. Violenta, conservadora, incapaz de observar com sensibilidade
qualquer problema. A nossa gente continua não fugindo à luta. Mas tornou-se
belicosa e cruel. Alia-se ao que há de mais reacionário em termos de
pensamento. A merencoria luz da lua entranhou-se nos espíritos. Há uma dura
melancolia nos envolvendo.
Ricardo Ramos Filho
Sono das Águas
Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água.
nos grotões fundos.
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem.
E adormece
até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Ma nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...
- João Guimarães Rosa, em 'Magma'.
Grande Sertão: veredas
"Que era: que a gente carece de fingir às vezes que
raiva tem, mas raiva mesmo nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se
curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa
passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era
falta de soberania, e farta bobice, e fato é."
- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão:
veredas".
Memórias do Cárcere
"Queria endurecer o coração, eliminar o passado, fazer
com ele o que faço quando emendo um período — riscar, engrossar os riscos e
transformá-los em borrões, suprimir todas as letras, não deixar vestígio de
idéias obliteradas."
- Graciliano Ramos, em "Memórias do Cárcere", cap.
5, 1953
O povo Latino-Americano
"Nunca, em nossa história, nos faltaram tanto a lucidez
e a clarividência indispensáveis para equacionar os nossos problemas. Nunca foi
tão escasso o sentido de bem comum, a noção de interesse público, que é o ponto
de vista do povo inteiro. O que nos sobra, nesses tristes dias, são as vozes de
irresponsáveis só sensíveis aos interesses minoritários, às razões do lucro. É
a consciência culposa do colonizado, querendo reinterar o velho projeto do
Brasil servil."
- Darcy Ribeiro, “O povo Latino-Americano”, (p. 22).
Brasília, nº 2, 1991, pp. 15-29.
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
Nombrarte
No el poema de tu ausencia,
sólo un dibujo, una grieta en un muro,
algo en el viento, un sabor amargo.
Alejandra Pizarnik, La extracción de la piedra de la locura. Otros poemas
NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA NA MOLDURA DOS SÉCULOS
NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA
NA MOLDURA DOS SÉCULOS
NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA NA MOLDURA DOS SÉCULOS
SUGO ESPIRAIS DAS NUVENS DE CIGARRO QUE FUMO
SOFRO BAFORADAS-CARAMUJO POR ENTRE VOLUTAS DO UNIVERSO
EU, PEQUENINO GRÃO DE AREIA-POETA, PLASMO RIMA ALITERAÇÃO
METÁFORA OXIMORO VERSO
PASTO PALAVRA: QUINQUILHARIA NINHARIA PALÁCIO DO NENHURES
Ó CASTELO
DE VENTO
PASTEL DE BRISA
MONTE DE GANGA BRUTA
ESTUÁRIO DE BUGINGANGA NONADA
EM CONFRONTO COM MANADAS MIRÍADES D´ESTRELAS ESPOUCADAS
SOBRE OS SETE DIFERENTES MARES QUE SETE ESPELHOS SÃO PARA
ALGUM MAR
ABSOLUTO
(ROMA E BAALBECK E BAGDAD E BABILÔNIA E BABEL SIDERAL)
E É NOSSO AMOR TÃO DIMINUTO
LAMPEJO DE SEGUNDO
RELÂMPAGO DISSOLUTO
FILETE DUM RIO MINÚSCULO
MICROSCÓPIO LEITO
AMOR
.....................................................NOSSO SÉCULO:
BURACO NEGRO SORVEDOURO DE VULTO AROMA LUZ
BAGAÇOS DE ROLHA BOLHA BORRA PORRA PÓ
BEBO VINHO PRECIOSO COM MOSQUITOS DENTRO
MURIÇOCA MARUIM POT
[waly salomão]
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
DESEJO DE SER PELE-VERMELHA
A planície infinita e o céu seu reflexo.
Desejo de ser pele-vermelha.
Às cidades sem ar chega às vezes sem ruído
o relincho de um onagro ou o trotar de um bisonte.
Desejo de ser pele-vermelha.
Sitting Bull está morto: não há tambores
que anunciem sua chegada às Grandes Pradarias.
Desejo
de ser pele-vermelha.
O cavalo-de-ferro cruza agora sem medo
desertos abrasados de silêncio.
Desejo de ser pele-vermelha.
