domingo, 30 de junho de 2013

O Espírito de Liberdade

“O homem transfere para o ídolo suas paixões e qualidades. Quanto mais se empobrece, tanto maior e mais forte se torna o ídolo. Este é a forma alienada da experiência que o homem tem de si mesmo. Ao cultuar o ídolo, o homem cultua a si mesmo. Mas esse ‘eu’ é um aspecto parcial, limitado, do homem: sua inteligência, sua força física, sua energia, fama etc. identificando-se com um aspecto parcial de si mesmo, o homem limita-se a tal aspecto; perde sua totalidade de ser humano e deixa de crescer. É dependente do ídolo, já que somente na submissão a ele encontra a sombra, embora não a substância de si mesmo.” 
(Erich Fromm, “O Espírito de Liberdade”)


Discurso de posse, em 1994

"Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?" Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?...Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você.
E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo".

(Discurso de posse, em 1994)
Nelson Mandela

Adorável, irmãos, adorável


Como no terrível Terek os cossacos expulsaram,
Os cossacos expulsaram 40 mil cavaleiros.
E cobriram os campos, e cobriram as praias,
Centenas de pessoas picadas e feridas a tiro.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

O nosso atamã sabe quem escolhe
"Esquadrão, montar", mas esqueceram de mim
Eles permanecem animados na ação dos cossacos
Me deixaram no chão empoeirado e ardente.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

E a primeira bala, e a primeira bala
A primeira bala feriu o cavalo na pata.
E a segunda bala, a segunda bala,
A segunda bala me feriu no coração.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

A minha esposa vai lamentar um tempo, e então casar-se com outro
Casar com meu camarada, esquecer de mim
Apenas lamento pela liberdade no campo amplo
Apenas lamento por meu sabre afiado e por meu cavalo pardo.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

E minhas tranças castanhas, e meus olhos brilhantes,
A grama, as ervas e o absinto logo irão cobrir.
E meus ossos brancos, e meu coração valente,
Os gaviões e os corvos espalharão pela estepe.

Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.
Adorável, irmãos, adorável
Adorável, irmãos, é viver
Com nosso atamã não iremos lamentar.

~em russo~

Любо, братцы, любо

Как на грозный Терек выгнали казаки,
Выгнали казаки сорок тысяч лошадей.
И покрылось поле и покрылся берег,
Сотнями порубленных, пострелянных людей.

Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.
Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.

Атаман наш знает кого выбирает,
"Эскадрон, по коням", да забыли про меня.
Им осталась воля да казачья доля,
Мне осталась пыльная, горючая земля.

Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.
Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.

А первая пуля, а первая пуля,
А первая пяля в ногу ранила коня.
А вторая пуля, а вторая пуля,
А вторая пуля в сердце ранила меня.

Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.
Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.

Жинка погорюет, выйдет за другого.
За мого товарища, забудет про меня.
Жалко только волюшки во широком полюшке,
жалко сабли вострой да буланного коня.

Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.
Любо, братцы, любо,
любо, братцы, жить
С нашим атаманом не приходится тужить.

Кудри мои русые, очи мои светлые,
Травами, бурьяном, да полынью зарастут.
Кости мои белые, сердце мое смелое,
Коршуны да вороны по степи разнесут


RETORNELLO


Nunca mais retornemos ao jardim
como rosas ou lírios ou alegres girassóis
nem como ave celebrando no cipreste
o renascimento infinito da plumagem
em forma de uma flor qualquer.

Soldados armados de ventos uivantes
passariam por lá como nuvens explosivas
e arrastariam nossas almas renascidas
para a invernada dos espinhos.

Retornemos ao jardim em forma
de esperanças e sonhos e quimeras
porque os ventos ceifariam apenas
nossas flores...
Mas não saberiam como levar
as nossas primaveras...

Julis Calderón

(Numa lembrança de Che Guevara)

Vida


Para um destino incerto caminhamos,
Tontos de luz, dentro de um sonho vão;
E finalmente, a gloria que alcançamos
Nem chega a ser uma desilusão!

Levanta-se da sombra, entre altos ramos,
Como um fumo a subir, lento, do chão,
A distancia que tanto procuramos,
E os nossos braços nunca atingirão.

Mas um dia, perdidos, hesitante,
A alma vencida e farta, as mãos tateantes,
De repente, paramos de lutar;

E ao nosso olhar, cansado de amargura,
As montanhas têm muito mais altura,
O céu mais astros, e mais água o mar!


- Ronald de Carvalho, no livro “Poemas e Sonetos”, 1919.

O pântano


Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!...
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pântano é o túmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranqüilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, à espera de quem passa
Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta...

