Para a posteridade, a enorme produção de Benjamin significou o estabelecimento de um marco no pensamento e na crítica
Olhando retrospectivamente para o século 20, podemos dizer que Walter Benjamin (1892-1940) de fato realizou um de seus projetos pessoais mais arrojados. Como ele formulou em uma carta a seu grande amigo Gershom Scholem, de janeiro de 1930, ele achava que conseguira o objetivo de “ser considerado como o primeiro crítico da literatura alemã”. Este reconhecimento na época era na verdade muito tímido, restrito a um pequeno círculo de leitores especializados. Hoje este círculo cresceu a ponto de podermos com razão falar de um “reconhecimento” de sua posição privilegiada como crítico.
Benjamin estava ciente, como ele escreveu na mesma carta, que para tornar-se este “primeiro crítico” era necessário “recriar a crítica como gênero”. Este gênero encontrava-se então na Alemanha desprezado, não era considerado como sério. No mesmo ano, Benjamin diagnosticava que uma das causas que havia levado a crítica alemã à crise naquela época, era a “ditadura da resenha como forma de pesquisa crítica”. Ele mencionou então, como um contra-modelo do passado, as “Características” dos irmãos Schlegel. Como um dos caminhos para a saída da crise da crítica, ele cobrava dos críticos uma aproximação entre a abordagem filológica e uma autêntica reflexão crítica. Este termo indicava para ele uma reflexão tanto no sentido de uma teoria das formas, como de uma teoria da história.
Sem falsa-modéstia ele escreveu então que se a situação da crítica alemã estava se transformando, isto ocorria em parte devido aos seus enormes esforços. E, de fato, Benjamin então, com 38 anos, já fizera bastante para o aprimoramento da crítica. Ele não apenas publicara dois ensaios de peso sobre a literatura alemã, seu “O conceito de crítica de arte no romantismo alemão” (1919) e o “Origem do drama barroco alemão” (de 1925, publicado em 1928), como compusera uma profunda análise das Afinidades eletivas de Goethe (1922), além de mais de cerca de uma centena de artigos de crítica, sobretudo sobre literatura alemã e francesa. Com o fracasso de seu plano de entrar para a universidade, ele se entregara de corpo e alma a este projeto de crítica. Isto significou para ele uma vida atribulada, com enormes dificuldades econômicas. Para a posteridade, a sua enorme produção, paradoxalmente derivada desta mesma situação precária, significou o estabelecimento de um marco no pensamento e na crítica.
Esta última, em Benjamin, nunca foi limitada à literatura ou às obras de arte consagradas. Ele entendeu em primeiro lugar o conceito de crítica no seu sentido kantiano, de crítica da possibilidade de conhecimento. Neste ponto seu pensamento já se aproxima do dos românticos Schlegel e Novalis que cobravam da filosofia kantiana uma expansão do seu conceito de experiência. Com estes autores ele via na crítica um medium-dereflexão.
Trocando em miúdos, assim como os românticos viam na “romantização” do mundo um projeto de superação das barreiras entre o universo criativo e penetrado de fantasia das artes, e, por outro lado, a vida prosaica cotidiana, do mesmo modo, Benjamin propõe para a crítica um projeto tanto estético quanto político. O ato da crítica era visto por ele como um meio de crítica de todo o sistema cultural e de sua base econômica. A partir de seu encontro com o marxismo de Lukács, isto tornou-se cada vez mais patente em seus ensaios e textos de crítica de arte. Aliás, se ele se identifi cou tão rapidamente com o marxismo de Lukács, foi também porque ambos, este e Benjamin, vinham de uma profunda relação com o romantismo alemão. Mas Benjamin foi mais longe que seus colegas de geração, justamente porque ao invés de “superar” seu romantismo, manteve-se fiel a ele por toda sua vida. Se ele tenta nos anos de 1930 demarcar uma posição contra este seu romantismo, é justamente porque ele não conseguiu superá-lo totalmente.
A crítica de Benjamin era, portanto, antes de mais nada, um ato de reflexão que se desdobrava em cinco níveis, articulando-os. O primeiro nível incluía uma auto-reflexão (ele sempre refletia sobre sua própria atividade de crítico, sobre o local e o papel da crítica na sociedade). Em segundo lugar, destaca-se uma leitura detalhada e uma refl exão sobre a obra criticada (que era sempre analisada não a partir de um modelo a-histórico, mas sim de seu próprio Ideal a priori, nas palavras de Novalis). Em terceiro lugar, encontramos uma refl exão sobre a história da arte e da literatura, na qual Benjamin, dentro de uma forte tradição alemã, desenvolveu muitas vezes (como no livro Sobre o barroco e no seu ensaio sobre o narrador, de 1936) o tema da teoria dos gêneros literários. Em quarto lugar, nota-se sempre uma refl exão crítica sobre a sociedade, ou seja, a crítica foi praticada em Benjamin a partir do seu presente e voltada para ele, sem a ilusão positivista de se poder penetrar no passado “tal como ele aconteceu”. Por fim, e articulando todos os níveis anteriores, devemos destacar a teoria da história de Benjamin com a sua crítica aos modelos da evolução histórica, tanto liberais como marxistas, que acreditavam em um avanço constante e positivo do devir da história. Benjamin opôs a este modelo uma imagem da história como acúmulo de catástrofes.
Contra o positivismo daqueles que pregavam (inocentemente ou não) uma crítica apolítica, Benjamin demonstrou que não existe um campo fora do político. A arte e sua crítica são medium-de-refl exão não apenas do sistema estético, mas, antes, de toda a sociedade. Neste sentido, ele extrapolou programaticamente o âmbito da crítica da literatura e da arte. Sua atividade crítica não pode ser inteiramente compreendida, se não levarmos em conta seus seminais textos críticos dirigidos à questão do poder e do direito (lembremos sobretudo de seu “Crítica da violência, crítica do poder”, de 1921, que infl uenciou Carl Schmitt), assim como a sua crítica do que ele denominou de concepção “burguesa”, ou seja, instrumental, da linguagem (recordemos seu “A tarefa do tradutor”, também de 1921, e do artigo de juventude “Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem dos homens”, de 1916). Além disso, Benjamin refl etiu também em vários importantes ensaios críticos sobre questões como a (atualíssima) da coleção e do colecionismo (vejam seus trabalhos sobre Eduard Fuchs, de 1937, assim como seus textos sobre coleção de brinquedos e de livros). Seus escritos voltados para a recordação de sua infância (Crônica berlinense e Infância em Berlim) são profundamente inovadores, na medida em que desconstroem criticamente os modelos da autobiografi a e introduzem uma modalidade da auto-escritura mais fragmentada e voltada para uma “topografi a da memória”.
O fundamental dentro do universo das críticas de Benjamin, quando ele voltava seu potente intelecto para as obras que eram publicadas na sua época (como as de Proust, Kafka, Döblin, Kraus, Brecht etc.), ou para reedições de obras consagradas ou não (de Goethe, Kleist, Hebel etc.) é que ele sempre realizou uma crítica que era, ao mesmo tempo, teoria da literatura. É este talvez o legado mais importante de sua produção crítica: ele mostrou a infecundidade da crítica apenas fi lológica, assim como a limitação da crítica meramente imanente, ou ainda, da crítica biográfi ca. Crítica para ele só existia enquanto capacidade de se articular (delicadamente, ou às vezes, como todo o peso histórico exigido por seu objeto de análise), a imanência da obra com a refl exão histórico-crítica. As mostras mais eloqüentes desta concepção são a introdução “crítico-epistemológica” do seu livro sobre o drama barroco alemão, e as refl exões que acompanham as notas de seu trabalho que fi cou inconcluso sobre as passagens de Paris.
Benjamin escreveu no seu último texto, dedicado à crítica da noção de progresso, que “nunca existiu um documento da cultura que não fosse ao mesmo tempo um [documento] da barbárie”. É interessante ler a tradução do próprio Benjamin dessa famosa passagem das suas teses “Sobre o conceito da História”: Tout cela [l’héritage culturel] ne témoigne [pas] de la culture sans témoigner, en même temps, de la barbarie. Com Benjamin aprendemos que cultura é a partir de meados do século 20 toda ela como que transformada em um documento e, mais ainda, ela passa a ser lida como testemunho da barbárie. Esta noção é essencial, porque com este autor vemos não apenas uma tremenda expansão nos critérios de seleção, como também a afi rmação radical de um modo de interpretar esses documentos. Sua teoria da história e da cultura descortina o passado e suas ruínas, sobre as quais construímos nosso presente, como um único e gigantesco arquivo. Quando se fala de arquivo, não se pode esquecer que a toda inscrição deve-se associar um modo de leitura e de interpretação, de outro modo teríamos um arquivo literalmente morto. O elemento político domina todos os momentos do trabalho no arquivo, da seleção, passando pela conservação e pelo acesso, chegando à leitura dos documentos. A história para Benjamin, como é conhecida, é aproximada do modelo do colecionador e do Lumpensamler, o catador de papéis. O historiador deve acumular os documentos que são como que apresentados diante do tribunal da história. Em Benjamin, a cultura como arquivo e memória, devido ao viés crítico e revolucionário de seu modo de leitura, não deixa a sociedade e sua história se cristalizarem em museus e parques temáticos. É o viés conservador da cultura como mercadoria que o faz, ao qual Benjamin opõe sua visada da cultura como documento e testemunho da barbárie. Seu projeto de historiografi a calcada no colecionismo (que tem por princípio o arrancar de seus objetos do falso contexto para inseri-los dentro de uma nova ordem comandada pelos interesses de cada presente) e, por outro lado, inspirado no trabalho do catador (que se volta para o esquecido e considerado inútil) ainda hoje pode ser comparado a um pólen que guarda uma assombrosa força de germinação.
Márcio Seligmann-Silva
é doutor pela Universidade Livre de Berlim, pós-doutor por Yale e professor de Teoria Literária na UNICAMP. Entre outros, é autor dos livros Ler o livro do mundo e Walter Benjamin: romantismo e crítica poética (Iluminuras, 1999), Adorno (PubliFolha, 2003) e O local da diferença (Editora 34, 2005); traduziu de Walter Benjamin O conceito de crítica de arte no romantismo alemão, Iluminuras, 1993
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Sexualidade, corpo e desejo em Walter Benjamin
A relação mãe-menino-prostituta reata as ligações entre a “civilização” e a Vorwelt
Os temas do corpo, do amor, do erotismo, das relações de gênero e do papel das prostitutas, na obra de Benjamin, já suscitaram alguns estudos1. São temas que, de fato, percorrem sua obra desde os primeiros escritos, quando o Benjamin ainda estudante e militante em uma das facções (a mais radical, dizia-se!) do Movimento de Juventude, defendia a necessidade de uma “cultura erótica” e a afirmação de uma “eticidade da prostituta”. Para Sigrid Weigel haveria três diferentes momentos – que se aproximam, articulando-se, mas também que se distanciam – na obra de Benjamin a respeito dessa questão: o inicial, na juventude, sob o signo da dualidade entre criação e procriação, na qual a prostituta, por recusar-se ao “destino” da mulher como esposa e mãe, destrói a “fachada” das belas construções burguesas; um segundo momento, no qual ele situa os relatos da Infância berlinense, onde a prostituta, em contraste com a figura da mãe, abre o caminho para a constituição de um saber sobre o Outro, em especial sobre o próprio corpo (esse Outro que nos é o mais próximo!) e um terceiro momento, no qual esse saber sobre si mesmo, mediado pela prostituta, se alarga em direção à cultura, tal como nos mostra um dos cadernos do Trabalho das passagens.
Em um dos relatos que compõem a Infância berlinense por volta de 1900, intitulado “Mendigos e prostitutas”, Benjamin nos conta seus passeios na cidade, com a mãe e, ao mesmo tempo, sua resistência ao poder materno, andando sempre alguns passos atrás dela. Assim ele podia experimentar sua fascinação pelas prostitutas com quem cruzava eventualmente no caminho. A cidade, “labiríntica”, abria suas portas ao “impulso sexual” e esta irrupção do desejo se contrapunha à Bildung que moldava a subjetividade do menino burguês. Desse modo, a irresistível atração para dirigir-se a uma prostituta, na rua, parecia-lhe um ato de abjuração: contra a própria mãe e a classe social à qual ambos pertenciam.
Retomo aqui os relatos da Infância berlinense relativos ao tema da sexualidade e do corpo – além de “Mendigos e prostitutas”, “O despertar do sexo” e “Notícia de uma morte” – para reler a tríade mãe-menino-prostituta, a partir da obra do jurista suíço e estudioso da antiguidade clássica, Johann Jakob Bachofen. Desde o início de sua imigração para a França, em 1933, Bachofen fora objeto de intensa leitura por parte de Benjamin, que escreveu, em 1934, um artigo de apresentação da obra de Bachofen ao público francês, em princípio a pedido da Nouvelle Revue Française, mas que nunca foi publicado. No texto2, ele procede rigorosamente de acordo com seu “método” de leitura, onde não apenas lê a obra a ser interpretada, mas também o que foi feito dela, as suas diferentes apropriações, que demarcam sua “atualidade”. E é o destino de O matriarcado, a obraprima de Bachofen, como o próprio Benjamin afirma, que está em jogo nesse artigo.
Nessa obra, Bachofen estuda a transformação do matriarcado primitivo no regime patriarcal e monogâmico. A partir de sua pesquisa, conclui pela existência de uma organização familiar diferente daquela que reina no Ocidente desde a antiguidade clássica. As instituições “superiores” de nossa cultura tais como a moral, o direito e o casamento monogâmico têm suas raízes em uma pré-história sombria e violenta, em um mundo primitivo, um “mundo antes do mundo”, uma Vorwelt . O ponto de partida de Bachofen é, em princípio, bastante “feminista”: as crises mais profundas e mais desconhecidas da civilização dizem respeito aos períodos de transformação da condição da mulher. Entretanto, retomando as idéias “evolutivas”, tão comuns à época, ele vai mostrar que entre o estado primitivo, de desordem e promiscuidade impostas pela brutalidade masculina, uma promiscuidade geral que deixa suas marcas na “constituição hetaírica” – de Hetaira, o nome grego para as “cortesãs” – e a forma final da evolução, a sociedade patriarcal, houve um regime diferente, curioso, que ele denominou de Mutterrecht, literalmente, um regime dominado pelo “direito da mãe”: aqui, a mãe transmite seu nome, seu direito e sua propriedade, decide acerca da condição das crianças e, como uma rainha, exerce a soberania, chegando, inclusive, a excluir os homens das guerras, formando exércitos sanguinários e cruéis e fundando uma verdadeira “ginecocracia”. Mas, se o ponto de partida é “feminista”, a conclusão de Bachofen não é: esse regime, o do “direito da mãe” é, de algum modo, contra a natureza e, a ele, deve-se seguir a verdadeira ordem, a ordem patriarcal, que estabelece, no estado normal, o domínio do nous, da “inteligência”, e no direito, a predominância do pai.
