quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Pop cult 55




Dani, será que conseguiremos o impossível de novo?

(...) a cidade era muito pobre naquele tempo, não me lembro bem por quê, mas nos jornais dizia-se que estava falida. O prefeito era um velho judeu simpático e desleixado cuja maior conquista foi escrever nas placas da 5th Ave “Don’t even think of parking here”. Os homeless eram os donos das calçadas e dos sinais de trânsito, com suas águas sujas, lavando vidros for a quarter. Num incêndio uma vez, no dormitório dos mendigos na East 3rd St., vi saírem mendigos que não viam a luz do dia há uma década, praticamente homens da caverna, nus, enrolados em cobertores fétidos... A violência comia solta. Vi um homem ser esfaqueado na barriga a um metro de mim. Vi também a polícia chegar para acudi-lo antes mesmo que eu pudesse piscar. Os poloneses e ucranianos dominavam a paisagem e eram donos de todos os apartamentos da vizinhança.

Basquiat e Haring grafitavam os prédios dos vizinhos, os meninos do Bronx faziam demonstrações de break dance na Washington Sq., o Spalding se apresentava em teatros esquálidos, o Serra destruía a galeria do Leo Castelli com suas esculturas monumentais, eu comia no food do Matta-Clark sem mesmo saber que era dele. E apesar de viver sempre com muito medo do dia seguinte: dura, eu sorvia a cidade. Fiquei tempo suficiente para ver as ondas de dinheiro transformarem o espaço físico e humano das vizinhanças: a destruição do Soho e do West Village, a reconstrução do Upper West Side, com a expulsão dos porto-riquenhos que tinham feito do bairro seu feudo por quase 30 anos, e o início da gentrificação do próprio East Village: o fim dos coffee shops dos gregos, substituídos por Starbucks. Mas tenho imensa fé em Nova York, que acredito ser o torso de um dinossauro adormecido, e as ondas vêm e vão, o dinheiro tenta desfigurá-la com avidez, mas ela lhe escapa pelas bordas...or so I dream. bjs, Dani

Vi “Pull my daisy” nesses dias. Eu e a Mariana. Temos lido muito sobre Kerouac e Ginsberg depois
que ela me mandou uma foto linda (a mais linda que já vi ) do Francis Bacon abraçado com o Burroughs andando por Londres. Adorei saber que você leu por lá, quando saiu “Just kids”. O livro de fotos da Judy Linn é demais. Ontem, ouvindo Cohen percebi uma frase que nunca havia notado: “There is a crack in everything, that’s how the light gets in”.

Como você sabe também muito bem, eu ADORO ser sua parceira e acho que juntos a gente arrebenta. Espero que ainda venhamos a explodir muitos palcos e telas por aí.
Dani, será que conseguiremos o impossível de novo?
Você é minha querida, amada, parceira. A mulher mais corajosa do oeste. Essa tempestade não é nada na rota da nossa longa viagem.
Tenho descansado bastante, conversado com meus filhos, olhando nos olhos deles, prestando atenção. Coisa que não fazia há muito tempo.
Mas à noite sonho intensamente com as filmagens. Especialmente com uma cena em que eu/a câmera nos movimentamos na superfície de um lago escuro. Saudades
então... são 3 da tarde e o dia virou noite e uma tempestade de raios tomou conta da cidade. eu poderia estar no avião, voltando para São Paulo.
Seremos sempre capazes de reverter expectativas? Dar sentido ao verbo experimentar? Fizemos 20 espetáculos juntos. Em todos, a preocupação conceitual, o desenvolvimento da ideia, a busca da forma e da linguagem. Adoecemos quando sentimos no ar qualquer traço de afrouxamento da dignidade artística.
Hoje, quando acabei de assistir à cabine de “Insolação”, me encolhi no chão e chorei por 5 minutos, de tanta emoção. Dani
Você está acordado?
ATENDE O TELEFONE!!!!!!
Nosso hotel em Veneza me lembrou uma frase do meu amigo Fabio Cardoso: “Um dia eu almoço no Mássimo, outro dia no máximo eu almoço”.
A cena fica assim, Dani
Você acha que não vai esquecer? Mas, vai...
Aí, você vai encontrar um papel, e vai pensar:
Qual foi o sentido daquilo? Você vai conhecer outra pessoa,
Não vai dar certo.
Você vai perceber — perto do fim — que um certo tipo de tênis está de volta.
O mundo vai parecer menor do que nunca,
O amor imenso.
Fui na Pina ontem. “Cafe Mueller” não envelheceu um dia sequer. Ainda é a coisa mais poderosa feita num palco desde que foi feita pela primeira vez. Eu estava tomada de emoção.
(...) no gala opening da season do Met, no final da ópera, os cantores foram ovacionados. Entram no palco os criadores: são unissonamente vaiados. O público ilustrado, embecado, enjoalhado de Nova York vaiou por dez minutos RICHARD PEDUZZI!!!!!!!!!!! Meu ídolo máximo. Estamos, meu querido, definitivamente, irremediavelmente fudidos. beijo, Dani
“Rigoletto” estreia dia 12 no Theatro Municipal de São Paulo. Estou reensaiando a Fernanda. Conversamos nos intervalos sobre tantas coisas. Nosso tempo juntos não é o bastante. Hoje só ensaiamos falar sobre McLuhan. Daniela Thomas, ou está em Pequim ou já voltou, eu não sei. Recentemente liguei pra ela e combinamos nosso segundo filme. Um dia ele acontece. Antes disso viajo pela Califórnia por dois meses. Não conheço a City Lights Bookstore. Quero ver onde o uivo de Ginsberg foi dado.

 Felipe Hirsch - 08 Aug 2011 



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