- RENATO JANINE RIBEIRO
Uma convicção difundida, entre comentadores da política e
cientistas políticos, é que partidos fortes são essenciais para a democracia.
Já filósofos e estudiosos da comunicação não se entusiasmam tanto pelos
partidos, mas reconhecem sua utilidade. Ora, um mantra da discussão política no
Brasil é que os partidos são fracos, representam pouco e tendem a expressar
mais os interesses dos políticos que os do eleitorado. Não espanta que nossa
legislação seja uma mãe para os partidos. Deixou de regulamentar seu
funcionamento interno, o que seria bom, não fosse o fato, revelado pelo Valor,
de que vários deles, mesmo importantes, funcionam na base de comissões
provisórias nomeadas pela direção nacional, sem democracia interna. Houve
momentos, na ditadura, em que a lei fixou um máximo de partidos (dois),
determinou que tivessem o "P" de partido em seu nome e até mandou
suas convenções se realizarem em Brasília. Bobagem, que passou. Mas continua
havendo vantagens para os partidos que, paradoxalmente, talvez expliquem por
que são fracos. Não precisam ir à luta, conquistar o apoio do povo. Isso os
fragiliza, isso nos fragiliza.
Por que, no Brasil, só partidos podem lançar candidatos? Não
é assim na França, Estados Unidos ou Grã Bretanha, três democracias exemplares,
fruto de grandes revoluções democráticas. Lá, quase todos os eleitos em nível
nacional pertencem aos principais partidos, mas isso não é obrigatório. Os
partidos se fortalecem sem serem donos da atividade eleitoral. São fortes
porque lutam por isso, não porque a lei lhes dê o oligopólio da política. Já no
Brasil só pode concorrer quem se filiou a um partido doze meses antes da
eleição - o que exclui do direito de se eleger 95% ou mais da população.
Essa oligopolização da política traz um adicional. Você se
filia sem a certeza de que será candidato. Entre você e o voto popular, está a
cúpula partidária. Itamar Franco se inscreveu no PMDB, em 1998, esperando
concorrer à sucessão de FHC. Uma vez filiado, o PMDB aproveitou o ilustre refém
para negociar com o governo tucano e liquidou sua candidatura. Mas é legítimo
uma pessoa, que pode expressar a vontade popular, ser impedida de ir às urnas
porque o partido lhe negou legenda?
Imaginemos que o PSDB se divida entre Serra e Aécio, em
2014. Se um deles notar que não tem chances no partido, sua única saída será
mudar de legenda antes de outubro de 2013. Ora, dificilmente um deles saberia
disso a tempo. Portanto, digamos que disputem a convenção. Quem perdê-la não
poderá apelar ao povo. Na França, Estados Unidos ou Argentina, poderia - e
poderia ganhar a eleição. Agora, à pergunta: isso enfraquece o partido? a
resposta adequada é: menos que o sistema atual. Hoje, o perdedor na convenção
dificilmente dará apoio entusiástico ao vitorioso. Muitos serristas acusaram
Aécio de corpo mole na eleição de 2010. Mas, se ambos puderem ir ao povo, o que
teremos? Certamente, outras lideranças partidárias - a começar por FHC -
tratarão de curar as feridas e negociar um acordo. Para isso, não precisa haver
uma lei barrando candidaturas. É melhor a lei ser aberta, e os conflitos se
resolverem na prática. Mais maduro.
Em termos municipais, nem se fala. Com raras exceções,
prefeitos se elegem em torno de temas locais - no mundo todo. A maior exceção
costuma estar à esquerda, mais afeita a propostas sociais, que interferem na
vida cotidiana. Mas, até porque em vários municípios as coligações se mostram
monstruosas, aliando partidos opostos no plano federal, por que não admitir
listas fora dos partidos? É um absurdo o prefeito de S. Paulo precisar criar um
partido para continuar na política, com todas as consequências que vimos nas
filiações ao PSD.
Em 2010, os tribunais eleitorais difundiram spots
publicitários sobre a importância do voto. A intenção era ótima. A ilusão,
total. Diziam que o Poder Executivo reduz as desigualdades. Ora, esse é um belo
ideal, mas só isso. Mostraram um eleitor sabatinando os candidatos, como se
disputassem um emprego. Na teoria, é assim. Na prática, os candidatos dos
grandes partidos têm muito mais poder que os cidadãos. No fundo, os spots
indicaram um problema de nossa política: que os tribunais eleitorais acabam
assumindo um papel que deveria ser dos partidos.
Tomemos os Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório - o
que leva a um grave problema, que é a abstenção maior entre negros e pobres,
que por isso recebem menor atenção dos políticos, o que aumenta o alheamento
político de negros e pobres, levando os políticos a lhes darem menos... Mas,
lá, se um partido quiser conquistar o voto de negros e pobres, terá de
convencê-los de que é importante votar. Ou seja, em vez de um spot abstrato, no
qual a Justiça cega e imparcial fala do voto em geral, teríamos spots
concretos, em que um partido diz: se quiser combater a corrupção, vote em nós;
se quiser eliminar a miséria, vote no partido tal; e assim por diante.
Isso acabaria com um aspecto que a eleição tem hoje: a
reserva de mercado. Por lei, os partidos têm o monopólio das candidaturas. Por
lei, os cidadãos têm de votar. Daí sucede que, no dia da eleição, muitos
votantes não saibam ainda em quem votar e peçam indicações a amigos. Eu o fiz,
em 2010, para deputado estadual. Ora, se você não está convencido de um
candidato, por que votar nele? Por que votar? Os partidos, oligopolistas da
política, têm apenas de disputar em quem você votará. Não precisam militar pela
causa da política. Não precisam convencer ninguém da importância do voto.
Funcionam como parasitas, não como atores da política. Isso tem de mudar.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e
filosofia política na Universidade de São Paulo.
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