Lendo o artigo de Carl Bernoulli sobre Bachofen, Benjamin retoma a idéia, “particularmente feliz”, diz ele, de que reina um “claro-escuro” nas pesquisas de Bachofen. Essa expressão torna-se uma espécie de “fio de Ariadne”, por meio do qual podemos movimentar-nos, com alguma segurança, no interior desse texto de Benjamin. “Claro-escuro” define uma zona intermediária, um “lusco-fusco”, um estado de transição, uma “passagem” ou ainda um “limiar” (Schwelle), conceito-chave nos últimos textos de Benjamin. A própria obra de Bachofen está em um “limiar”, entre o declínio do romantismo e os primeiros movimentos do positivismo. Mas esse “claroescuro”, continua Benjamin, é muito mais aquele que reina na caverna platônica, pois, dependendo da perspectiva, pode dirigir o leitor aos contornos ainda mal definidos das idéias ou fazê-lo naufragar, de vez, nas sombras enganosas. Daí a importância do estudo da “recepção” de Bachofen, para enfatizar também sua apropriação pela esquerda – as de Engels, Paul Lafargue e Elisée Reclus – aliada na luta contra as leituras “místicas” de um Alfred Schuler ou as “nazistas”, de um Alfred Bäumler – mas sem cair na armadilha de ler a Vorwelt de Bachofen como uma imagem idílica do “comunismo primitivo”.
Em meio às leituras “místicas”, “esotéricas”, Benjamin destaca, entretanto, a de um velho conhecido, Ludwig Klages, que, segundo ele, utiliza Bachofen como este jamais sonhou. No Eros cosmogônico, Klages transforma a Vorwelt, em um mundo “citônico”, dominado por forças infernais. Caídas no esquecimento, essas forças retornam por meio das “substâncias míticas” e constituem, para Klages, as Urbilder, as “imagens originárias” do mundo: “as imagens originárias são – escreve Benjamin – a aparição das almas do passado”.
A prostituta que se oferece, na rua, aos olhos desejosos do menino, aparecerá no Trabalho das passagens, como uma dessas Urbilder, na concisa defi nição de Benjamin – “a prostituta é a guardiã daquilo que passou” – que nos lembra um tempo anterior aos imperativos de qualquer ordem, seja o da mãe, seja o do pai. O menino, dividido entre a prostituta e a mãe, atualiza a força dessas “imagens originárias”, em uma espécie de vertigem, em que o retorno do recalcado se faz à custa de um estado de auto-esquecimento, em uma embriaguez que suspende a eficácia das normas (em Bachofen já encontramos a distinção entre apolíneo e dionisíaco, da qual Nietzsche se utilizará). Em “O despertar do sexo”, o menino, que deveria encontrar sua mãe na sinagoga para a comemoração do Ano Novo judaico, “esquece” de seu compromisso para entregar-se, pela primeira vez, à experiência sexual, com uma prostituta. Em “Notícia de uma morte” descobre, muitos anos depois, que sua atração pelas prostitutas poderia levá-lo à morte, pela sífilis. Em “Mendigos e prostitutas”, ele é derrotado na sua luta contra o desejo proibido e, como um ladrão ou um marginal, retorna sozinho às ruas, à noite. Os resíduos desse “mundo primitivo” – que serão decisivos na interpretação que Benjamin fez de Kafka – continuam agindo permanentemente em meio à “civilização”.
A relação mãe-menino-prostituta reata, assim, as ligações conflituosas entre a “civilização” e a Vorwelt. O poder da mãe, judia e burguesa, desafia algumas normas importantes, pois enquanto o pai, ortodoxo, cumpre os ritos religiosos tradicionais, a mãe, liberal, freqüenta a sinagoga reformada. A presença da mãe, intensa e freqüente em Infância berlinense, nos lembra o “direito da mãe”, enquanto o da prostituta, o “estado hetaírico”, de “limiar”. Não por acaso, os lugares preferidos das prostitutas, na cidade, são emblemas do “limiar”: portas, esquinas, calçadas, passagens, shoppings-centers. A Vorwelt, perigosa, fascinante, embriagadora, nos acena por meio da prostituta, com a transitoriedade, a fugacidade, com cortes, cesuras e descontinuidades, nas quais sedução e perigo, vida e morte se encontram e se entrecruzam. Desse confronto entre as “ondas do desejo” (a metáfora é de Benjamin em “O despertar do sexo”), o sujeito só pode subsistir definitivamente cindido e fraturado, após um embate, como nos lembra “Mendigos e prostitutas”, do qual não se sai “com as mãos limpas”.
Ernani Chaves
é professor do Departamento de Filosofi a da Universidade Federal do Pará. Autor de No limiar do moderno: Estudos sobre Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin. Belém, Paka-Tatu, 2003
NOTAS
(1) Ver em especial, Sigrid Weigel. Entstellte Ähnlichkeit. Walter Benjamins theoretische Schreibweise. Frankfurt: Fischer, 1997.
(2) BENJAMIN, Walter. “Johann Jakob Bachofen”, in Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1992, Volume II-1, p. 219-233.
Os temas do corpo, do amor, do erotismo, das relações de gênero e do papel das prostitutas, na obra de Benjamin, já suscitaram alguns estudos1. São temas que, de fato, percorrem sua obra desde os primeiros escritos, quando o Benjamin ainda estudante e militante em uma das facções (a mais radical, dizia-se!) do Movimento de Juventude, defendia a necessidade de uma “cultura erótica” e a afirmação de uma “eticidade da prostituta”. Para Sigrid Weigel haveria três diferentes momentos – que se aproximam, articulando-se, mas também que se distanciam – na obra de Benjamin a respeito dessa questão: o inicial, na juventude, sob o signo da dualidade entre criação e procriação, na qual a prostituta, por recusar-se ao “destino” da mulher como esposa e mãe, destrói a “fachada” das belas construções burguesas; um segundo momento, no qual ele situa os relatos da Infância berlinense, onde a prostituta, em contraste com a figura da mãe, abre o caminho para a constituição de um saber sobre o Outro, em especial sobre o próprio corpo (esse Outro que nos é o mais próximo!) e um terceiro momento, no qual esse saber sobre si mesmo, mediado pela prostituta, se alarga em direção à cultura, tal como nos mostra um dos cadernos do Trabalho das passagens.
Em um dos relatos que compõem a Infância berlinense por volta de 1900, intitulado “Mendigos e prostitutas”, Benjamin nos conta seus passeios na cidade, com a mãe e, ao mesmo tempo, sua resistência ao poder materno, andando sempre alguns passos atrás dela. Assim ele podia experimentar sua fascinação pelas prostitutas com quem cruzava eventualmente no caminho. A cidade, “labiríntica”, abria suas portas ao “impulso sexual” e esta irrupção do desejo se contrapunha à Bildung que moldava a subjetividade do menino burguês. Desse modo, a irresistível atração para dirigir-se a uma prostituta, na rua, parecia-lhe um ato de abjuração: contra a própria mãe e a classe social à qual ambos pertenciam.
Retomo aqui os relatos da Infância berlinense relativos ao tema da sexualidade e do corpo – além de “Mendigos e prostitutas”, “O despertar do sexo” e “Notícia de uma morte” – para reler a tríade mãe-menino-prostituta, a partir da obra do jurista suíço e estudioso da antiguidade clássica, Johann Jakob Bachofen. Desde o início de sua imigração para a França, em 1933, Bachofen fora objeto de intensa leitura por parte de Benjamin, que escreveu, em 1934, um artigo de apresentação da obra de Bachofen ao público francês, em princípio a pedido da Nouvelle Revue Française, mas que nunca foi publicado. No texto2, ele procede rigorosamente de acordo com seu “método” de leitura, onde não apenas lê a obra a ser interpretada, mas também o que foi feito dela, as suas diferentes apropriações, que demarcam sua “atualidade”. E é o destino de O matriarcado, a obraprima de Bachofen, como o próprio Benjamin afirma, que está em jogo nesse artigo.
Nessa obra, Bachofen estuda a transformação do matriarcado primitivo no regime patriarcal e monogâmico. A partir de sua pesquisa, conclui pela existência de uma organização familiar diferente daquela que reina no Ocidente desde a antiguidade clássica. As instituições “superiores” de nossa cultura tais como a moral, o direito e o casamento monogâmico têm suas raízes em uma pré-história sombria e violenta, em um mundo primitivo, um “mundo antes do mundo”, uma Vorwelt . O ponto de partida de Bachofen é, em princípio, bastante “feminista”: as crises mais profundas e mais desconhecidas da civilização dizem respeito aos períodos de transformação da condição da mulher. Entretanto, retomando as idéias “evolutivas”, tão comuns à época, ele vai mostrar que entre o estado primitivo, de desordem e promiscuidade impostas pela brutalidade masculina, uma promiscuidade geral que deixa suas marcas na “constituição hetaírica” – de Hetaira, o nome grego para as “cortesãs” – e a forma final da evolução, a sociedade patriarcal, houve um regime diferente, curioso, que ele denominou de Mutterrecht, literalmente, um regime dominado pelo “direito da mãe”: aqui, a mãe transmite seu nome, seu direito e sua propriedade, decide acerca da condição das crianças e, como uma rainha, exerce a soberania, chegando, inclusive, a excluir os homens das guerras, formando exércitos sanguinários e cruéis e fundando uma verdadeira “ginecocracia”. Mas, se o ponto de partida é “feminista”, a conclusão de Bachofen não é: esse regime, o do “direito da mãe” é, de algum modo, contra a natureza e, a ele, deve-se seguir a verdadeira ordem, a ordem patriarcal, que estabelece, no estado normal, o domínio do nous, da “inteligência”, e no direito, a predominância do pai.
Lendo o artigo de Carl Bernoulli sobre Bachofen, Benjamin retoma a idéia, “particularmente feliz”, diz ele, de que reina um “claro-escuro” nas pesquisas de Bachofen. Essa expressão torna-se uma espécie de “fio de Ariadne”, por meio do qual podemos movimentar-nos, com alguma segurança, no interior desse texto de Benjamin. “Claro-escuro” define uma zona intermediária, um “lusco-fusco”, um estado de transição, uma “passagem” ou ainda um “limiar” (Schwelle), conceito-chave nos últimos textos de Benjamin. A própria obra de Bachofen está em um “limiar”, entre o declínio do romantismo e os primeiros movimentos do positivismo. Mas esse “claroescuro”, continua Benjamin, é muito mais aquele que reina na caverna platônica, pois, dependendo da perspectiva, pode dirigir o leitor aos contornos ainda mal definidos das idéias ou fazê-lo naufragar, de vez, nas sombras enganosas. Daí a importância do estudo da “recepção” de Bachofen, para enfatizar também sua apropriação pela esquerda – as de Engels, Paul Lafargue e Elisée Reclus – aliada na luta contra as leituras “místicas” de um Alfred Schuler ou as “nazistas”, de um Alfred Bäumler – mas sem cair na armadilha de ler a Vorwelt de Bachofen como uma imagem idílica do “comunismo primitivo”.
Em meio às leituras “místicas”, “esotéricas”, Benjamin destaca, entretanto, a de um velho conhecido, Ludwig Klages, que, segundo ele, utiliza Bachofen como este jamais sonhou. No Eros cosmogônico, Klages transforma a Vorwelt, em um mundo “citônico”, dominado por forças infernais. Caídas no esquecimento, essas forças retornam por meio das “substâncias míticas” e constituem, para Klages, as Urbilder, as “imagens originárias” do mundo: “as imagens originárias são – escreve Benjamin – a aparição das almas do passado”.
A prostituta que se oferece, na rua, aos olhos desejosos do menino, aparecerá no Trabalho das passagens, como uma dessas Urbilder, na concisa defi nição de Benjamin – “a prostituta é a guardiã daquilo que passou” – que nos lembra um tempo anterior aos imperativos de qualquer ordem, seja o da mãe, seja o do pai. O menino, dividido entre a prostituta e a mãe, atualiza a força dessas “imagens originárias”, em uma espécie de vertigem, em que o retorno do recalcado se faz à custa de um estado de auto-esquecimento, em uma embriaguez que suspende a eficácia das normas (em Bachofen já encontramos a distinção entre apolíneo e dionisíaco, da qual Nietzsche se utilizará). Em “O despertar do sexo”, o menino, que deveria encontrar sua mãe na sinagoga para a comemoração do Ano Novo judaico, “esquece” de seu compromisso para entregar-se, pela primeira vez, à experiência sexual, com uma prostituta. Em “Notícia de uma morte” descobre, muitos anos depois, que sua atração pelas prostitutas poderia levá-lo à morte, pela sífilis. Em “Mendigos e prostitutas”, ele é derrotado na sua luta contra o desejo proibido e, como um ladrão ou um marginal, retorna sozinho às ruas, à noite. Os resíduos desse “mundo primitivo” – que serão decisivos na interpretação que Benjamin fez de Kafka – continuam agindo permanentemente em meio à “civilização”.
A relação mãe-menino-prostituta reata, assim, as ligações conflituosas entre a “civilização” e a Vorwelt. O poder da mãe, judia e burguesa, desafia algumas normas importantes, pois enquanto o pai, ortodoxo, cumpre os ritos religiosos tradicionais, a mãe, liberal, freqüenta a sinagoga reformada. A presença da mãe, intensa e freqüente em Infância berlinense, nos lembra o “direito da mãe”, enquanto o da prostituta, o “estado hetaírico”, de “limiar”. Não por acaso, os lugares preferidos das prostitutas, na cidade, são emblemas do “limiar”: portas, esquinas, calçadas, passagens, shoppings-centers. A Vorwelt, perigosa, fascinante, embriagadora, nos acena por meio da prostituta, com a transitoriedade, a fugacidade, com cortes, cesuras e descontinuidades, nas quais sedução e perigo, vida e morte se encontram e se entrecruzam. Desse confronto entre as “ondas do desejo” (a metáfora é de Benjamin em “O despertar do sexo”), o sujeito só pode subsistir definitivamente cindido e fraturado, após um embate, como nos lembra “Mendigos e prostitutas”, do qual não se sai “com as mãos limpas”.
Ernani Chaves
é professor do Departamento de Filosofi a da Universidade Federal do Pará. Autor de No limiar do moderno: Estudos sobre Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin. Belém, Paka-Tatu, 2003
NOTAS
(1) Ver em especial, Sigrid Weigel. Entstellte Ähnlichkeit. Walter Benjamins theoretische Schreibweise. Frankfurt: Fischer, 1997.
(2) BENJAMIN, Walter. “Johann Jakob Bachofen”, in Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1992, Volume II-1, p. 219-233.
domingo, 26 de setembro de 2010
sábado, 25 de setembro de 2010
Noite
De noite só quero vestido
o tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos
Sobre os seios quero
a marca
do sinal dos teus dentes
e a vergasta dos teus
lábios
a doer-me sobre o ventre
Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais
ardente
e da saliva o chicote
da tua língua dormente.
