Constitui um enigma a obra do poeta e romancista suíço
Blaise Cendrars (Frédéric-Louis Sauser), nascido em 1887 e morto em 1961.
Impossível submetê-lo a uma escola ou, sequer, enquadrá-lo num dado momento
cultural. Sua literatura é múltipla, “difícil” para o leitor descostumado a seu
imaginário – apenas isso já é o suficiente para uma alentada exegese.
Blaise Cendrars diz muito ao Brasil. Ele entendeu nossa
cordialidade. Apaixonou-se pelo país em decorrência das viagens que fez ao
nosso país na década de 20 do século passado. Aqui não foi turista, mas
dedicado observador; favoreceram-lhe os passos os amigos modernistas que,
inclusive, arcaram com suas despesas. O investimento deu certo, porque Cendrars
retribui-o em páginas candentes sobre o Brasil. Influenciou e foi influenciado
pela geração da Semana de Arte Moderna.
A razão desta coluna é seu livro O Loteamento do Céu,
publicado originalmente em 1949 e saído aqui pela editora Companhia das Letras,
em bela tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti. Formalmente pode ser
considerada uma obra de memórias; sucede, porém, que se torna necessária certa
dose de abertura intelectual para costurar seus retalhos.
A ficha catalográfica deixa uma imprecisão a ser decifrada
pelo leitor, pois vai rotulada de biografia e de romance. E é justamente esse
caráter epiceno que lhe dá a maior amplidão conceitual possível – e seu
encanto.
O livro divide-se em três narrativas, cada qual tendo seu
foco específico – mas isso não impede de haver marchas e contramarchas, elipses
vertiginosas e perplexas anacronias, e conta com uma personagem, o próprio
Cendrars, que narra sua biografia como se fosse uma personagem.
Haveria muito a dizer sobre cada qual dessas narrativas, mas
havendo a necessidade da escolha, a segunda, A Torre Eiffel Sideral, merece
destaque. Cendrars a dedica a Tarsila do Amaral. A cena de substância é na
fazenda Morro Azul, apresentada a ele por Oswald de Andrade e Paulo Prado,
situada a 250 km de São Paulo.
Seu originalíssimo proprietário vive a desilusão de um amor
impossível por Sarah Bernhardt. Nem a descoberta de uma nova constelação, a da
Torre Eiffel, o consola. Com esse mote comovente Cendrars erige o pobre homem à
condição de metonímia da alma brasileira.
Cabe referir à tradução, exata, minuciosa e conotativa, à
altura do texto original. É um encanto lê-la. Vale por um tratado de bem
traduzir, e é uma estrada real para conhecer Cendrars.
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