E eu sinto a angústia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da água morta!


- Augusto dos Anjos, in "Eu e outras poesias". 42ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Cárcere das Almas


Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
Que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

Ó Formas vagas, nebulosidades!
Essência das eternas virgindades!
Ó intensas quimeras do Desejo...


- Cruz e Sousa, do livro Últimos Sonetos, 1905.
Tira-me a luz dos olhos: continuarei a ver-te
Tapa-me os ouvidos, continuarei a ouvir-te
E embora sem pés caminharei para ti
E já sem boca poderei ainda convocar-te.
Arranca-me os braços: continuarei abraçando-te
Com o meu coração como com a mão
Arranca-me o coração: ficará o cérebro
E se o cérebro me incendiares também por fim
Hei-de então levar-te no meu sangue.

---

“Gosta de rosas? Parece-me agora que todas as rosas do mundo florescem para ti e graças a ti – e que apenas uma generosa renúncia tua permite à Primavera mantê-las e fingir que são delas”



-Rilke a Lou Andreas Salomé, Correspondência.

Poética


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


- Manuel Bandeira, no livro "Libertinagem e Estrela da Manhã". 14ª ed., Editora Nova Fronteira, 2000, pág. 32-33.
Se tantas vezes te importuno, ó Deus meu vizinho,
batendo forte à tua porta na noite extensa,
é porque te ouço respirar, da tua presença
sei: estás na sala, sozinho.
Se de algo precisares, não há ninguém ali
que possa te trazer um gole d’água sequer.
Vivo sempre à escuta. Dá-me um sinal qualquer.
Estou bem perto de ti.

Entre nós há apenas um muro, coisa pouca,
por mero acaso aliás;
bem pode ser que um grito da tua ou minha boca —
e eis que se desfaz
sem só rumor ou ruído.

Com imagens tuas o muro foi construído.

Diante de ti tuas imagens são como nomes.
E quando um dia dentro de mim esteja acesa
a luz com que te conhece minha profundeza,
será, nas molduras, brilho que se esbanja e some.

E os meus sentidos, que um torpor célere consome,
estão sem pátria, exilados da tua grandeza.


Rilke | O livro de Horas | Trad. José Paulo Paes
Tu, escuridão da qual descendo
de ti gosto mais que da labareda:
ela reduz
o mundo em que reluz
a uma espécie de círculo
fora do qual nenhum ser a conhece.

já a escuridão, em si tudo contém:
formas e flamas e animais, e eu
- assim como também ela reúne
pessoas e potências…

e pode ser isto: uma grande força
a se mover nos subúrbios de mim…

Acredito nas noites.

Trad. Geir Campos

*

Tu, obscuridade de onde emana
meu ser, amo-te mais do que à chama
que o mundo reduz
ao círculo da sua luz:
ali dentro, resplandece;
fora dali, ser nenhum a reconhece.

Mas na obscuridade tudo se contém:
as formas e as chamas, os animais e eu também,
nela que consorcia
existências e energias —

Pode bem ser que uma força sombria
se mova em minhas cercanias.

É às noites que minha alma se confia.

Trad. José Paulo Paes


Rilke | O livro de Horas
Nunca te vi, que não tivesse o desejo de te rezar. Nunca te ouvi, que não tivesse o desejo de acreditar em ti. Nunca te esperei, sem o desejo de sofrer por ti. Nunca te desejei, sem ter também o direito de me ajoelhar à tua frente. Sou para ti como o bastão para o caminhante, mas sem te apoiar. Sou para ti como o cetro é para o rei, mas sem te enriquecer. Sou para ti como a última pequena estrela é para a noite, ainda que a noite mal a distinguisse e ignorasse a sua cintilação.

René


Rilke | "Correspondência Amorosa", Rainer Maria Rilke e Lou Andreas-Salomé | trad. Manuel Alberto, Relógio D'Água Editora.

terça-feira, 25 de junho de 2013

A Luz nos Pulmões

O poema são fogueiras levantadas na garganta
ou um sono inclinado sobre as facas.