Maria Teresa Horta
o tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos
Sobre os seios quero
a marca
do sinal dos teus dentes
e a vergasta dos teus
lábios
a doer-me sobre o ventre
Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais
ardente
e da saliva o chicote
da tua língua dormente.
Maria Teresa Horta
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
O corpo, dois corpos
o corpo da poesia
Os ombros
os seios
o ventre que sequestra
entre as pernas fechadas
a vagina
com a sua longa boca entreaberta
Pensar do corpo
o corpo da poesia
Mais os dedos do que as mãos
sobre as arestas
Mais as fendas do que o liso
Mais a ruga
Mais a ruga das coxas
e das pernas
Depois vêm os dentes e a língua
a descer no trilho brando do umbigo
bebendo o sal do suor da pele
e o fermento de um doce que não digo
Escrever do corpo
o corpo da poesia
Os pulsos tão febris
a nuca
e a garganta
O silêncio de uns olhos
que por certo queriam
ver bem mais longe do que o pubis
deixa
Maria Teresa Horta
Os ombros
os seios
o ventre que sequestra
entre as pernas fechadas
a vagina
com a sua longa boca entreaberta
Pensar do corpo
o corpo da poesia
Mais os dedos do que as mãos
sobre as arestas
Mais as fendas do que o liso
Mais a ruga
Mais a ruga das coxas
e das pernas
Depois vêm os dentes e a língua
a descer no trilho brando do umbigo
bebendo o sal do suor da pele
e o fermento de um doce que não digo
Escrever do corpo
o corpo da poesia
Os pulsos tão febris
a nuca
e a garganta
O silêncio de uns olhos
que por certo queriam
ver bem mais longe do que o pubis
deixa
Maria Teresa Horta
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Amor imperfeito
A perfeição
é um momento,
por demais claro.
Como repeti-la,
sem enfaro?
A perfeição,
se possuída
a todo instante
se faz rainha
suicida.
Quem já mediu
o perfeito,
rosa de prata,
mas em sua
medida exata?
Nada existe
sem o defeito
que lhe dá graça.
Só amo a graça
do imperfeito.
O perfeito
quando existe
tem o defeito
de ser triste.
(Lácrima Cristi)
Cassiano Ricardo
é um momento,
por demais claro.
Como repeti-la,
sem enfaro?
A perfeição,
se possuída
a todo instante
se faz rainha
suicida.
Quem já mediu
o perfeito,
rosa de prata,
mas em sua
medida exata?
Nada existe
sem o defeito
que lhe dá graça.
Só amo a graça
do imperfeito.
O perfeito
quando existe
tem o defeito
de ser triste.
(Lácrima Cristi)
Cassiano Ricardo
Una furtiva lagrima
Una furtiva lagrima
Negli occhi suoi spunto:
Quelle festose giovani
Invidiar sembro.
Che piu cercando io vo?
Che piu cercando io vo?
M’ama! Sì, m’ama, lo vedo, lo vedo.
Un solo instante i palpiti
Del suo bel cor sentir!
I miei sospir, confondere
Per poco a’ suoi sospir!
I palpiti, i palpiti sentir,
Confondere i miei coi suoi sospir
Cielo, si puo morir!
Di piu non chiedo, non chiedo.
Ah! Cielo, si puo, si puo morir,
Di piu non chiedo, non chiedo.
Si puo morir, si puo morir d’amor.
Negli occhi suoi spunto:
Quelle festose giovani
Invidiar sembro.
Che piu cercando io vo?
Che piu cercando io vo?
M’ama! Sì, m’ama, lo vedo, lo vedo.
Un solo instante i palpiti
Del suo bel cor sentir!
I miei sospir, confondere
Per poco a’ suoi sospir!
I palpiti, i palpiti sentir,
Confondere i miei coi suoi sospir
Cielo, si puo morir!
Di piu non chiedo, non chiedo.
Ah! Cielo, si puo, si puo morir,
Di piu non chiedo, non chiedo.
Si puo morir, si puo morir d’amor.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Seus olhos
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, de vivo luzir,
estrelas incertas, que as águas dormentes do mar vão ferir;
seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, têm meiga expressão,
mais doce que a brisa, – mais doce que a frauta quebrando a soidão.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, de vivo luzir,
são meigos infantes, gentis, engraçados brincando a sorrir.
São meigos infantes, brincando, saltando em jogo infantil,
inquietos, travessos; – causando tormento,
com beijos nos pagam a dor de um momento, com modo gentil.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, assim é que são;
às vezes luzindo, serenos, tranquilos, às vezes vulcão!
Ás vezes, oh! sim, derramam tão fraco, tão frouxo brilhar,
que a mim me parece que o ar lhes falece,
e os olhos tão meigos, que o pranto umedece, me fazem chorar.
Assim lindo infante, que dorme tranquilo, desperta a chorar;
e mudo e sisudo, cismando mil coisas, não pensa – a pensar.
Nas almas tão puras da virgem, do infante, às vezes do céu
cai doce harmonia duma harpa celeste,
um vago desejo; e a mente se veste de pranto co’um véu.
Que sejam saudades, que sejam desejos da pátria melhor;
eu amo seus olhos que choram sem causa um pranto sem dor.
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros, de vivo fulgor;
seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
que falam de amores com tanta poesia, com tanto pudor.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, assim é que são;
eu amo esses olhos que falam de amores com tanta paixão.
Gonçalves Dias
estrelas incertas, que as águas dormentes do mar vão ferir;
seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, têm meiga expressão,
mais doce que a brisa, – mais doce que a frauta quebrando a soidão.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, de vivo luzir,
são meigos infantes, gentis, engraçados brincando a sorrir.
São meigos infantes, brincando, saltando em jogo infantil,
inquietos, travessos; – causando tormento,
com beijos nos pagam a dor de um momento, com modo gentil.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, assim é que são;
às vezes luzindo, serenos, tranquilos, às vezes vulcão!
Ás vezes, oh! sim, derramam tão fraco, tão frouxo brilhar,
que a mim me parece que o ar lhes falece,
e os olhos tão meigos, que o pranto umedece, me fazem chorar.
Assim lindo infante, que dorme tranquilo, desperta a chorar;
e mudo e sisudo, cismando mil coisas, não pensa – a pensar.
Nas almas tão puras da virgem, do infante, às vezes do céu
cai doce harmonia duma harpa celeste,
um vago desejo; e a mente se veste de pranto co’um véu.
Que sejam saudades, que sejam desejos da pátria melhor;
eu amo seus olhos que choram sem causa um pranto sem dor.
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros, de vivo fulgor;
seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
que falam de amores com tanta poesia, com tanto pudor.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, assim é que são;
eu amo esses olhos que falam de amores com tanta paixão.
Gonçalves Dias
sábado, 18 de setembro de 2010
Canção do meu sonho errante
Eu tenho a alma errante
e vago na terra a sonhar maravilhas…
Não para um momento!
Eu busco irriquieto o meu sonho inconstante
e sou como as asas, as velas, as quilhas,
as nuvens, o vento…
Eu sou como as coisas inquietas: o veio
que canta na leira; a fumaça que voa
na espira que sobe das achas; o anseio
dos longos coqueiros esguios;
a esteira de prata que deixa uma proa
no espelho dos rios.
Eu tenho a alma errante…
Boêmio, o meu sonho procura a carícia
fugace, procura
a glória mendaz e preclara.
Sou como a veia fenícia
ao largo, uma vela distante…
Eu tenho a alma errante…
E sinto uma estranha delícia
em tudo que passa e não dura,
em tudo que foge e não pára…
Menotti Del Picchia
e vago na terra a sonhar maravilhas…
Não para um momento!
Eu busco irriquieto o meu sonho inconstante
e sou como as asas, as velas, as quilhas,
as nuvens, o vento…
Eu sou como as coisas inquietas: o veio
que canta na leira; a fumaça que voa
na espira que sobe das achas; o anseio
dos longos coqueiros esguios;
a esteira de prata que deixa uma proa
no espelho dos rios.
Eu tenho a alma errante…
Boêmio, o meu sonho procura a carícia
fugace, procura
a glória mendaz e preclara.
Sou como a veia fenícia
ao largo, uma vela distante…
Eu tenho a alma errante…
E sinto uma estranha delícia
em tudo que passa e não dura,
em tudo que foge e não pára…
Menotti Del Picchia
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Epigrama gastronômico
Há mil e cem anos
de poesia num só dia,
mil e cem palavras
numa só sílaba,
mil e cem páginas
numa linha
- quando abro o livro
do teu corpo, e provo mil
e cem receitas num só
amor.
Há mil e cem anos
de poesia num só dia,
mil e cem palavras
numa só sílaba,
mil e cem páginas
numa linha
- quando abro o livro
do teu corpo, e provo mil
e cem receitas num só
amor.
Nuno Júdice
de poesia num só dia,
mil e cem palavras
numa só sílaba,
mil e cem páginas
numa linha
- quando abro o livro
do teu corpo, e provo mil
e cem receitas num só
amor.
Há mil e cem anos
de poesia num só dia,
mil e cem palavras
numa só sílaba,
mil e cem páginas
numa linha
- quando abro o livro
do teu corpo, e provo mil
e cem receitas num só
amor.
Nuno Júdice
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Cupido e Psique
Psique em grego significa tanto borboleta, como alma. Ela representa a alma humana purificada pela dor, preparada, assim, para desfrutar a felicidade verdadeira. A união de Cupido e Psique simboliza o encontro do amor e da alma
A Vênus de Milo
Uma estória curiosa explica a “falta” de braços da Vênus (Afrodite). Quando foi encontrada na Ilha de Milo no Mar Egeu, já estava danificada, quebrada ao meio, mas possuía os braços. O camponês que a achou quis vendê-la à oficiais franceses, mas como tardaram na aquisição da Vênus, o homem aceitou a oferta de outro comprador. Quando a escultura estava sendo embarcada para a Turquia, os franceses chegaram, e convenceram o camponês a manter o acordo de compra. Durante sua transferência para o barco, a escultura foi arrastada através de pedras e danificou-se, perdendo o que restava dos braços. Os marinheiros se recusaram a voltar para recuperá-los.
O Êxtase de Santa Teresa
Simboliza as visões que Santa Teresa teria tido, com um anjo que lhe cravava uma espada de ouro no peito. Bernini dá à obra um sentido de paz tão contemplativa, que nos desfocamos da figura desfalecida e desamparada de Santa Teresa.
Apolo e Dafne
Apolo era o mais belo dos deuses do Olimpo, senhor da Arte, da Música e da Medicina. Sua arrogância irrita Cupido, que o atinge com duas flechas de amor e outra de chumbo, em Dafne. Cupido passa a assediá-la inultimente. Desesperado, começa a perseguí-la pela floresta. Dafne sentindo-o cada vez mais próximo, suplica ao pai, o Deus Peneu, que lhe mude as formas. O pai atende o desejo da filha e, no momento em que Apolo começava a tocar seus cabelos, Dafne revesti-se de cascas, os cabelos transformam-se em folhas, os braços ramos e galhos, os pés cravam-se no solo, como raízes. Transtornado com a metamorfose da amada em arbusto – o Loureiro, Apolo chora dizendo que aqueles ramos serão sua coroa verde e vistosa, participando de seus triunfos eternamente. Quem acompanha os Jogos Olímpicos, deve se lembrar que a coroa de Louros de Apolo simboliza a vitória.
Fonte: blog leituras favre
O Rapto de Proserpina
A definição das quatros estações deriva da lenda de Proserpina (Perséfone). Diz-se que Demeter (Ceres), mãe de Proserpina, desesperada com o rapto da filha por Plutão (Hades, Deus da morte) caiu em desespero tornando o solo infertil. Atendendo a um pedido de Zeus (Júpiter), seu marido, concordou devolver a fertilidade à Terra, exigindo no entando, que Plutão lhe devolvesse a filha. Como Proserpina havia comido seis grãos de romã, não poderia abandonar definitivamente o Tártaro, submundo de Plutão. Passaria então, metade do ano nas profundezas da terra, representação do outono e do inverno, quando sua mãe, triste, descuida da natureza e, a outra metade na superfície, na companhia dos seus, o que corresponde a primavera e o verão, a terra viva e produtiva, fruto da felicidade de sua mãe Demeter, deusa das plantas.
Fonte: blog leituras favre
União
Nos meus braços teu corpo estremeceu,
Desse tremor o meu foi percorrido.
Colados, curva a curva, onde começa o teu?
Onde se acaba o meu? Teu e meu têm sentido?
…
Brandamente, por vezes, te desvio
De mim, para melhor, depois, sentir
Que és bem tu que eu agarro, acaricio,
Bem tu que eu pude, em mim, fundir.
Soneto do amor
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma…Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua…, – unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois… – abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
Nos meus braços teu corpo estremeceu,
Desse tremor o meu foi percorrido.
Colados, curva a curva, onde começa o teu?
Onde se acaba o meu? Teu e meu têm sentido?
…
Brandamente, por vezes, te desvio
De mim, para melhor, depois, sentir
Que és bem tu que eu agarro, acaricio,
Bem tu que eu pude, em mim, fundir.
Soneto do amor
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma…Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua…, – unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois… – abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
Musa dos olhos verdes
Musa dos olhos verdes, musa alada,
Ó divina esperança,
Consolo do ancião no extremo alento,
E sonho da criança;
Tu que junto do berço o infante cinges
C’os fúlgidos cabelos;
Tu que transformas em dourados sonhos
Sombrios pesadelos;
Tu que fazes pulsar o seio às virgens;
Tu que às mães carinhosas
Enches o brando, tépido regaço
Com delicadas rosas;
Casta filha do céu, virgem formosa
Do eterno devaneio,
Sê minha amante,
os beijos meus recebe,
Acolhe-me em teu seio!
Já cansada de encher lânguidas flores
Com as lágrimas frias,
A noite vê surgir do oriente a aurora
Dourando as serranias.
Asas batendo à luz que as trevas rompe,
Piam noturnas aves,
E a floresta interrompe alegremente
Os seus silêncios graves.
Dentro de mim, a noite escura e fria
Melancólica chora;
Rompe estas sombras que o meu ser povoam;
Musa, sê tu a aurora!
Ó divina esperança,
Consolo do ancião no extremo alento,
E sonho da criança;
Tu que junto do berço o infante cinges
C’os fúlgidos cabelos;
Tu que transformas em dourados sonhos
Sombrios pesadelos;
Tu que fazes pulsar o seio às virgens;
Tu que às mães carinhosas
Enches o brando, tépido regaço
Com delicadas rosas;
Casta filha do céu, virgem formosa
Do eterno devaneio,
Sê minha amante,
os beijos meus recebe,
Acolhe-me em teu seio!
