quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Internação compulsória de menores viciados em crack



Crescente em todo o país, o consumo de crack é uma tragédia que se consuma em duas frentes. Uma, a da Saúde, produz números cada vez mais preocupantes sobre a quantidade de usuários entregues ao vício, praticamente irreversível e com um poder de destruição do corpo que leva, se não à morte em pouco tempo, mas seguramente a um horrendo processo de degradação física. Outra, a da Segurança, dá conta de estatísticas, principalmente nos grandes centros urbanos, que mostram uma relação direta entre a dependência e o aumento da violência decorrente da criminalidade. Em ambas as áreas, a vítima preferencial desse horror social são os jovens - o que só torna o fenômeno ainda mais condenável.

Os dados sobre o aumento do consumo do crack, uma substância derivada da pasta de cocaína e que provoca dependência quase imediata, sugerem que o problema deve ser tratado como assunto prioritário. A curva ascendente foi detectada por organismos como o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC). Segundo o órgão, a apreensão desse tipo de entorpecente no Brasil cresceu de 200 quilos em 2002 para quase 600 quilos em 2007 (o equivalente a 82% de todo o crack apreendido na América do Sul).

A droga já é a segunda maior causa de procura por atendimento nos centros do SUS especializados em abuso de álcool e tóxicos. No Rio, o vício se espalha principalmente entre a população de rua, afetando em geral menores desassistidos de amparo social. Em Salvador, até 2009 quase seis mil novos usuários haviam passado a ser atendidos por um programa de redução de danos da Universidade Federal da Bahia. Em Pernambuco, o crack está presente em todos os 184 municípios do estado - um quadro que se estende a quase todo o Nordeste. Em São Paulo e Minas, é assustador o aumento do consumo. Em Porto Alegre, um levantamento entre pacientes internados por dependência química mostrou, já em 2006, que 43% eram usuários de crack. Decorrente desse quadro de virtual epidemia, o consumo do crack liga-se diretamente ao aumento de indicadores de violência, principalmente homicídios.

Trata-se de uma tragédia que exige respostas imediatas do poder público e da sociedade como um todo. Neste sentido, é altamente positiva a decisão do município do Rio de recolher compulsoriamente a centros de internação menores flagrados no uso da droga em áreas conhecidas como cracolândias. A iniciativa, que começou a ser adotada no início de junho, logrou tirar das ruas, até a segunda quinzena de julho, 51 jovens dependentes. Logo em seguida, a prefeitura de São Paulo também anunciou adesão à política de internação compulsória, a ser implementada a partir de um parecer da Procuradoria Geral do Município.

São passos importantes, mas tímidos, por pontuais. As duas cidades e, de resto, todo o país, ainda não têm uma estrutura de atendimento aos dependentes em escala capaz de dar conta da crescente demanda de vítimas do vício. E recolher sem tratar corresponde apenas a manter uma realidade na qual, uma vez de volta às ruas, o usuário se reencontra com a droga. Também não contribuem para enfrentar o problema críticas a programas de internação, com argumentos segundo os quais, ao recolher menores viciados, o poder público lhes está negando o direito de ir e vir, e "sociologismos" do tipo. O flagelo é real, mostram os números e uma extensa crônica de tragédias provocadas pela droga. É uma luta sem espaço para a hipocrisia.

Recolher não é acolher - Wanderley Rebello Filho



TEMA EM DISCUSSÃO: Internação compulsória de menores viciados em crack

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência e discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Isto é o que consta do artigo 227 da Constituição. Há muito aprendi a não aceitar as coisas como elas são, e vou continuar assim. Doa a quem doer!

Crianças não têm educação, não têm profissionalização, não têm alimentação, não têm lazer, e agora não têm liberdade. Há um futuro sombrio para elas! Em reunião recente de que participei na OAB/RJ, sobre o tema "Recolher não é acolher", tomei conhecimento de detalhes das operações da Secretaria municipal de Assistência Social, sob o aval do MP e da Justiça. Trata-se do recolhimento e internação compulsórios de crianças e adolescentes, já tendo sido recolhidas mais de 240, sendo que destas, de acordo com a SMAS, apenas cerca de 80 estariam recolhidas. Mas estariam elas em locais adequados e com toda a assistência necessária? Dizem que não! Dizem que a natureza dessa operação é higienista? Espero que não seja!

Uma coisa eu sei: jamais funcionaram quaisquer ações que elejam a internação compulsória para posterior tratamento de dependentes químicos, ainda mais em se tratando de crianças e adolescentes que pertencem às classes populares menos favorecidas, em situação de rua. O "querer se tratar" é fundamental. Aprisionar para tratar - é isto que pode estar acontecendo - me assusta. Pode produzir resultados piores do que a própria dependência. O crack invade as ruas e quem paga é o usuário. Poucos traficantes são presos, a polícia não chega nem perto de alguma repressão, e quem vai para uma cadeia travestida de "acolhimento" são as crianças e os adolescentes.

Tem até certa razão o secretário quando disse que "ninguém faz nada", e que ele, ao menos, está tentando "fazer alguma coisa por essas crianças". Acho até que há boas intenções na iniciativa, mas elas só serão dignas de crédito quando houver mais transparência. Eu mesmo fui convidado a visitar a Casa Viva, em Laranjeiras, desde que marcasse dia e hora. Com hora marcada não visito mais nada! Minha experiência no Conselho Penitenciário do Estado me mostrou as maquiagens que são feitas nessas "cadeias" quando vão receber inspeções. Dizem que há crianças gritando diariamente nesses locais, já há denúncias de violências e de fugas, entre outras mazelas. Há uma linha tênue que separa o que é "Casa Viva" e o que pode ser uma casa de morte; que separa o que é recolher para tratar do que é recolher para torturar; que separa o que é céu do que é inferno para crianças e adolescentes. Cada um faz o seu currículo de vida, e não gostaria que isto desse errado para o signatário da medida.


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