Alguém diz, a prumo
todos os nomes queimam,
e há uma deflagração assombrosa,

a palavra acende-se
com uma árvore de sangue ao centro

Jorge Melícias |

Os Povos


Milton Nascimento

Na beira do mundo
Portão de ferro, aldeia morta, multidão
Meu povo, meu povo
Não quis saber do que é novo, nunca mais
Eh! Minha cidade
Aldeia morta, anel de ouro, meu amor
Na beira da vida
A gente torna a se encontrar só

Casa iluminada
Portão de ferro, cadeado, coração
E eu reconquistado
Vou passeando, passeando e morrer
Perto de seus olhos
Anel de ouro, aniversário, meu amor
Em minha cidade
A gente aprende a viver só

Ah, um dia, qualquer dia de calor
É sempre mais um dia de lembrar
A cordilheira de sonhos que a noite apagou

Eh! Minha cidade
Portão de ouro, aldeia morta, solidão
Meu povo, meu povo
Aldeia morta, cadeado, coração
E eu reconquistado
Vou caminhando, caminhando e morrer
Dentro de seus braços
A gente aprende a morrer só
Meu povo, meu povo
Pela cidade a viver só

(via Eduardo Lacerda)

"Estamos a construir uma sociedade de egoístas. Se a ti te dizem que o que importa é o que compras, e segundo o que compras têm mais ou menos consideração por ti, então convertes-te num ser que não pensa senão em satisfazer os seus gostos, os seus desejos e nada mais. Não existe em nenhuma faculdade uma disciplina do egoísmo, mas não é preciso, é a própria experiência social que nos vai fazendo assim. Ao longo da História as igrejas e as catedrais eram os lugares onde se procurava um valor espiritual determinado. Agora os valores adquirem-se nos centros comerciais. São as catedrais do nosso tempo."

José Saramago

 “Eu me interesso pela linguagem porque ela me fere ou me seduz.”

(Roland Barthes)
Era um país muito engraçado / Não tinha escola, só tinha estádio / Ninguém podia protestar, não/ Porque a PM sentava a mão.
Não grito Fora Dilma porque tenho muito a Temer.
Classe média pacifista não me representa.



Não nos iludamos com a ideologia da paz!
Não gosto de bala de borracha! Joga um Halls.
Seu filho ficou doente? Leva pro estádio.
Petição on-line é o caralho. Saímos do Facebook.


Se não posso liderar não é minha revolução.
Se meu partido não pode participar não é minha revolução.
Se usarem a bandeira do Brasil não é minha revolução.
Se tiver quebra -quebra mesmo que não seja coisa do movimento não é minha revolução.
Se não tiver uma pauta histórica de reivindicação não é minha revolução.
Se não divulgar meu movimento não é minha revolução.
Se criticarem o governo não é minha revolução.
Se atrapalhar a copa não é minha revolução.
Se cantarem o hino nacional não é minha revolução.
Se não tiver UNE, MST, CUT ou qualquer outra repartição pública não é minha revolução.
Se tiver violência mesmo que pontual e localizada não é minha revolução.
Se não tiver o meu coletivo não é minha revolução.
Se não tiver liderança não é minha revolução.
Se não tiver uma petição online não é minha revolução.

Claro que não é a revolução de vocês. Isso é uma revolução, não um cafezinho cazamiga no findi tarde.


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Dialogo com Guimarães Rosa



"No sertão, cada homem pode se encontrar ou se perder. As duas coisas são possíveis. Como critério, ele tem apenas sua inteligência e sua capacidade de adivinhar."

- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".

Je suis comme je suis




Jacques Prévert

Je suis faite^comme ça »
Quand j'ai envie de rire
Oui je ris,aux éclats
J'aime celui qui m'aime
Est-ce ma faute à moi
Si ce n'est pas le même
Que j'aime chaque fois
Je suis comme je suis
Je suis faite comme ça
Que voulez-vous de plus
Que voulez-vous de moi
Je suis faite pour plaire
Et n'y puis rien changer
Mes talons sont trop hauts
Ma taille trop cambrée
Mes seins beaucoup trop durs
Et mes yeux trop cernés
Et puis après
Qu'est-ce que ça peut vous faire
Je suis comme je suis
Je plais à qui je plais
Qu'est-ce que ça peut vous faire
Ce qui m'est arrivé
Oui j'ai aimé quelqu'un
Oui quelqu'un m'a aimée
Comme les enfants qui s'aiment
Simplement savent aimer
Aimer aimer...
Pourquoi me questionner
Je suis là pour vous plaire
Et n'y puis rien changer.


 Littérature et Paroles

Nossa União



O tio Sam queria descansar
E o Brasil tratar do seu café.
Sempre que o mundo quer trabalhar,
Existe um mau elemento de pé.
E quando um louco
Diz que venceu,
Que o mundo é seu.
Quem é que vai-lhe dizer que não é?"