Já cansada de encher lânguidas flores
Com as lágrimas frias,
A noite vê surgir do oriente a aurora
Dourando as serranias.
Asas batendo à luz que as trevas rompe,
Piam noturnas aves,
E a floresta interrompe alegremente
Os seus silêncios graves.
Dentro de mim, a noite escura e fria
Melancólica chora;
Rompe estas sombras que o meu ser povoam;
Musa, sê tu a aurora!
Poema do homem só
Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem.
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de dentro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
Dão-se os lábios, dão-se os braços,
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
António Gedeão
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem.
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de dentro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
Dão-se os lábios, dão-se os braços,
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
António Gedeão
domingo, 12 de setembro de 2010
“Não tem mais centro e periferia”, afirma Maria da Conceição
DO RIO
A ascensão da China, com uma demanda por produtos primários que vai durar décadas, mudou a divisão internacional do trabalho e tornou datada a dicotomia entre industrialização e produção de commodities que marcou a trajetória brasileira desde os anos 1930.
Quem afirma é a economista Maria da Conceição Tavares, veterana expoente do desenvolvimentismo, que durante o século 20 propôs a ação do Estado para a industrialização, a fim de superar a desvantagem nas relações de troca no antigo sistema sob hegemonia econômica dos EUA –que, ao também produzirem matérias-primas, forçavam a baixa de seus preços.
“Não tem centro e periferia como antes. Há países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos”, afirma Conceição.
Ela deu entrevista à Folha às vésperas de ser homenageada amanhã, no Rio, no lançamento do livro “O Papel do BNDE na Industrialização do Brasil”, fruto de pesquisa que coordenou para o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
O novo cenário não quer dizer, afirma, que o país deva descuidar do parque industrial. Ela se preocupa com a avalanche de importações e defende o papel do BNDES no apoio a grandes empresas nacionais.
Petista, Conceição aposta que Dilma Rousseff mudará a orientação ortodoxa do BC, caso eleita, e diz que o tucano José Serra, colega do tempo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) com quem há 40 anos escreveu um artigo marco, “Além da Estagnação”, é conservador na área social. Abaixo, a íntegra da entrevista.
FOLHA – Um dos problemas recorrentes do período de industrialização abordado no livro é o déficit no balanço de pagamentos. Hoje essa preocupação surge de novo. Os riscos são os mesmos?
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES – Não, naquela altura o problema era basicamente a rigidez da pauta de exportações, que não é o caso agora. A gente só tinha produtos primários e o único período em que houve aumento de preços das matérias-primas foi durante a Guerra da Coreia (1950-1953).
Além disso, o processo de substituição de importações não poupava divisas, pelo contrário, era para substituir importações por produtos internos. Ao fazer isso, ampliava o mercado interno e ampliava a demanda [por bens de capital importados para aumentar a produção]. Hoje em dia você tem uma indústria montada. O problema é o câmbio.
FOLHA – Mas há toda a preocupação com a primarização da pauta de exportações brasileiras.
CONCEIÇÃO – Isso não tem nenhum cabimento, porque a primarização da pauta de exportações de hoje não se parece nada com a de então. Ao contrário daquela época, quando havia relações de troca desfavoráveis, as relações são favoráveis. Quem demanda produtos primários é a China e a Ásia inteira, que crescem muito mais do que o resto do mundo. Naquela época, os EUA eram nossos concorrentes.
FOLHA – O candidato José Serra fala muito do risco de desindustrialização no Brasil. A sra. acha que existe esse risco?
CONCEIÇÃO – Desindustrialização houve no governo deles, do Fernando Henrique, com uma política de câmbio completamente irresponsável, uma taxa de juros alta, que começou a afrouxar a partir do segundo mandato.
O problema de agora é que, com a crise mundial, o dólar desvalorizou e todas as moedas valorizaram, exceto a moeda chinesa, que está amarrada ao dólar e controlada, com controle de capitais. O resto foi para o diabo.
Agora é um problema de valorização e isso não afeta as exportações. Isso afeta as importações, que estão disparando. A gente não sabe se estão disparando como reação apenas ao câmbio ou à recuperação da economia. Eu acho que são os dois. A indústria sofreu um abalo em 2009, e neste ano recuperou com muita força. Agora está desacelerando. Tem que estar sempre avaliando. Se você deixar entrar à galega acaba desindustrializando.
FOLHA – E o que pode ser feito?
CONCEIÇÃO – O próprio ministro da Fazenda já avisou que tem que controlar essa taxa de câmbio, não pode deixar rolar.
FOLHA – Mas o câmbio não tem relação com os juros do Banco Central, que atraem capital de fora?
CONCEIÇÃO – Tem, mas não só. Porque a valorização deu em todos os países, mesmo os que praticam taxas de juros negativas, que é o caso do Japão. É a situação particular do dólar agora que está fazendo isso.
A situação, portanto, não se parece nada com a do período entre 1950 e 1980. Não tem crise no balanço de pagamentos no sentido clássico. E muito menos dívida externa. Conseguimos passar essa crise sem problemas na dívida externa, com reservas, coisa que nunca aconteceu em nenhuma crise internacional desde o século 19. Agora, tem que ter uma política industrial mais clara, uma política cambial obviamente controlada, que não se resolva apenas com os juros.
FOLHA – Outra discussão que tem uma analogia com o período atual é a ideia de criar um mercado de capitais privado, bancos de investimentos privados que financiem investimentos de longo prazo, o que foi tentado pelo Roberto Campos no primeiro governo da ditadura.
CONCEIÇÃO – A ideia do mercado de capitais estava lá na reforma administrativa Bulhões-Campos. O problema é que ele veio com a ideia dos bancos de investimentos, que não funcionaram.
FOLHA – Mas essa discussão volta agora, não?
CONCEIÇÃO – A dos bancos de investimentos, não. O problema é que nem os bancos nem os mercados de capitais não estão financiando desenvolvimento em longo prazo.
FOLHA – E é possível que isso, que nunca aconteceu, aconteça agora?
CONCEIÇÃO – Eu não acredito muito. Porque na verdade o mercado de capitais serve basicamente em toda parte não é para financiar desenvolvimento, é para transformar patrimônio. Mas enfim, essa é uma ideia antiga, continuam a fazer esforço. O financiamento na verdade depende mais do crédito de longo prazo, e aí é que se tem que arrumar um jeito de que haja um crédito em longo prazo que não dependa apenas do BNDES e da Caixa Econômica, que carregam nas costas.
FOLHA – Como avalia às críticas feitas ao perfil dos empréstimos do BNDES, para grandes grupos?
CONCEIÇÃO – A imprensa conservadora, que nunca gostou do BNDES, vem com esse papo de que a capitalização [do banco] vai para a dívida pública, o que não é verdade. Formalmente vai para a dívida fiscal, mas na verdade não é assim em longo prazo. Porque você empresta, mas eles retornam. E o retorno do investimento é sempre positivo. O BNDES não está emprestando a ninguém com retorno negativo.
FOLHA – Mas até o Carlos Lessa [ex-presidente do BNDES] afirma que o banco deveria ser mais exigente sobre investimentos no Brasil ao fazer empréstimos a grandes empresas.
CONCEIÇÃO – Lessa nesse particular discrepa do [Luciano] Coutinho, que tem a visão do que ocorreu na Ásia, no Japão, na Coreia, do “pick the winner” [escolha o vencedor], que tem que escolher as empresas vencedoras para que elas sejam competitivas lá fora, para que elas se internacionalizem com poder de mercado. Essa é a única diferença, porque o Lessa é desenvolvimentista, o Coutinho também. Só tem desenvolvimentista agora. Liberal, só tem a charanga.
FOLHA – A Dilma e o Serra também são desenvolvimentistas.
CONCEIÇÃO – Do ponto de vista da operação fiscal, o Serra é ortodoxo, e isso é ruim. Ele quer acelerar a contração do gasto público. No fundo, ele não leva a sério as políticas de bem-estar social, a universalização da educação, da saúde, que tornaram o Orçamento mais pesado. Se cortar, não se pode fazer nada de política universal, tem que ficar só com política para pobre.
Mas não há dúvida de que o Serra também é desenvolvimentista do ponto de vista industrial. O problema dele são os programas sociais, o aumento da Previdência, do salário mínimo, todas as medidas de alcance social mais profundo que o Lula tomou. Nas políticas compensatórias, eu não creio que ele voltaria atrás, que ninguém é maluco. A universalização é que é o problema, as políticas sociais de longo alcance. O gasto com educação, saúde, Previdência.
FOLHA – No segundo governo Vargas [1951-1954], quando começa o Plano de Reaparelhamento Econômico, o ministério lembra o do primeiro governo Lula, com empresários e monetaristas no comando da política econômica. Como interpretar essa coincidência?
CONCEIÇÃO – Por sorte, depois do interregno monetarista do [Eugenio] Gudin [ministro da Fazenda de Café Filho, entre 1954 e 1955], veio o JK, que era desenvolvimentista. O [Horacio] Lafer [ministro da Fazenda de Vargas] queria fazer presidente do BNDE o Gudin, e não conseguiu, porque o Vargas não dormia de touca. O que ele fez é foi compor uma parte da diretoria do banco com pessoal que veio da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos [1951-1953], entre os quais o Roberto Campos e o Glycon de Paiva, que ficaram como diretores, e colocou o homem dele, que era o gaúcho Ari Frederico Torres, como superintendente.
O problema é que o homem dele não entendia muito de economia, e por aí não foi. Mas havia os diretores que eram da Assessoria Econômica do Vargas. Então a assessoria do banco era composta metade de conservadores e metade de nacionalistas.
No que diz respeito a Lula, graças a Deus caiu o ministro da Fazenda [Antônio Palocci] e entrou o [Guido] Mantega, que é desenvolvimentista. O problema foi o Banco Central. O Banco Central é problema sempre, porque a estrutura do BC foi montada de tal maneira que os que não pensam da mesma maneira não têm futuro.
Um dos meninos mais brilhantes da atual Fazenda é o Nelson Barbosa [secretário de Acompanhamento Econômico]. Ele é um keynesiano um pouco ortodoxo. Ele é originariamente do BC, fez concurso e passou. O [Luiz Eduardo] Melin [chefe de gabinete da Fazenda] também é do BC. Mas eles não podem fazer nada, porque começam uma carreira e tem em cima a diretoria que é toda conservadora.
Tem é que fazer com o BC o mesmo que foi feito no BNDES pelo Vargas, uma diretoria mista, metade conservadora, para agradar os banqueiros e eles não encherem muito o saco, senão eles enchem mesmo, e outra metade para ajudar o desenvolvimento, fazer uma política monetária menos estúpida.
Quer dizer, o conservador no governo Lula foi só a política monetária. E não foi pouca porcaria, eu concordo. Briguei para burro.
FOLHA – Mas isso num governo Dilma pode mudar?
CONCEIÇÃO – Com certeza vai mudar. É só esperar e ver. Mas não é mole, porque o pessoal mais desenvolvimentista tem muito pouca prática de mercado. Tem que ter os que têm prática de mercado, porque senão você não consegue operar o banco. Houve sempre uma tensão muita grande entre a Fazenda e o BC [no segundo mandato de Lula], que nunca foi o caso na história do Brasil, em que sempre Fazenda e BC eram conservadores e Planejamento, Indústria e Comércio eram desenvolvimentistas. Mas isso não é mais assim.
FOLHA – Mas é melhor ter a tensão?
CONCEIÇÃO – Por mim não, mas, como eu estou dizendo, não tem economista progressista com domínio de BC, com exceção desses dois que eu mencionei, que foram do BC. Foram meus alunos, trabalharam comigo, conhecem teoria monetária. A esquerda tem mania de não gostar de política monetária. A única monetarista de esquerda era eu, mas é óbvio que eu não posso ser presidente do BC com 80 anos e com esse temperamento que eu tenho. Tem também o [Luiz Gonzaga] Beluzzo, o próprio Luciano Coutinho.
FOLHA – Então hoje, ao contrário da década de 90, começa a haver um predomínio do pensamento desenvolvimentista?
CONCEIÇÃO – No Brasil sim, mas não no mundo. Olha para a Europa. A Europa está num reacionarismo conservador que é uma desgraça, está pior que os EUA. Nos EUA, até os conservadores viraram keynesianos por causa da crise. Na Europa, os caras estão fiscalistas ao extremo, estão arrebentando com a Europa, tem uma tendência japonesa [de estagnação] acentuada.
FOLHA – Essa conjuntura internacional, em que a China é o grande demandante, favorece o Brasil?
CONCEIÇÃO – É favorável. Quem é hoje o grande centro manufatureiro no mundo? É a Ásia, ninguém compete em produtos manufaturados com eles, mesmo com a taxa de câmbio melhor. Então aqui tem que ter um certo controle das importações, mesmo disfarçado. Mas como, por outro lado, eles são realmente os maiores demandantes de matérias-primas, hoje, sobretudo para a América do Sul Brasil, Argentina, Chile, isso faz uma diferença cavalar.
FOLHA – E dumping [venda abaixo do valor] de produtos chineses?
CONCEIÇÃO – A China não está tendo o sucesso que está por causa de dumping, é por causa da política inteira. Se houver dumping é feito pelas multinacionais que lá estão, porque, ao contrário do Japão, a China não fez restrições a que na área exportadora entrassem as multinacionais.
Você não pode deixar de levar em conta que mudou a divisão internacional do trabalho. Paradoxalmente, não vejo muita gente mencionar isso. Houve uma mudança radical da divisão internacional do trabalho, na qual nós estamos bem colocados porque a gente exporta para todo mundo. E, em particular, no que diz respeito a matérias-primas, exportamos mais para a China do que para a Europa, por exemplo. Nunca exportamos matérias-primas para os EUA.
FOLHA – Mas a China também pode competir com os produtos industriais brasileiros em terceiros mercados.
CONCEIÇÃO – Ela pode competir com quem ela quiser. Claro que temos que nos precaver. Por que a tendência hoje entre países em desenvolvimento é de acordos bilaterais, quando sempre fomos multilateralistas? É porque o comércio multilateral está de pernas para o ar. A crise americana arrebentou com o sistema todo, com o sistema monetário, o sistema de comércio internacional.
Estamos num período de transição, no qual acho que o Brasil tem chance. Ter uma disponibilidade de recursos naturais como nós temos, que vai da água ao petróleo, não é qualquer país que tem. Isso ajuda, ao contrário de antes. Não estamos baseados no café, mas numa pauta totalmente diversificada. E a coisa do pré-sal vai ajudar.
FOLHA – Quando teve o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, com o Geisel (1975-1979), ele tentou dar um salto qualitativo tecnológico.
CONCEIÇÃO – Tentou, e nós começamos a exportação de manufaturas para valer.