Sitting Bull está morto e não há tambores
para fazê-lo voltar dos reinos das sombras.
Desejo de ser pele-vermelha.
Um último cavaleiro cruzou a infinita
planície, deixou atrás de si vã
poeira, que logo se desfez no vento.
Desejo de ser pele-vermelha.
A Reserva não aninha
serpente cascavel e sim abandono.
DESEJO DE SER PELE-VERMELHA.
(Sitting Bull está morto, os tambores
gritam sem esperar resposta.)
Leopoldo María Panero
traduzido por Joca Reiners Terron
NA FAZENDA NORTE
Algures alguém viaja furiosamente até você,
numa velocidade incrível, viaja dia e noite,
pelas borrascas e desertos, pelas torrentes, pelos
estreitos,
mas vai saber onde te encontrar,
vai te reconhecer quando te vir,
dar o que trouxe pra você?
Quase nada cresce aqui,
mas os celeiros estão repletos de farinha,
as sacas de farinha se empilham até os caibros.
As correntes seguem docemente, peixes na engorda;
aves escurecem o céu. Será que basta
ficar a louça de leite pra fora à noite,
pensarmos nele alguns dias,
alguns dias e sempre, na confusão dos sentimentos?
(John Ashbery em tradução de Guilhrme Gontijo Flores)
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
olho de lince
quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre elétrico
nada que se aproxima nada me é estranho
fulano sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho seja humano
quando quero saber o que ocorre à minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro a porta
experimento invento tudo nunca jamais me iludo
quero crer no que vem por aí beco escuro
me iludo passado presente futuro
urro arre i urro
viro balanço reviro na palma da mão o dado
futuro presente passado
tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo
é fósforo que acende o fogo de minha mais alta razão
e na sequência de diferentes naipes
quem fala de mim tem paixão
[olho de lince | waly salomão]
domingo, 2 de fevereiro de 2014
A Fuga
A criança põe a boneca na mala.
A mãe põe a criança na mala.
O pai põe a mãe e a casa na mala.
O exterior põe o pai com a mala na mala.
E envia tudo de volta.
Escondem-se na floresta:
1 boneca
1 criança
1 mãe
1 pai
1 casa
2 malas
1 fuga.
Poema de Aglaja Veteranyi
Tradução de Fabiana Macchi
Esse homem esqueceu o próprio nome.
O importante, diz ele, é ter um passado. Isto é
fundamental.
Ele bebe chá de uma garrafa térmica vermelha.
A sala de espera está vazia, sempre vazia.
As pessoas não têm tempo para esperar o trem, pensa ele.
Quando criança, certa vez ele escreveu uma redação.
Com uma frase.
Minha meta, escreveu, é o asilo de velhos.
O sem-nome sorri. Ele olha o grande relógio na parede
e pensa em todos os trens que já perdeu hoje.
Minha profissão, diz ele, é ficar aqui sentado neste banco.
Minha profissão é perder trens.
Minha profissão é esquecer o meu nome.
Aglaja Veteranyi
Tradução Fabiana Macchi
Publicado na revista Coyote N. 11, 2005
PRESENTES
Um homem parou na beira de uma mulher e atirou uma pedra
para dentro dela.
4 anos depois a mulher disse: eu amo pedras.
4 anos depois o homem disse: quero minhas pedras de volta.
A mulher deixou-se operar.
O homem embrulhou as pedras em papel de seda vermelho e deu-as
de presente à mulher.
A mulher deu de presente ao homem a conta do hospital.
O homem deu de presente à mulher de 1 a 2 filhos.
Os filhos deram de presente ao casal 1,6 kg de alegria.
O casal, de alegria, pulou da janela.
A repartição de enterros deu de presente aos filhos um
caixão duplo.
Os filhos deram de presente aos seus filhos a história de
seus alegres pais.
Um filho deu ao outro filho uma lágrima.
O filho chorou-se todo e afogou-se no choro.
120 anos depois uma mulher parou na beira de um homem e
atirou uma pedra para dentro dele.
O homem disse: não gosto de pedras.
A mulher tentou com um pedaço de pau.
A felicidade deles tornou-se insuportavelmente bela.