Valdemar Ressureição - Quatro Ases e Um Coringa.

sábado, 15 de junho de 2013

Pensar talvez não fosse

Pensar talvez não fosse

Pensar talvez não fosse a fórmula, o segredo,
senão dar-se e tomar perdida, ingenuamente,
talvez tenha podido eleger, ou necessariamente,
tinha que pedir sentido a toda coisa.

Talvez não fosse viver este estar silenciosa
e impiedosamente à beira da angústia
e este teimoso sentir por sob a sua música
um silêncio de morte, de abismo em cada coisa.

Talvez devesse quedar-me nos amores quietos
que poderiam encher minha vida com um nome
ao invés de buscar o evadido do amante,
despojado, sem alma, ser puro, esqueleto.

Pensar talvez não fosse a fórmula, o segredo.
senão amar-se e amar, perdida, ingenuamente.

Talvez pudesse subir como uma flor ardente
ou ter um profundo destino de embrionária
ao invés desta terrível lucidez amarela
e deste ser como estátua de olhos vazios.

Talvez tenha podido dobrar este meu destino
em música inefável. Ou necessariamente...


Idea Vilariño [trad. Matheus Pazos]

A alma encantadora das ruas

"A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopéia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária, a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas".
--------------
A alma encantadora das ruas, texto encantador de João do Rio, pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, (Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1881 — 23 de junho de 1921)1 jornalista, cronista, tradutor e teatrólogo brasileiro.)



Acrobata da Dor



Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! reteza os músculos, reteza
nessas macabras piruetas d'aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.


- Cruz e Sousa, do livro “Broquéis”, 1893.
Sempre vieni dal mare
e ne hai la voce roca,
sempre hai occhi segreti
d'acqua viva tra i rovi,
e fronte bassa, come
cielo basso di nubi.
Ogni volta rivivi
come una cosa antica
e selvaggia, che il cuore
già sapeva e si serra.

Cesare Pavese

sexta-feira, 14 de junho de 2013

A Escravidão de Nosso Tempo

''Muitas constituições foram criadas - a começar pela inglesa e a estadunidense, terminando com a japonesa e a turca - de modo a fazer com que as pessoas acreditassem que todas as leis estabelecidas atendiam a desejos expressos pelo povo. Mas a verdade é que não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, os EUA, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder. Portanto elas serão sempre, e em toda parte, aqueles que mas vantagens possam trazer à classe dominante e aos poderosos. Em toda a parte e sempre, as leis são impostas utilizando os únicos meios capazes de fazer com que algumas pessoas se submetam à vontade de outras, isto é, pancadas, perda da liberdade e assassinato. Não há outro meio.

Nem poderia ser de outro modo, já que as leis são uma forma de exigir que determinadas regras sejam cumpridas e de obrigar determinadas pessoas a cumpri-las (ou seja, fazer o que outras pessoas querem que elas façam) e isso só pode ser obtido com pancadas, com a perda da liberdade e com a morte. Se as leis existem, é necessário que haja uma força capaz de fazer com que alguns seres se submetam à vontade de outros e esta força é a violência. Não a violência simples, que alguns homens usam contra seus semelhantes em momento de paixão, mas uma violência organizada, usada por aqueles que têm o poder nas mãos para fazer com que os outros obedeçam à sua vontade.

Assim, a essência da Legislação não está no Sujeito, no Objeto, no Direito, na idéia do domínio da vontade coletiva do povo ou em qualquer outra condição tão confusa e indefinida, mas sim no fato de que aqueles que controlam a violência organizada dispõe de poderes para forçar os outros a obedecê-los, fazendo aquilo que eles querem que seja feito

Assim, uma definição exata e irrefutável para legislação, que pode ser entendida por todos, é esta: "As leis são regras feitas por pessoas que governam por meio da violência organizada que, quando não acatamos, podem fazer com que aqueles que se recusam a obedecê-las sofram pancadas, a perda da liberdade e até mesmo a morte".


[Liev Tolstoi; A Escravidão de Nosso Tempo]

A Correspondência de Fradique Mendes

"A alma modela a face, como o sopro do antigo oleiro modelava o vaso fino."


- Eça de Queirós

Claridade



A minha claridade é noite escura,
sol negro desviado por um muro
branco de cal, clarão que apaga o sol,
luz que me ofusca, sendo treva e luz.

Às estrelas reclamo que iluminem
o papel branco do meu longo dia,
o grafito que suja o alvo muro
do sol que, sendo noite, me alumia.

Quanto mais luz procuro, mais obscuro
me torno em pleno dia, e mais me assombram
as sombras que se juntam no arrebol.

Recorro à noite se quero mostrar
as frutas expostas do meu ser.
E se quero esconder-me, busco o sol.