FOLHA – Mas o Brasil ainda tem dificuldade de desenvolvimento tecnológico, por exemplo em computadores.
CONCEIÇÃO – Tem menos do que tinha na época. No Geisel, ainda estávamos começando e a área de computadores fracassou. O projeto Cobra foi um desastre. Aí só avançamos na área bancária, temos a mais desenvolvida em matéria de computação do mundo. Estamos com tecnologia avançada em aviões, em perfuração de petróleo, o que não é pouca porcaria.
FOLHA – Mas em relação à competição chinesa em informática, máquinas?
CONCEIÇÃO – O que tem que entender é que a China é um híbrido. Não pode ser considerada mais um país em desenvolvimento, mas tem uma área subdesenvolvida, com uma população gigantesca, no campo. A China ainda tem que caminhar para dentro, desenvolver o mercado interno. Mas ela tem um solo esgotado. Ao contrário da mudança de centro [capitalista] da Inglaterra, que não tinha produtos primários, para os EUA, que tinham, o que levou ao fim do modelo primário-exportador na América Latina, a China vai ter décadas ainda importando produtos primários, tanto na parte alimentar quanto na de minério e petróleo. Para nós está bom.
FOLHA – Mas quando se fala do risco de desindustrialização…
CONCEIÇÃO – É por causa das importações e do câmbio. O resto quem fala está fazendo blá-blá-blá, porque toda a indústria está aí ainda.
FOLHA – Mas um argumento é que a indústria é que dá emprego de qualidade para os jovens, e não o setor primário.
CONCEIÇÃO – Não é verdade. Os empregos de qualidade costumam ser no setor terciário, nos bancos e nos serviços de utilidade pública. Pelo lado do emprego eu não estaria preocupada. Estamos com problema de desemprego estrutural, mas devido à pobreza. Com uma política de combate à pobreza e com uma política de educação você repõe as bases de um país desenvolvido. Desta vez, acho que a maldição do [Celso] Furtado, que era desenvolvimento junto com subdesenvolvimento, pode terminar.
Na indústria, a parte de capital estrangeiro em geral não faz desenvolvimento tecnólogico, traz da matriz, o que é um problema. Mas, como a divisão internacional do trabalho está mudando, também há a tendência de adaptar produtos a cada mercado em que as empresas estão instaladas.
Quanto à indústria nacional, o Ministério de Ciência e Tecnologia e a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] continuam fazendo o que podem para fazer semeadura de tecnologia, sobretudo na pequena e na média empresas. O BNDES faz também para a grande empresa, até porque ninguém acredita que seja possível competir lá fora sem isso. Se não tivéssemos tido avanço tecnológico em aços especiais, claro que a Gerdau não estaria com filiais até nos EUA.
Eu tenho trabalhado na questão da internacionalização do capital, e tenho a impressão que por esse lado não estamos tão mal. O nosso problema é fechar a brecha entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento nosso, que é menos problema do que para a China e para a Índia.
São situações muito díspares. Não tem centro e periferia como antes. Tem países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos. A Rússia sim desmantelou a indústria toda. Só exporta gás e petróleo. Isso é que é uma situação ruim. Está lá no Bric [Brasil, Rússia, Índia e China] um pouco fora de propósito.
A discussão agricultura versus indústria é datada, do pós-Segunda Guerra. Ninguém vai fazer uma opção por um outro. Precisa de agricultura familiar, de agrobusiness, da indústria de transformação.
Agora, estou de acordo que, na indústria eletroeletrônica, por causa da Zona Franca de Manaus, montamos uma fábrica de montagem e não avançou ainda. Mas vai avançar, não tem dúvida. Até porque o BNDES tem política setorial, como na farmacêutica e na química.
FOLHA – E a acusação de que o governo Lula escolhe as empresas beneficiadas?
CONCEIÇÃO – Política industrial só horizontal não vai para lugar nenhum. Tem que continuar as horizontais, mas tem que fazer as setoriais. Se não escolher setores e empresas, não avança. Não estamos num mundo de concorrência perfeita. Estamos num mundo monopolista. Se não tiver grande empresa aqui, não vamos para lugar nenhum.
FOLHA – O período do livro é caracterizado como a “modernização conservadora” do Brasil. O Brasil ainda vive esse fenômeno ou pode acertar contas nesse ponto?
CONCEIÇÃO – A parte da modernização conservadora que diz respeito ao grande capital, bancário, industrial, uma parte das construturas, vive. Grande capital é grande capital, está pouco se lixando para ideologia. É conservador no sentido de que não teve uma democratização da propriedade.
FOLHA – Não teve reforma agrária.
CONCEIÇÃO – Tem que terminar, com a pequena produção agrícola independente, e a pequena e a média empresas com tecnologia e apoio. Essa ideia do cartão BNDES, que aliás foi o Lessa que inventou, com o qual se pode pedir R$ 1 milhão para fazer uma padaria, montar uma pequena empresa. O Lessa botou o BNDES outra vez no espírito de ser um banco de desenvolvimento. No governo de Fernando Henrique, era só um banco da privataria. Só não foi ameaçado porque tem a indústria que demanda recursos.
FOLHA – A senhora está otimista, então?
CONCEIÇÃO – Pela primeira vez na história do Brasil não há uma crise da dívida externa. Em segundo lugar, voltamos a usar o BNDES, desde o começo do governo Lula, para promover o desenvolvimento. A coisa social mudou também radicalmente. Consolidou-se a inflação baixa, não precisa ter taxa de juros lá em cima para que ela caia. Está estabilizada.
Isso muda tudo, porque a inflação é uma praga para os salários. O pessoal da esquerda não levava isso em conta, o que era uma asneira. Com inflação, nenhuma política salarial resolve. Lembra que tinha indexação dos salários e a inflação corria na frente.
Estamos numa situação bem melhor do que nunca estivemos desde a década de 30. E também com estabilidade política, por mais que façam esse banzé. Se você afirmou a democracia, se está afirmando as políticas sociais, se está continuando a política industrial, eu estou otimista, pela primeira vez, para dizer a verdade, porque em geral sou pessimista. Espero não me equivocar, mas, também, se me equivocar não vou estar viva para ver.
FOLHA – E como a sra. vê a situação dos EUA?
CONCEIÇÃO – Estou com os keynesianos de lá, como o [Paul] Krugman. Acho que fizeram pouco e mal feito. Mas isso não é culpa do presidente. Ele tem um Congresso desvairadamente conservador.
Isso sim me preocupa [no Brasil]. O pessoal só presta atenção na eleição para a Presidência, mas é importante ver o Congresso. Vamos ver se dá um Senado um pouco melhor, mas de qualquer maneira a capacidade de negociação continua. Nisso o velho [economista ortodoxo Otavio Gouveia de] Bulhões [1906-1990], meu mestre antigo, tinha razão, que o Executivo é mais forte, mas para fazer reformas tem que passar pelo Congresso.
Algumas coisas, como reforma tributária e política, dependem do Congresso, e em geral os congressistas não querem mudar o status quo. São reformas que eu vejo que são importantes, e que o Congresso provalmente vai continuar no chove não molha. Vamos ver se a gente consegue.
FOLHA – Mas a reforma tributária deve reduzir a carga como proporção do PIB ou a natureza dos impostos?
CONCEIÇÃO – Como vai mudar a carga sobre o PIB, com as demandas de política pública que você precisa fazer? Não, tem que mudar a carga mal distribuída e a estrutura dos tributos, que é muito complexa, muito atrapalhada. Continua aquela briga entre os Estados sobre o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias].
Hoje o Lula já sacou que precisa fazer aliança nos dois sentidos, com o PMDB para uns fins e com os partidos minoritários da esquerda para o outro. Acho que não está tão difícil como já esteve.
FOLHA – Mas a sra. acha que, qualquer que seja o sucessor do Lula, vai ter o jogo de cintura dele?
CONCEIÇÃO – Qualquer que seja é problema seu. Eu acho que já está decidido. Mas pode ser de novo que eu esteja otimista demais. O fato é que, com Dilma ou Serra, haverá o mesmo problema no Congresso, essas duas reformas serão difíceis. Depende de quem eles botarem para ser o negociador com o Congresso.
Evidente que a capacidade do Lula ninguém vai ter mais neste país, porque o único com capacidade semelhante foi o Vargas. Acabou mal, coitado, o que não é o caso do Lula, que negociou durante oito anos e está terminando muito bem. Isso também é uma novidade. Você já viu algum presidente que veio do povo como esse, apesar de todos os percalços e denúncias, ter conseguido isso? Além do fato de hoje o Brasil estar no cenário internacional graças a ele.
São coisas que, para mim, marcam uma mudança e uma transição. Estou convencida de que estamos numa transição e que efetivamente, ganhe quem ganhe, não vão arrebentar com o Brasil, embora eu prefira a Dilma porque conheço o caráter progressista dela e o Serra ficou mais conservador.
fonte: folha.com
A ascensão da China, com uma demanda por produtos primários que vai durar décadas, mudou a divisão internacional do trabalho e tornou datada a dicotomia entre industrialização e produção de commodities que marcou a trajetória brasileira desde os anos 1930.
Quem afirma é a economista Maria da Conceição Tavares, veterana expoente do desenvolvimentismo, que durante o século 20 propôs a ação do Estado para a industrialização, a fim de superar a desvantagem nas relações de troca no antigo sistema sob hegemonia econômica dos EUA –que, ao também produzirem matérias-primas, forçavam a baixa de seus preços.
“Não tem centro e periferia como antes. Há países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos”, afirma Conceição.
Ela deu entrevista à Folha às vésperas de ser homenageada amanhã, no Rio, no lançamento do livro “O Papel do BNDE na Industrialização do Brasil”, fruto de pesquisa que coordenou para o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
O novo cenário não quer dizer, afirma, que o país deva descuidar do parque industrial. Ela se preocupa com a avalanche de importações e defende o papel do BNDES no apoio a grandes empresas nacionais.
Petista, Conceição aposta que Dilma Rousseff mudará a orientação ortodoxa do BC, caso eleita, e diz que o tucano José Serra, colega do tempo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) com quem há 40 anos escreveu um artigo marco, “Além da Estagnação”, é conservador na área social. Abaixo, a íntegra da entrevista.
FOLHA – Um dos problemas recorrentes do período de industrialização abordado no livro é o déficit no balanço de pagamentos. Hoje essa preocupação surge de novo. Os riscos são os mesmos?
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES – Não, naquela altura o problema era basicamente a rigidez da pauta de exportações, que não é o caso agora. A gente só tinha produtos primários e o único período em que houve aumento de preços das matérias-primas foi durante a Guerra da Coreia (1950-1953).
Além disso, o processo de substituição de importações não poupava divisas, pelo contrário, era para substituir importações por produtos internos. Ao fazer isso, ampliava o mercado interno e ampliava a demanda [por bens de capital importados para aumentar a produção]. Hoje em dia você tem uma indústria montada. O problema é o câmbio.
FOLHA – Mas há toda a preocupação com a primarização da pauta de exportações brasileiras.
CONCEIÇÃO – Isso não tem nenhum cabimento, porque a primarização da pauta de exportações de hoje não se parece nada com a de então. Ao contrário daquela época, quando havia relações de troca desfavoráveis, as relações são favoráveis. Quem demanda produtos primários é a China e a Ásia inteira, que crescem muito mais do que o resto do mundo. Naquela época, os EUA eram nossos concorrentes.
FOLHA – O candidato José Serra fala muito do risco de desindustrialização no Brasil. A sra. acha que existe esse risco?
CONCEIÇÃO – Desindustrialização houve no governo deles, do Fernando Henrique, com uma política de câmbio completamente irresponsável, uma taxa de juros alta, que começou a afrouxar a partir do segundo mandato.
O problema de agora é que, com a crise mundial, o dólar desvalorizou e todas as moedas valorizaram, exceto a moeda chinesa, que está amarrada ao dólar e controlada, com controle de capitais. O resto foi para o diabo.
Agora é um problema de valorização e isso não afeta as exportações. Isso afeta as importações, que estão disparando. A gente não sabe se estão disparando como reação apenas ao câmbio ou à recuperação da economia. Eu acho que são os dois. A indústria sofreu um abalo em 2009, e neste ano recuperou com muita força. Agora está desacelerando. Tem que estar sempre avaliando. Se você deixar entrar à galega acaba desindustrializando.
FOLHA – E o que pode ser feito?
CONCEIÇÃO – O próprio ministro da Fazenda já avisou que tem que controlar essa taxa de câmbio, não pode deixar rolar.
FOLHA – Mas o câmbio não tem relação com os juros do Banco Central, que atraem capital de fora?
CONCEIÇÃO – Tem, mas não só. Porque a valorização deu em todos os países, mesmo os que praticam taxas de juros negativas, que é o caso do Japão. É a situação particular do dólar agora que está fazendo isso.
A situação, portanto, não se parece nada com a do período entre 1950 e 1980. Não tem crise no balanço de pagamentos no sentido clássico. E muito menos dívida externa. Conseguimos passar essa crise sem problemas na dívida externa, com reservas, coisa que nunca aconteceu em nenhuma crise internacional desde o século 19. Agora, tem que ter uma política industrial mais clara, uma política cambial obviamente controlada, que não se resolva apenas com os juros.
FOLHA – Outra discussão que tem uma analogia com o período atual é a ideia de criar um mercado de capitais privado, bancos de investimentos privados que financiem investimentos de longo prazo, o que foi tentado pelo Roberto Campos no primeiro governo da ditadura.
CONCEIÇÃO – A ideia do mercado de capitais estava lá na reforma administrativa Bulhões-Campos. O problema é que ele veio com a ideia dos bancos de investimentos, que não funcionaram.
FOLHA – Mas essa discussão volta agora, não?
CONCEIÇÃO – A dos bancos de investimentos, não. O problema é que nem os bancos nem os mercados de capitais não estão financiando desenvolvimento em longo prazo.
FOLHA – E é possível que isso, que nunca aconteceu, aconteça agora?
CONCEIÇÃO – Eu não acredito muito. Porque na verdade o mercado de capitais serve basicamente em toda parte não é para financiar desenvolvimento, é para transformar patrimônio. Mas enfim, essa é uma ideia antiga, continuam a fazer esforço. O financiamento na verdade depende mais do crédito de longo prazo, e aí é que se tem que arrumar um jeito de que haja um crédito em longo prazo que não dependa apenas do BNDES e da Caixa Econômica, que carregam nas costas.
FOLHA – Como avalia às críticas feitas ao perfil dos empréstimos do BNDES, para grandes grupos?
CONCEIÇÃO – A imprensa conservadora, que nunca gostou do BNDES, vem com esse papo de que a capitalização [do banco] vai para a dívida pública, o que não é verdade. Formalmente vai para a dívida fiscal, mas na verdade não é assim em longo prazo. Porque você empresta, mas eles retornam. E o retorno do investimento é sempre positivo. O BNDES não está emprestando a ninguém com retorno negativo.
