quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Cendrars




Constitui um enigma a obra do poeta e romancista suíço Blaise Cendrars (Frédéric-Louis Sauser), nascido em 1887 e morto em 1961. Impossível submetê-lo a uma escola ou, sequer, enquadrá-lo num dado momento cultural. Sua literatura é múltipla, “difícil” para o leitor descostumado a seu imaginário – apenas isso já é o suficiente para uma alentada exegese.

Blaise Cendrars diz muito ao Brasil. Ele entendeu nossa cordialidade. Apaixonou-se pelo país em decorrência das viagens que fez ao nosso país na década de 20 do século passado. Aqui não foi turista, mas dedicado observador; favoreceram-lhe os passos os amigos modernistas que, inclusive, arcaram com suas despesas. O investimento deu certo, porque Cendrars retribui-o em páginas candentes sobre o Brasil. Influenciou e foi influenciado pela geração da Semana de Arte Moderna.

A razão desta coluna é seu livro O Loteamento do Céu, publicado originalmente em 1949 e saído aqui pela editora Companhia das Letras, em bela tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti. Formalmente pode ser considerada uma obra de memórias; sucede, porém, que se torna necessária certa dose de abertura intelectual para costurar seus retalhos.

A ficha catalográfica deixa uma imprecisão a ser decifrada pelo leitor, pois vai rotulada de biografia e de romance. E é justamente esse caráter epiceno que lhe dá a maior amplidão conceitual possível – e seu encanto.

O livro divide-se em três narrativas, cada qual tendo seu foco específico – mas isso não impede de haver marchas e contramarchas, elipses vertiginosas e perplexas anacronias, e conta com uma personagem, o próprio Cendrars, que narra sua biografia como se fosse uma personagem.

Haveria muito a dizer sobre cada qual dessas narrativas, mas havendo a necessidade da escolha, a segunda, A Torre Eiffel Sideral, merece destaque. Cendrars a dedica a Tarsila do Amaral. A cena de substância é na fazenda Morro Azul, apresentada a ele por Oswald de Andrade e Paulo Prado, situada a 250 km de São Paulo.

Seu originalíssimo proprietário vive a desilusão de um amor impossível por Sarah Bernhardt. Nem a descoberta de uma nova constelação, a da Torre Eiffel, o consola. Com esse mote comovente Cendrars erige o pobre homem à condição de metonímia da alma brasileira.

Cabe referir à tradução, exata, minuciosa e conotativa, à altura do texto original. É um encanto lê-la. Vale por um tratado de bem traduzir, e é uma estrada real para conhecer Cendrars.

 LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL -12 Sep 2011 


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