Aglaja Veteranyi
Tradução Fabiana Macchi
(publicado na Sibila - Revista de Poesia e Cultura N. 2,
2002)
O Livro
Ontem Ângela sonhou com seus pais. Não tenham
medo, disse ela, antes de ir, vou cozinhar uma cova
para vocês. Ontem os pais de Ângela morreram. On-
tem Ângela ganhou um filho, e o filho completou on-
tem 59 anos. Ontem Ângela disse:
a pele não sabe quando deve parar de morrer.
Ontem saiu no jornal: Ontem Ângela mor-
reu.
Ontem a filha disse: eu quero um livro cheio de
neve.
Aglaja Veteranyi
Tradução Fabiana Macchi
Publicado na revista Coyote N. 11, 2005
O CONTRATO
Ele a traía sempre às terças-feiras. Ela o traía às quintas.
Certo sábado ele pediu: ponha percevejos no meu arroz.
Ela fez uma comida picante. Acendeu velas azuis. Colocou um
tango.
Eles se abraçaram. Sem sentidos.
E aí veio o sangue.
Na sua boca.
Das suas entranhas.
Ela raramente o achara tão sensual.
No domingo ela pediu: espanque-me.
Ele bateu de cinta no seu rosto. Arrancou-lhe um dedo
com o alicate.
Às 10 em ponto eles apagaram as luzes.
Segunda-feira ambos tinham de levantar cedo.
Aglaja Veteranyi
Tradução Fabiana Macchi
Publicado na revista Coyote N. 11, 2005
A MORTE O AMOR A VIDA
Paul Éluard
Julguei que podia quebrar a profundeza a imensidade
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto cercado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido por amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue
Queria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro nem o orvalho
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos postas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anula
Paul Èluard
algumas palavras (antologia)
tradução antónio ramos rosa e luiza neto jorge
dom quixote
1977
Mandarim
"Ideias exatas, expressas numa forma sóbria, não nos
interessam: o que nos encanta são emoções excessivas traduzidas com um grande
fausto plástico de linguagem.
Espíritos assim formados devem sentir necessariamente um
distanciamento por tudo o que é realidade, análise, experimento, certeza objetiva.
O que os atrai é a fantasia, sob todas as formas, desde a canção até a
caricatura; também em arte, somos sobretudo, líricos e satíricos. Ou ficamos
com os olhos voltados em direção às estrelas, deixando nossos corações
murmurar; ou, se lançamos um olhar para o mundo que nos rodeia, é para rir dele
com amargura. Somos homens de emoções e não de raciocício."
(Eça de Queirós, em carta que seria prefácio do Mandarim,
1884)
sábado, 1 de fevereiro de 2014
ENSAIO DE CIÚME
Como vai indo com a outra?
Tão fácil, não? — basta um impulso
no remo — com a orla, a minha
imagem se borra, se afasta,
vira ilha flutuante (no céu,
— na água, não!).
Alma e alma,
irmãs, sim — mas, amantes, não!
Uma é destino; outra — sem fim!
Que tal viver com tal pessoa
comum — vida sem divindades?
Jogou do trono-olimpo a deusa-
rainha, abdicou — e a coroa
de sua vida, como fica?
Ao despertar, como pagar
o preço de imortal banal-
idade — como? Menos rica?
“Chega de susto e suspeita!
Quero um lar!.” Mas... e a vida
só — com uma mulher qualquer —
Você — eleito de uma eleita?
Ah... e a comida? Apetitosa?
Você se queixa quando enjoa?
Depois do topo do Sinai,
ir conviver com uma à-toa
da parte baixa da cidade,
uma coitada? Gostou da anca?
O açoite-vergonha de Zeus
ainda não vincou-lhe a estampa?
Entre viver e ser, dá para
contar? E como encara
o caro amigo a cicatriz
da consciência-meretriz?
Viver com uma boneca de gesso
— de feira!? Você me acha cara?
Depois de um busto de Carrara,
um susto de papier-mâché?
(O deus que eu escavei de um bloco
só me deixou os ocos.) Enleva
viver com uma igual a mil,
quem já teve a Lilit primeva?
Não lhe matou a fome a boa
bisca, que atendeu aos pedidos?
Como viver com a simplória,
que só possui cinco sentidos?
Enfim, por fim... você é feliz,
no sem-fundo dessa mulher?
Pior, melhor, igual a mim,
nos braços de um outro qualquer?
Marina Tsvetaieva
Tradução: Décio Pignatari
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