FOLHA – Mas até o Carlos Lessa [ex-presidente do BNDES] afirma que o banco deveria ser mais exigente sobre investimentos no Brasil ao fazer empréstimos a grandes empresas.
CONCEIÇÃO – Lessa nesse particular discrepa do [Luciano] Coutinho, que tem a visão do que ocorreu na Ásia, no Japão, na Coreia, do “pick the winner” [escolha o vencedor], que tem que escolher as empresas vencedoras para que elas sejam competitivas lá fora, para que elas se internacionalizem com poder de mercado. Essa é a única diferença, porque o Lessa é desenvolvimentista, o Coutinho também. Só tem desenvolvimentista agora. Liberal, só tem a charanga.
FOLHA – A Dilma e o Serra também são desenvolvimentistas.
CONCEIÇÃO – Do ponto de vista da operação fiscal, o Serra é ortodoxo, e isso é ruim. Ele quer acelerar a contração do gasto público. No fundo, ele não leva a sério as políticas de bem-estar social, a universalização da educação, da saúde, que tornaram o Orçamento mais pesado. Se cortar, não se pode fazer nada de política universal, tem que ficar só com política para pobre.
Mas não há dúvida de que o Serra também é desenvolvimentista do ponto de vista industrial. O problema dele são os programas sociais, o aumento da Previdência, do salário mínimo, todas as medidas de alcance social mais profundo que o Lula tomou. Nas políticas compensatórias, eu não creio que ele voltaria atrás, que ninguém é maluco. A universalização é que é o problema, as políticas sociais de longo alcance. O gasto com educação, saúde, Previdência.
FOLHA – No segundo governo Vargas [1951-1954], quando começa o Plano de Reaparelhamento Econômico, o ministério lembra o do primeiro governo Lula, com empresários e monetaristas no comando da política econômica. Como interpretar essa coincidência?
CONCEIÇÃO – Por sorte, depois do interregno monetarista do [Eugenio] Gudin [ministro da Fazenda de Café Filho, entre 1954 e 1955], veio o JK, que era desenvolvimentista. O [Horacio] Lafer [ministro da Fazenda de Vargas] queria fazer presidente do BNDE o Gudin, e não conseguiu, porque o Vargas não dormia de touca. O que ele fez é foi compor uma parte da diretoria do banco com pessoal que veio da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos [1951-1953], entre os quais o Roberto Campos e o Glycon de Paiva, que ficaram como diretores, e colocou o homem dele, que era o gaúcho Ari Frederico Torres, como superintendente.
O problema é que o homem dele não entendia muito de economia, e por aí não foi. Mas havia os diretores que eram da Assessoria Econômica do Vargas. Então a assessoria do banco era composta metade de conservadores e metade de nacionalistas.
No que diz respeito a Lula, graças a Deus caiu o ministro da Fazenda [Antônio Palocci] e entrou o [Guido] Mantega, que é desenvolvimentista. O problema foi o Banco Central. O Banco Central é problema sempre, porque a estrutura do BC foi montada de tal maneira que os que não pensam da mesma maneira não têm futuro.
Um dos meninos mais brilhantes da atual Fazenda é o Nelson Barbosa [secretário de Acompanhamento Econômico]. Ele é um keynesiano um pouco ortodoxo. Ele é originariamente do BC, fez concurso e passou. O [Luiz Eduardo] Melin [chefe de gabinete da Fazenda] também é do BC. Mas eles não podem fazer nada, porque começam uma carreira e tem em cima a diretoria que é toda conservadora.
Tem é que fazer com o BC o mesmo que foi feito no BNDES pelo Vargas, uma diretoria mista, metade conservadora, para agradar os banqueiros e eles não encherem muito o saco, senão eles enchem mesmo, e outra metade para ajudar o desenvolvimento, fazer uma política monetária menos estúpida.
Quer dizer, o conservador no governo Lula foi só a política monetária. E não foi pouca porcaria, eu concordo. Briguei para burro.
FOLHA – Mas isso num governo Dilma pode mudar?
CONCEIÇÃO – Com certeza vai mudar. É só esperar e ver. Mas não é mole, porque o pessoal mais desenvolvimentista tem muito pouca prática de mercado. Tem que ter os que têm prática de mercado, porque senão você não consegue operar o banco. Houve sempre uma tensão muita grande entre a Fazenda e o BC [no segundo mandato de Lula], que nunca foi o caso na história do Brasil, em que sempre Fazenda e BC eram conservadores e Planejamento, Indústria e Comércio eram desenvolvimentistas. Mas isso não é mais assim.
FOLHA – Mas é melhor ter a tensão?
CONCEIÇÃO – Por mim não, mas, como eu estou dizendo, não tem economista progressista com domínio de BC, com exceção desses dois que eu mencionei, que foram do BC. Foram meus alunos, trabalharam comigo, conhecem teoria monetária. A esquerda tem mania de não gostar de política monetária. A única monetarista de esquerda era eu, mas é óbvio que eu não posso ser presidente do BC com 80 anos e com esse temperamento que eu tenho. Tem também o [Luiz Gonzaga] Beluzzo, o próprio Luciano Coutinho.
FOLHA – Então hoje, ao contrário da década de 90, começa a haver um predomínio do pensamento desenvolvimentista?
CONCEIÇÃO – No Brasil sim, mas não no mundo. Olha para a Europa. A Europa está num reacionarismo conservador que é uma desgraça, está pior que os EUA. Nos EUA, até os conservadores viraram keynesianos por causa da crise. Na Europa, os caras estão fiscalistas ao extremo, estão arrebentando com a Europa, tem uma tendência japonesa [de estagnação] acentuada.
FOLHA – Essa conjuntura internacional, em que a China é o grande demandante, favorece o Brasil?
CONCEIÇÃO – É favorável. Quem é hoje o grande centro manufatureiro no mundo? É a Ásia, ninguém compete em produtos manufaturados com eles, mesmo com a taxa de câmbio melhor. Então aqui tem que ter um certo controle das importações, mesmo disfarçado. Mas como, por outro lado, eles são realmente os maiores demandantes de matérias-primas, hoje, sobretudo para a América do Sul Brasil, Argentina, Chile, isso faz uma diferença cavalar.
FOLHA – E dumping [venda abaixo do valor] de produtos chineses?
CONCEIÇÃO – A China não está tendo o sucesso que está por causa de dumping, é por causa da política inteira. Se houver dumping é feito pelas multinacionais que lá estão, porque, ao contrário do Japão, a China não fez restrições a que na área exportadora entrassem as multinacionais.
Você não pode deixar de levar em conta que mudou a divisão internacional do trabalho. Paradoxalmente, não vejo muita gente mencionar isso. Houve uma mudança radical da divisão internacional do trabalho, na qual nós estamos bem colocados porque a gente exporta para todo mundo. E, em particular, no que diz respeito a matérias-primas, exportamos mais para a China do que para a Europa, por exemplo. Nunca exportamos matérias-primas para os EUA.
FOLHA – Mas a China também pode competir com os produtos industriais brasileiros em terceiros mercados.
CONCEIÇÃO – Ela pode competir com quem ela quiser. Claro que temos que nos precaver. Por que a tendência hoje entre países em desenvolvimento é de acordos bilaterais, quando sempre fomos multilateralistas? É porque o comércio multilateral está de pernas para o ar. A crise americana arrebentou com o sistema todo, com o sistema monetário, o sistema de comércio internacional.
Estamos num período de transição, no qual acho que o Brasil tem chance. Ter uma disponibilidade de recursos naturais como nós temos, que vai da água ao petróleo, não é qualquer país que tem. Isso ajuda, ao contrário de antes. Não estamos baseados no café, mas numa pauta totalmente diversificada. E a coisa do pré-sal vai ajudar.
FOLHA – Quando teve o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, com o Geisel (1975-1979), ele tentou dar um salto qualitativo tecnológico.
CONCEIÇÃO – Tentou, e nós começamos a exportação de manufaturas para valer.
FOLHA – Mas o Brasil ainda tem dificuldade de desenvolvimento tecnológico, por exemplo em computadores.
CONCEIÇÃO – Tem menos do que tinha na época. No Geisel, ainda estávamos começando e a área de computadores fracassou. O projeto Cobra foi um desastre. Aí só avançamos na área bancária, temos a mais desenvolvida em matéria de computação do mundo. Estamos com tecnologia avançada em aviões, em perfuração de petróleo, o que não é pouca porcaria.
FOLHA – Mas em relação à competição chinesa em informática, máquinas?
CONCEIÇÃO – O que tem que entender é que a China é um híbrido. Não pode ser considerada mais um país em desenvolvimento, mas tem uma área subdesenvolvida, com uma população gigantesca, no campo. A China ainda tem que caminhar para dentro, desenvolver o mercado interno. Mas ela tem um solo esgotado. Ao contrário da mudança de centro [capitalista] da Inglaterra, que não tinha produtos primários, para os EUA, que tinham, o que levou ao fim do modelo primário-exportador na América Latina, a China vai ter décadas ainda importando produtos primários, tanto na parte alimentar quanto na de minério e petróleo. Para nós está bom.
FOLHA – Mas quando se fala do risco de desindustrialização…
CONCEIÇÃO – É por causa das importações e do câmbio. O resto quem fala está fazendo blá-blá-blá, porque toda a indústria está aí ainda.
FOLHA – Mas um argumento é que a indústria é que dá emprego de qualidade para os jovens, e não o setor primário.
CONCEIÇÃO – Não é verdade. Os empregos de qualidade costumam ser no setor terciário, nos bancos e nos serviços de utilidade pública. Pelo lado do emprego eu não estaria preocupada. Estamos com problema de desemprego estrutural, mas devido à pobreza. Com uma política de combate à pobreza e com uma política de educação você repõe as bases de um país desenvolvido. Desta vez, acho que a maldição do [Celso] Furtado, que era desenvolvimento junto com subdesenvolvimento, pode terminar.
Na indústria, a parte de capital estrangeiro em geral não faz desenvolvimento tecnólogico, traz da matriz, o que é um problema. Mas, como a divisão internacional do trabalho está mudando, também há a tendência de adaptar produtos a cada mercado em que as empresas estão instaladas.
Quanto à indústria nacional, o Ministério de Ciência e Tecnologia e a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] continuam fazendo o que podem para fazer semeadura de tecnologia, sobretudo na pequena e na média empresas. O BNDES faz também para a grande empresa, até porque ninguém acredita que seja possível competir lá fora sem isso. Se não tivéssemos tido avanço tecnológico em aços especiais, claro que a Gerdau não estaria com filiais até nos EUA.
Eu tenho trabalhado na questão da internacionalização do capital, e tenho a impressão que por esse lado não estamos tão mal. O nosso problema é fechar a brecha entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento nosso, que é menos problema do que para a China e para a Índia.
São situações muito díspares. Não tem centro e periferia como antes. Tem países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos. A Rússia sim desmantelou a indústria toda. Só exporta gás e petróleo. Isso é que é uma situação ruim. Está lá no Bric [Brasil, Rússia, Índia e China] um pouco fora de propósito.
A discussão agricultura versus indústria é datada, do pós-Segunda Guerra. Ninguém vai fazer uma opção por um outro. Precisa de agricultura familiar, de agrobusiness, da indústria de transformação.
Agora, estou de acordo que, na indústria eletroeletrônica, por causa da Zona Franca de Manaus, montamos uma fábrica de montagem e não avançou ainda. Mas vai avançar, não tem dúvida. Até porque o BNDES tem política setorial, como na farmacêutica e na química.
FOLHA – E a acusação de que o governo Lula escolhe as empresas beneficiadas?
CONCEIÇÃO – Política industrial só horizontal não vai para lugar nenhum. Tem que continuar as horizontais, mas tem que fazer as setoriais. Se não escolher setores e empresas, não avança. Não estamos num mundo de concorrência perfeita. Estamos num mundo monopolista. Se não tiver grande empresa aqui, não vamos para lugar nenhum.
FOLHA – O período do livro é caracterizado como a “modernização conservadora” do Brasil. O Brasil ainda vive esse fenômeno ou pode acertar contas nesse ponto?
CONCEIÇÃO – A parte da modernização conservadora que diz respeito ao grande capital, bancário, industrial, uma parte das construturas, vive. Grande capital é grande capital, está pouco se lixando para ideologia. É conservador no sentido de que não teve uma democratização da propriedade.
FOLHA – Não teve reforma agrária.
CONCEIÇÃO – Tem que terminar, com a pequena produção agrícola independente, e a pequena e a média empresas com tecnologia e apoio. Essa ideia do cartão BNDES, que aliás foi o Lessa que inventou, com o qual se pode pedir R$ 1 milhão para fazer uma padaria, montar uma pequena empresa. O Lessa botou o BNDES outra vez no espírito de ser um banco de desenvolvimento. No governo de Fernando Henrique, era só um banco da privataria. Só não foi ameaçado porque tem a indústria que demanda recursos.
FOLHA – A senhora está otimista, então?
CONCEIÇÃO – Pela primeira vez na história do Brasil não há uma crise da dívida externa. Em segundo lugar, voltamos a usar o BNDES, desde o começo do governo Lula, para promover o desenvolvimento. A coisa social mudou também radicalmente. Consolidou-se a inflação baixa, não precisa ter taxa de juros lá em cima para que ela caia. Está estabilizada.
Isso muda tudo, porque a inflação é uma praga para os salários. O pessoal da esquerda não levava isso em conta, o que era uma asneira. Com inflação, nenhuma política salarial resolve. Lembra que tinha indexação dos salários e a inflação corria na frente.
Estamos numa situação bem melhor do que nunca estivemos desde a década de 30. E também com estabilidade política, por mais que façam esse banzé. Se você afirmou a democracia, se está afirmando as políticas sociais, se está continuando a política industrial, eu estou otimista, pela primeira vez, para dizer a verdade, porque em geral sou pessimista. Espero não me equivocar, mas, também, se me equivocar não vou estar viva para ver.
FOLHA – E como a sra. vê a situação dos EUA?
CONCEIÇÃO – Estou com os keynesianos de lá, como o [Paul] Krugman. Acho que fizeram pouco e mal feito. Mas isso não é culpa do presidente. Ele tem um Congresso desvairadamente conservador.
Isso sim me preocupa [no Brasil]. O pessoal só presta atenção na eleição para a Presidência, mas é importante ver o Congresso. Vamos ver se dá um Senado um pouco melhor, mas de qualquer maneira a capacidade de negociação continua. Nisso o velho [economista ortodoxo Otavio Gouveia de] Bulhões [1906-1990], meu mestre antigo, tinha razão, que o Executivo é mais forte, mas para fazer reformas tem que passar pelo Congresso.
Algumas coisas, como reforma tributária e política, dependem do Congresso, e em geral os congressistas não querem mudar o status quo. São reformas que eu vejo que são importantes, e que o Congresso provalmente vai continuar no chove não molha. Vamos ver se a gente consegue.