- Lêdo Ivo, in "Crepúsculo Civil", 1990.


Não nascemos prontos

"A internet, dentre as mídias contemporâneas, é a mais fantástica e estupenda ferramenta para acesso à informação; no entanto, transformar informação em conhecimento exige, dado que o conhecimento (ao contrário da informação) não é acumulativo, mas seletivo."


- Mario Sergio Cortella 

Os imaginários dos protestos para:


Extrema direita - Finalmente pensa ter uma base social oposicionista jovem para tentar derrubar o governo federal do PT e as prefeituras da base situacionista. Percebem nos movimentos o "cansei" rejuvenescido e com base social, que finalmente vai dar certo, tal como o Comício da Central do Brasil e as rebeliões de marinheiros e sargentos foram para o começo de 1964. Quanto mais "baderna" melhor para combater a corrupção com o retorno da ordem da ultradireita.

Extrema esquerda - Finalmente pensa em ter uma base social oposicionista para tentar derrubar o governo federal do PT e as prefeituras da base situacionista junto com os governos estaduais do PSDB e aliados. Percebem nos movimentos algo como outubro de 1917, ou pelo menos algo como o que aconteceu no Egito/Tunísia e que com a direção correta finalmente vai dar certo e levará à revolução ultra socialista.

Radicais chic da classe média/alta - Depois de anos de aumentos salariais e de rendas não tão altos como deveria ser e "apertos econômicos" para necessidades crescentes, como pagar outra viagem ao exterior, e aeroportos cheios, e infra-estrutura inadequada, etc. Órfãos ideológicos depois de anos de falta de opção eleitoral e convicção nos "plebiscitos" entre o real poder "sequestrado" somente entre o PT X PSDB, afinal nenhuma terceira via deles se criou, desde o voto de protesto no Enéas, Heloísa Helena, Marina, talvez possa haver algo considerado com um cheiro de Paris-tipo-maio-de-1968 para romper a "corrupa" e o spleen local. Quanta intrepidez e estética pós-moderna nos movimentos jovens. E como as suas últimas candidaturas eleitorais alternativas municipais e estaduais naufragaram, não se realizaram para tentar tirar ou o PT, ou o PSDB do poder e, nem os votos nulos ou brancos também parecem não ter levado à lugar nenhum mesmo, vamos ver o que pode acontecer de bom.

Jovens de classe média para cima - Alguns estão entediados, alguns sempre foram mimados consumidores e em alguns casos educados sem muitos limites, revoltado com o aumento recente do estacionamento? Vítimas temerosas das concretas contradições e ameaças da violência urbana, não aguentando mais os pais sempre reclamando do Lula-Dilma e sempre perdendo nas eleições. Querem fazer um movimento via facebook e IPhone-IPad, sem líderes, sem qualquer líder que tenha ou possa vir a ter uma cara ou nome conhecido no futuro, um movimento sem partidos políticos organizados, passeatas sem lugar para discursos e palavras-de-ordem, será que dava para usar o twitter e resumir logo tudo, ao invés de um comício com gente falando conceitos e com discursos demorados ?

Jovens de classe média para baixo - Lutadores econômicos da nova classe trabalhadora, batalhadores econômicos, percebem um primeiro movimento de rua importante nas suas vidas políticas, querem derrubar o aumento das passagens e que realmente os prejudica financeiramente. Vítimas da violência urbana constante. Misturam e confundem os projetos políticos e ideológicos de poder reais e a história dos partidos políticos nos últimos 30-20 anos, conjunturas que não viveram (a conjuntura anterior dos anos 1980). Os pais e familiares tendem mais a serem denominados como os novos "emergentes" da "classe C" ou mesmo "D" dos últimos 10 anos de poder do PT, com alguma melhoria desde o período do Sarney na presidência (não o último que assumiu como presidente do Senado, mas o anterior ao Collor) mas sentem ainda que tudo isto ainda é muito pouco e a coxinha aumentou na cantina.

PSDB - Quer derrotar e colocar toda a culpa e responsabilidade no PT.

PT - Quer derrotar e colocar toda a culpa e responsabilidade no PSDB.

Lumpesinato político (alguns). Onde é que vai ter a próxima briga e o próximo pancadão mesmo ?

Tropas (alguns) - Onde está o gatilho mesmo ?

Dois lados não brigam fisicamente para valer se houver uma maioria disposta a impedir a briga. Sem uma maioria de direita moderada, centro e esquerda moderada - o pau-vai-comer e não se sabe para que lado vai cair!

Salve-se quem puder se isso acontecer !

Ricardo Costa de Oliveira