Se tantas vezes te importuno, ó Deus meu vizinho,
batendo forte à tua porta na noite extensa,
é porque te ouço respirar, da tua presença
sei: estás na sala, sozinho.
Se de algo precisares, não há ninguém ali
que possa te trazer um gole d’água sequer.
Vivo sempre à escuta. Dá-me um sinal qualquer.
Estou bem perto de ti.
Entre nós há apenas um muro, coisa pouca,
por mero acaso aliás;
bem pode ser que um grito da tua ou minha boca —
e eis que se desfaz
sem só rumor ou ruído.
Com imagens tuas o muro foi construído.
Diante de ti tuas imagens são como nomes.
E quando um dia dentro de mim esteja acesa
a luz com que te conhece minha profundeza,
será, nas molduras, brilho que se esbanja e some.
E os meus sentidos, que um torpor célere consome,
estão sem pátria, exilados da tua grandeza.
Rilke | O livro de Horas | Trad. José Paulo Paes
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