FOLHA – Mas a reforma tributária deve reduzir a carga como proporção do PIB ou a natureza dos impostos?
CONCEIÇÃO – Como vai mudar a carga sobre o PIB, com as demandas de política pública que você precisa fazer? Não, tem que mudar a carga mal distribuída e a estrutura dos tributos, que é muito complexa, muito atrapalhada. Continua aquela briga entre os Estados sobre o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias].
Hoje o Lula já sacou que precisa fazer aliança nos dois sentidos, com o PMDB para uns fins e com os partidos minoritários da esquerda para o outro. Acho que não está tão difícil como já esteve.
FOLHA – Mas a sra. acha que, qualquer que seja o sucessor do Lula, vai ter o jogo de cintura dele?
CONCEIÇÃO – Qualquer que seja é problema seu. Eu acho que já está decidido. Mas pode ser de novo que eu esteja otimista demais. O fato é que, com Dilma ou Serra, haverá o mesmo problema no Congresso, essas duas reformas serão difíceis. Depende de quem eles botarem para ser o negociador com o Congresso.
Evidente que a capacidade do Lula ninguém vai ter mais neste país, porque o único com capacidade semelhante foi o Vargas. Acabou mal, coitado, o que não é o caso do Lula, que negociou durante oito anos e está terminando muito bem. Isso também é uma novidade. Você já viu algum presidente que veio do povo como esse, apesar de todos os percalços e denúncias, ter conseguido isso? Além do fato de hoje o Brasil estar no cenário internacional graças a ele.
São coisas que, para mim, marcam uma mudança e uma transição. Estou convencida de que estamos numa transição e que efetivamente, ganhe quem ganhe, não vão arrebentar com o Brasil, embora eu prefira a Dilma porque conheço o caráter progressista dela e o Serra ficou mais conservador.
fonte: folha.com
Tabu da virgindade feminina veio com a agricultura, diz cientista
Possibilidade de juntar patrimônio fez com que pais quisessem gerir vida sexual das filhas
Casamentos viraram, há 10 mil anos, moeda de troca entre famílias; urbanização recente teve efeito contrário
Foi há 10 mil anos que o hímen se tornou importante.
Essa é a conclusão de Peter Stearns, grande especialista em história sexual da Universidade George Mason (EUA).
Seu livro “História da Sexualidade”, recém-lançado no Brasil pela editora Contexto, compara a vida típica de tribos nômades que vivem de caça e coleta com a das primeiras sociedades humanas pós-agricultura.
É inevitável, diz, perguntar: por que, de repente, a sexualidade feminina passou a ser vigiada e elas muitas vezes perderam até a chance de escolher seus parceiros?
Era diferente entre quem não plantava. “Grupos caçadores-coletores tinham fascínio pela sexualidade. A bissexualidade era comum.”
Houve a mudança porque, com a possibilidade de acumular patrimônio (caçadores não juntam excedente nem terras), filhas viraram moeda de troca entre famílias. Surgiu a herança e o dote.
Com a residência fixa e as famílias agrupadas, ficou fácil, especialmente para pais, supervisionar os outros.
Era importante zelar para que as filhas não engravidassem de gente indesejada -e para que os filhos também não engravidassem qualquer uma, mas sem testes de DNA esse problema era menor.
AMOR SÉRIO
Ainda que restritivas, civilizações antigas tratavam de sexo com naturalidade. Um mito egípcio dizia que o deus Atum se masturbava na água e acabou ejaculando o Nilo.
Isso prosseguiu com as sociedades clássicas. A Grécia foi muito tolerante com homossexuais. Rapazes eram “tutorados” por homens mais velhos na sexualidade.
“Platão disse ser mais provável que o amor sério surgisse entre homens, pois podia envolver uma mistura de sexo e interessante conversação intelectual”, diz Stearns.
Isso mostra que mulheres ainda eram reprimidas -ainda que os romanos valorizassem seu prazer, por exemplo.
Com a ascensão do cristianismo, porém, a maneira de lidar com o sexo endureceu. Na Idade Média, as cidades diminuem -e, em geral, quanto mais urbano um povo, mais liberal sexualmente.
Se religiões clássicas contavam aventuras sexuais dos deuses, Jesus nasceu de uma virgem. O sexo se aproxima do pecado. A homossexualidade cai na clandestinidade.
CIDADES PROMÍSCUAS
Com a Idade Média acabando, aos poucos as cidades voltaram a crescer. A industrialização, a partir do século 18, acelerou o processo.
Com o trabalho urbano, herdar terras deixa de ser vital. “Se o pai não podia assegurar herança, havia menos motivos para que os filhos aceitassem plenamente sua autoridade”, diz Stearns. O anonimato das cidade grandes também oferece menor controle sobre a vida alheia.
Países da Europa, EUA e Brasil só viraram majoritariamente urbanos no século 20. O sexo acompanhou e dominou a cultura, seja em Hollywood ou nas revistas, e a virgindade perdeu espaço.
A homossexualidade passou a ser vista com mais naturalidade, e países como a Espanha legalizaram o casamento gay recentemente.
Com métodos anticoncepcionais eficientes, o sexo pelo prazer disparou. As mulheres no mercado de trabalho se tornam menos dependentes das ordens paternas.
É um processo que ainda está acontecendo. Ainda hoje, por exemplo, metade do mundo vive em áreas rurais.
“Não sabemos se o mundo todo vai se industrializar. É difícil dizer que o padrão moderno de sexualidade triunfará, apesar de ser tentador dizer que no futuro teremos ainda mais aceitação do sexo pelo prazer”, diz Stearns.
que Ocidente
Regiões islâmicas eram bem mais tolerantes do DE SÃO PAULO
É papel do homem fazer a mulher chegar primeiro ao orgasmo. Elas, porém, devem raspar pelos pubianos, para que fiquem atraentes. Homossexuais são aceitos.
Trata-se de uma descrição de uma sociedade bastante liberal, e pode surpreender saber que estamos falando das regiões islâmicas nos séculos após a difusão da religião, por volta do ano 600.
“O Oriente Médio era uma sociedade mais urbanizada e, em muitos sentidos, mais sofisticada que a Europa”, diz Stearns. Era, também, mais liberal com o sexo -vide “As mil e uma noites”, com histórias eróticas.
Apesar da virgindade feminina ser fortemente valorizada, um livro islâmico de 984 já reclamava que “hoje, quando um homem ama uma mulher, não tem outra coisa em mente a não ser erguer as pernas dela”.
Para Stearns, isso pode ter sido revertido a partir do século 19, em parte, como reação à liberalização ocidental.
Mesmo falando mais de sexo, mulheres sempre foram bastante reprimidas no Islã. O adultério é um dos principais crimes- mas eles podem se casar com várias.
“A mudança nas condições da mulher no ocidente provocou mais ênfase, entre os islâmicos, no lado restritivo e punitivo”, disse Stearns à Folha. “Pegas de surpresa nessa transição, muitas regiões adotaram uma postura de desconfiança.” Ganharam força, então, a burca, o Talibã e apedrejamentos.
(RM)Folha de São Paulo. Domingo 12/09/2010.
Casamentos viraram, há 10 mil anos, moeda de troca entre famílias; urbanização recente teve efeito contrário
Foi há 10 mil anos que o hímen se tornou importante.
Essa é a conclusão de Peter Stearns, grande especialista em história sexual da Universidade George Mason (EUA).
Seu livro “História da Sexualidade”, recém-lançado no Brasil pela editora Contexto, compara a vida típica de tribos nômades que vivem de caça e coleta com a das primeiras sociedades humanas pós-agricultura.
É inevitável, diz, perguntar: por que, de repente, a sexualidade feminina passou a ser vigiada e elas muitas vezes perderam até a chance de escolher seus parceiros?
Era diferente entre quem não plantava. “Grupos caçadores-coletores tinham fascínio pela sexualidade. A bissexualidade era comum.”
Houve a mudança porque, com a possibilidade de acumular patrimônio (caçadores não juntam excedente nem terras), filhas viraram moeda de troca entre famílias. Surgiu a herança e o dote.
Com a residência fixa e as famílias agrupadas, ficou fácil, especialmente para pais, supervisionar os outros.
Era importante zelar para que as filhas não engravidassem de gente indesejada -e para que os filhos também não engravidassem qualquer uma, mas sem testes de DNA esse problema era menor.
AMOR SÉRIO
Ainda que restritivas, civilizações antigas tratavam de sexo com naturalidade. Um mito egípcio dizia que o deus Atum se masturbava na água e acabou ejaculando o Nilo.
Isso prosseguiu com as sociedades clássicas. A Grécia foi muito tolerante com homossexuais. Rapazes eram “tutorados” por homens mais velhos na sexualidade.
“Platão disse ser mais provável que o amor sério surgisse entre homens, pois podia envolver uma mistura de sexo e interessante conversação intelectual”, diz Stearns.
Isso mostra que mulheres ainda eram reprimidas -ainda que os romanos valorizassem seu prazer, por exemplo.
Com a ascensão do cristianismo, porém, a maneira de lidar com o sexo endureceu. Na Idade Média, as cidades diminuem -e, em geral, quanto mais urbano um povo, mais liberal sexualmente.
Se religiões clássicas contavam aventuras sexuais dos deuses, Jesus nasceu de uma virgem. O sexo se aproxima do pecado. A homossexualidade cai na clandestinidade.
CIDADES PROMÍSCUAS
Com a Idade Média acabando, aos poucos as cidades voltaram a crescer. A industrialização, a partir do século 18, acelerou o processo.
Com o trabalho urbano, herdar terras deixa de ser vital. “Se o pai não podia assegurar herança, havia menos motivos para que os filhos aceitassem plenamente sua autoridade”, diz Stearns. O anonimato das cidade grandes também oferece menor controle sobre a vida alheia.
Países da Europa, EUA e Brasil só viraram majoritariamente urbanos no século 20. O sexo acompanhou e dominou a cultura, seja em Hollywood ou nas revistas, e a virgindade perdeu espaço.
A homossexualidade passou a ser vista com mais naturalidade, e países como a Espanha legalizaram o casamento gay recentemente.
Com métodos anticoncepcionais eficientes, o sexo pelo prazer disparou. As mulheres no mercado de trabalho se tornam menos dependentes das ordens paternas.
É um processo que ainda está acontecendo. Ainda hoje, por exemplo, metade do mundo vive em áreas rurais.
“Não sabemos se o mundo todo vai se industrializar. É difícil dizer que o padrão moderno de sexualidade triunfará, apesar de ser tentador dizer que no futuro teremos ainda mais aceitação do sexo pelo prazer”, diz Stearns.
que Ocidente
Regiões islâmicas eram bem mais tolerantes do DE SÃO PAULO
É papel do homem fazer a mulher chegar primeiro ao orgasmo. Elas, porém, devem raspar pelos pubianos, para que fiquem atraentes. Homossexuais são aceitos.
Trata-se de uma descrição de uma sociedade bastante liberal, e pode surpreender saber que estamos falando das regiões islâmicas nos séculos após a difusão da religião, por volta do ano 600.
“O Oriente Médio era uma sociedade mais urbanizada e, em muitos sentidos, mais sofisticada que a Europa”, diz Stearns. Era, também, mais liberal com o sexo -vide “As mil e uma noites”, com histórias eróticas.
Apesar da virgindade feminina ser fortemente valorizada, um livro islâmico de 984 já reclamava que “hoje, quando um homem ama uma mulher, não tem outra coisa em mente a não ser erguer as pernas dela”.
Para Stearns, isso pode ter sido revertido a partir do século 19, em parte, como reação à liberalização ocidental.
Mesmo falando mais de sexo, mulheres sempre foram bastante reprimidas no Islã. O adultério é um dos principais crimes- mas eles podem se casar com várias.
“A mudança nas condições da mulher no ocidente provocou mais ênfase, entre os islâmicos, no lado restritivo e punitivo”, disse Stearns à Folha. “Pegas de surpresa nessa transição, muitas regiões adotaram uma postura de desconfiança.” Ganharam força, então, a burca, o Talibã e apedrejamentos.
(RM)Folha de São Paulo. Domingo 12/09/2010.
sábado, 11 de setembro de 2010
No poema
No poema ficou o fogo mais secreto
O intenso fogo devorador das coisas
Que esteve sempre muito longe e muito perto.
O intenso fogo devorador das coisas
Que esteve sempre muito longe e muito perto.
O blog norte-americano The Big Picture publicou parte de uma extraordinária coleção de fotos coloridas tiradas entre 1909 e 1912. Naqueles anos, o fotógrafo Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii (1863-1944) realizou um levantamento fotográfico do Império Russo, com o apoio do czar Nicolau II. Veja parte dessa fascinante coleção e leia sobre a técnica utilizada por Prokudin-Gorskii
Dica da Leda Maria Lucas
Dica da Leda Maria Lucas
Versos
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma…
Versos…Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!
Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma…
Versos…Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!
Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…
Quarto
Deitou-se a tarde sobre
os corpos estendidos,
ainda agora tocaram
lá em cima,
onde o tecto se inclina sobre a esquina de domingo
e todas as outras horas da semana.
Há no mundo dois
cães longínquos,
um pássaro raro
e o arame que roda, e chia,
sobre si o cheiro da roupa
molhada.
Qualquer coisa espelha uma outra qualquer,
dois telhados antes do rio.
Não sei quantas luzes são essas,
nem qual é o reflexo,
de onde vem o eco,
porque dormes
e sinto sobre nós,
deitado,
o vento de todas as tardes,
a respiração do teu amor.
In curso intensivo de jardinagem, & etc
os corpos estendidos,
ainda agora tocaram
lá em cima,
onde o tecto se inclina sobre a esquina de domingo
e todas as outras horas da semana.
Há no mundo dois
cães longínquos,
um pássaro raro
e o arame que roda, e chia,
sobre si o cheiro da roupa
molhada.
Qualquer coisa espelha uma outra qualquer,
dois telhados antes do rio.
Não sei quantas luzes são essas,
nem qual é o reflexo,
de onde vem o eco,
porque dormes
e sinto sobre nós,
deitado,
o vento de todas as tardes,
a respiração do teu amor.
In curso intensivo de jardinagem, & etc
Abrigo o teu olhar na concha…
Abrigo o teu olhar na concha
das noites, na pálpebra inversa,
imensa, da prevista hesitação:
vês daqui a estrela mais secreta,
quando te descolas, contorno,
a sempre repetida oferta.
Vens, respiras, iluminas-te
na única escuridão que permites.
Julgava adivinhar-te, num ângulo
preciso da noite, convidas
sempre, em outro lugar, apenas
ofegante
das noites, na pálpebra inversa,
imensa, da prevista hesitação:
vês daqui a estrela mais secreta,
quando te descolas, contorno,
a sempre repetida oferta.
Vens, respiras, iluminas-te
na única escuridão que permites.
Julgava adivinhar-te, num ângulo
preciso da noite, convidas
sempre, em outro lugar, apenas
ofegante
Hallelujah
Now I’ve heard there was a secret chord
That David played, and it pleased the Lord
But you don’t really care for music, do you?
It goes like this
The fourth, the fifth
The minor fall, the major lift
The baffled king composing Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Your faith was strong but you needed proof
You saw her bathing on the roof
Her beauty and the moonlight overthrew you
She tied you
To a kitchen chair
She broke your throne and she cut your hair
And from your lips she drew the Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Baby I’ve been here before
I know this room and I’ve walked this floor
I used to live alone before I knew you
I’ve seen your flag on the marble arch
But love is not a victory march
It’s a cold and it’s a broken Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Well maybe there’s a god above
But all I’ve ever learned from love
Was how to shoot somebody who outdrew you
And it’s not a cry that you hear at night
It’s not somebody who’s seen the light
It’s a cold and it’s a broken Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Baby I’ve been here before
I know this room and I’ve walked this floor
I used to live alone before I knew you
I’ve seen your flag on the marble arch
But love is not a victory march
It’s a cold and it’s a broken Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Well there was a time when you let me know
What’s really going on below
But now you never show that to me do you
But remember when I moved in you
And the holy dove was moving too
And every breath we drew was hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
I’ve done my best, it wasn’t much
I couldn’t feel, so I learned to touch
I’ve told the truth, I didn’t come to fool you
And even though
It all went wrong
I’ll stand before the Lord of Song
With nothing on my tongue but Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
That David played, and it pleased the Lord
But you don’t really care for music, do you?
It goes like this
The fourth, the fifth
The minor fall, the major lift
The baffled king composing Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Your faith was strong but you needed proof
You saw her bathing on the roof
Her beauty and the moonlight overthrew you
She tied you
To a kitchen chair
She broke your throne and she cut your hair
And from your lips she drew the Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Baby I’ve been here before
I know this room and I’ve walked this floor
I used to live alone before I knew you
I’ve seen your flag on the marble arch
But love is not a victory march
It’s a cold and it’s a broken Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Well maybe there’s a god above
But all I’ve ever learned from love
Was how to shoot somebody who outdrew you
And it’s not a cry that you hear at night
It’s not somebody who’s seen the light
It’s a cold and it’s a broken Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Baby I’ve been here before
I know this room and I’ve walked this floor
I used to live alone before I knew you
I’ve seen your flag on the marble arch
But love is not a victory march
It’s a cold and it’s a broken Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Well there was a time when you let me know
What’s really going on below
But now you never show that to me do you
But remember when I moved in you
And the holy dove was moving too
And every breath we drew was hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
I’ve done my best, it wasn’t much
I couldn’t feel, so I learned to touch
I’ve told the truth, I didn’t come to fool you
And even though
It all went wrong
I’ll stand before the Lord of Song
With nothing on my tongue but Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Eveynu shalom aleinu
Israeli Jews:
Leah Shabat
Shlomo Gronich
Zehavah Ben
Eli Luzon
Palestinians:
Sahmir Shukri
Nivine Jaabri
Elias Julianos
Lubna Salame
TRANSLITERATION OF SONG
(Hebrew)
yesh beneynu hiburim
she’horeynu lo halmu
yesh beneynu diburim
she’ad koh lo nishme’u.
anahnu kan bishvil koolam
anahnu gesher ve’soolam
bishvil mi she’holem
bishvil mi she’halam.
ve’od be’hayeynu
ve’od be’yameynu
nashir be’koleynu:
HEVENU SHALOM ALEINU…
(Arabic)
idak lou yib’a idi
imanak wil’ahlam
minamar dinya jdidi
danya mahbi wa’salam
wilama ‘niya titsafa
kool inas biyib’ku nas
minsir eylet hub
eyli tishrab min kas.
min kas i’salam
min kas i’salam
kas i’salam:
MA ANA AJMAL MIN SALAM…
(Hebrew)
ken, horeynu kvar akhlu
boser ad etmol shilshom
akh shineynu titpal’u
lo tikhena od hayom.
(Arabic)
sawiyeh minwahed al’kaloob
sawiyeh minawer al’kool
ma awlad i’salam
ma awlad al-ahlam
(Arabic and Hebrew)
min kas i’salam ve’od be’hayeynu
min kas i’salam ve’od be’yameynu
kas i’salam nashir be’koleynu
Hevenu Shalom Aleinu…
Ma Ana Ajmal Min Salam…
Leah Shabat
Shlomo Gronich
Zehavah Ben
Eli Luzon
Palestinians:
Sahmir Shukri
Nivine Jaabri
Elias Julianos
Lubna Salame
TRANSLITERATION OF SONG
(Hebrew)
yesh beneynu hiburim
she’horeynu lo halmu
yesh beneynu diburim
she’ad koh lo nishme’u.
anahnu kan bishvil koolam
anahnu gesher ve’soolam
bishvil mi she’holem
bishvil mi she’halam.
ve’od be’hayeynu
ve’od be’yameynu
nashir be’koleynu:
HEVENU SHALOM ALEINU…
(Arabic)
idak lou yib’a idi
imanak wil’ahlam
minamar dinya jdidi
danya mahbi wa’salam
wilama ‘niya titsafa
kool inas biyib’ku nas
minsir eylet hub
eyli tishrab min kas.
min kas i’salam
min kas i’salam
kas i’salam:
MA ANA AJMAL MIN SALAM…
(Hebrew)
ken, horeynu kvar akhlu
boser ad etmol shilshom
akh shineynu titpal’u
lo tikhena od hayom.
(Arabic)
sawiyeh minwahed al’kaloob
sawiyeh minawer al’kool
ma awlad i’salam
ma awlad al-ahlam
(Arabic and Hebrew)
min kas i’salam ve’od be’hayeynu
min kas i’salam ve’od be’yameynu
kas i’salam nashir be’koleynu
Hevenu Shalom Aleinu…
Ma Ana Ajmal Min Salam…
domingo, 5 de setembro de 2010
Un bel di vedremo, ária da ópera Madama Butterfly, de Puccini
Un bel dì, vedremo
levarsi un fil di fumo
dall’estremo confin del mare. E poi la nave
appare. Poi la nave bianca
entra nel porto, romba il
suo saluto. Vedi? È venuto!
Io non gli scendo incontro.
Io no. Mi metto là sul ciglio del
colle e aspetto, e aspetto gran tempo
e non mi pesa, la lunga attesa.
E uscito dalla folla cittadina
un uomo, un picciol punto
s’avvia per la collina.
Chi sarà? chi sarà?
E come sarà giunto
che dirà? che dirà? Chiamerà
Butterfly dalla lontana.
Io senza dar risposta
me ne starò nascosta un po’ per celia…
e un po’ per non morire
al primo incontro,
ed egli alquanto in pena chiamerà, chiamerà:
piccina mogliettina olezzo di verbena,
i nomi che mi dava
al suo venire
Tutto questo avverrà, te lo prometto.
Tienti la tua paura,
io con sicura fede l’aspetto.
Un hermoso día veremos alzarse
un hilo de humo en el horizonte.
Y entonces aparecerá la nave.
Luego, esa nave blanca entrará
en el puerto, atronando con su saludo.
¿Lo ves? ¡Ya ha llegado!
Yo no bajo a encontrarme con él.
Me pongo allí, en lo alto de la colina,
y espero, espero largo tiempo
y no me pesa la larga espera.
Y saliendo de entre la multitud
un hombre, un punto pequeño
se destaca por la colina.
¿Quién será? Y cuando llegue,
¿qué dirá? ¿qué dirá?
Llamará a Butterfly desde lejos.
Y yo, sin dar respuesta,
estaré allí escondida,
un poco para inquietarlo,
y un poco para no morir
al primer encuentro, y él,
con alguna inquietud, llamará, llamará:
“Pequeña mujercita, olor de verbena”,
los nombres que me daba
cuando volvía a casa.
Todo esto ocurrirá, te lo aseguro.
Guárdate tu miedo,
yo con firmeza le espero
levarsi un fil di fumo
dall’estremo confin del mare. E poi la nave
appare. Poi la nave bianca
entra nel porto, romba il
suo saluto. Vedi? È venuto!
Io non gli scendo incontro.
Io no. Mi metto là sul ciglio del
colle e aspetto, e aspetto gran tempo
e non mi pesa, la lunga attesa.
E uscito dalla folla cittadina
un uomo, un picciol punto
s’avvia per la collina.
Chi sarà? chi sarà?
E come sarà giunto
che dirà? che dirà? Chiamerà
Butterfly dalla lontana.
Io senza dar risposta
me ne starò nascosta un po’ per celia…
e un po’ per non morire
al primo incontro,
ed egli alquanto in pena chiamerà, chiamerà:
piccina mogliettina olezzo di verbena,
i nomi che mi dava
al suo venire
Tutto questo avverrà, te lo prometto.
Tienti la tua paura,
io con sicura fede l’aspetto.
Un hermoso día veremos alzarse
un hilo de humo en el horizonte.
Y entonces aparecerá la nave.
Luego, esa nave blanca entrará
en el puerto, atronando con su saludo.
¿Lo ves? ¡Ya ha llegado!
Yo no bajo a encontrarme con él.
Me pongo allí, en lo alto de la colina,
y espero, espero largo tiempo
y no me pesa la larga espera.
Y saliendo de entre la multitud
un hombre, un punto pequeño
se destaca por la colina.
¿Quién será? Y cuando llegue,
¿qué dirá? ¿qué dirá?
Llamará a Butterfly desde lejos.
Y yo, sin dar respuesta,
estaré allí escondida,
un poco para inquietarlo,
y un poco para no morir
al primer encuentro, y él,
con alguna inquietud, llamará, llamará:
“Pequeña mujercita, olor de verbena”,
los nombres que me daba
cuando volvía a casa.
Todo esto ocurrirá, te lo aseguro.
Guárdate tu miedo,
yo con firmeza le espero
sábado, 4 de setembro de 2010
Casta Diva
Casta Diva, che inargenti O pure Goddess, who silver
queste sacre antiche piante, These sacred ancient plants,
a noi volgi il bel sembiante Turn thy beautiful semblance on us
senza nube e senza vel... Unclouded and unveiled...
Tempra, o Diva, Temper, o Goddess,
tempra tu de’ cori ardenti The brave zeal
tempra ancora lo zelo audace, Of the ardent spirits,
spargi in terra quella pace Scatter on the earth the peace
che regnar tu fai nel ciel... Thou make reign in the sky...
Fine al rito : e il sacro bosco Complete the rite : and the sacred wood
Sia disgombro dai profani. Be clear of the laity.
Quando il Nume irato e fosco, When the irate and gloomy God
Chiegga il sangue dei Romani, Asks for the Roman’s blood
Dal Druidico delubro My voice will thunder
La mia voce tuonerà. From the Druidic temple.
Cadrà; punirlo io posso. He will fall ; I can punish him
(Ma, punirlo, il cor non sa. (But my heart is unable to do so).
Ah! bello a me ritorna (Ah! Return to me beautiful
Del fido amor primiero; In your first true love ;
E contro il mondo intiero... I’ll protect you
Difesa a te sarò. Against the entire world.
Ah! bello a me ritorna Ah! Return to me beautiful
Del raggio tuo sereno; With your serene ray;
E vita nel tuo seno, I’ll have life, sky
E patria e cielo avrò. And homeland in your heart.
Ah, riedi ancora qual eri allora, Ah, return again as you were then,
Quando il cor ti diedi allora, When I gave you my heart then,
Ah, riedi a me.) Ah, come back to me.)
Translation by Stefano Olcese (solces@tin.it)
Fonte :Blog Leituras Favre
Casta Diva, che inargenti O pure Goddess, who silver
queste sacre antiche piante, These sacred ancient plants,
a noi volgi il bel sembiante Turn thy beautiful semblance on us
senza nube e senza vel... Unclouded and unveiled...
Tempra, o Diva, Temper, o Goddess,
tempra tu de’ cori ardenti The brave zeal
tempra ancora lo zelo audace, Of the ardent spirits,
spargi in terra quella pace Scatter on the earth the peace
che regnar tu fai nel ciel... Thou make reign in the sky...
Fine al rito : e il sacro bosco Complete the rite : and the sacred wood
Sia disgombro dai profani. Be clear of the laity.
Quando il Nume irato e fosco, When the irate and gloomy God
Chiegga il sangue dei Romani, Asks for the Roman’s blood
Dal Druidico delubro My voice will thunder
La mia voce tuonerà. From the Druidic temple.
Cadrà; punirlo io posso. He will fall ; I can punish him
(Ma, punirlo, il cor non sa. (But my heart is unable to do so).
Ah! bello a me ritorna (Ah! Return to me beautiful
Del fido amor primiero; In your first true love ;
E contro il mondo intiero... I’ll protect you
Difesa a te sarò. Against the entire world.
Ah! bello a me ritorna Ah! Return to me beautiful
Del raggio tuo sereno; With your serene ray;
E vita nel tuo seno, I’ll have life, sky
E patria e cielo avrò. And homeland in your heart.
Ah, riedi ancora qual eri allora, Ah, return again as you were then,
Quando il cor ti diedi allora, When I gave you my heart then,
Ah, riedi a me.) Ah, come back to me.)
Translation by Stefano Olcese (solces@tin.it)
Fonte :Blog Leituras Favre
Mocidade
A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa,
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;
Essa que fez de mim o Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
- Trago-a em mim vermelha, triunfante!
No meu sangue rubis correm dispersos:
- Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!
Ama-me doida, estonteadoramente,
Ó meu amor! que o coração da gente
É tão pequeno… e a vida, água a fugir…
Florbela Espanca
Ardente, extraordinária, audaciosa,
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;
Essa que fez de mim o Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
- Trago-a em mim vermelha, triunfante!
No meu sangue rubis correm dispersos:
- Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!
Ama-me doida, estonteadoramente,
Ó meu amor! que o coração da gente
É tão pequeno… e a vida, água a fugir…
Florbela Espanca
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Tentei fugir da mancha mais escura
Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.
Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.
Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão…
Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.
David Mourão-Ferreira
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.
Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.
Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão…
Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.
David Mourão-Ferreira
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Corpo
Adorei teu corpo,
Tombei de joelhos.
Escostei a fronte,
O rosto, em teu ventre.
Senti o gosto acre
De santidade
Do corpo nu.
Absorvi a existência,
Vi todas as coisas numa coisa só,
Compreendi tudo desde o princípio do Mundo.
Dante de Milano
Tombei de joelhos.
Escostei a fronte,
O rosto, em teu ventre.
Senti o gosto acre
De santidade
Do corpo nu.
Absorvi a existência,
Vi todas as coisas numa coisa só,
Compreendi tudo desde o princípio do Mundo.
Dante de Milano
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