sábado, 6 de abril de 2019

Portugal ao contrário




Como se pode começar
Aquilo que já acabou
Como se pode acabar
Aquilo que não começou
Triste fado o fado nosso
O fado de um povo triste
Que nem a rezar pai-nosso
Evita este alegre despiste
O de ser ex-povo poeta
Porque virou nobre pateta

Ó meu Portugal
Que me dás o dia inteiro
A possibilidade de funeral
E todos os dias de nevoeiro
De afonsos sem qualquer dom
Sem segundos nem penúltimos
Porque agora sobes o tom
De sermos os primeiros dos últimos
Como cantar então a tua glória
Se só na derrota cantas vitória

Deste destino não me livro
De tanto bruxedo e feitiçaria
Narro-te em trovas de um livro
Porque é negra a tua magia
Desfeito dos teus feitos heróicos
Que te dilataram a fé e o império
Agora um punhado de paranóicos
Armados em heróis a sério
Cambada de panascos importantes
Que além do mais são praticantes

Já não acredito em querer
Que um dia vá acreditar
Na fé desse grande crer
Que me possas salvar
E me faças outra vez de novo
Filho de gente que sente
Gente de gente, gente do povo
Do povo de nação valente
E agora vai pior que mal
Numa estupidez imortal

Onde raio estão nossos irmãos
Para onde fugiram nossos amores
A quem dar as nossas mãos
Num país de desertores
Viraram-se todos ao contrário
Fugindo apressados à realidade
Montados neste triste cenário
Sem esperança na saudade
E do amigo ficou o esboço
Do inimigo a apertar o pescoço

Ó Portugal da mensagem
Já sem rosto de Pessoa
De Camões sem linhagem
Sem Porto e sem Lisboa
Virou fantasma o Viriato
Sebastião um morto-vivo
O teu povo no estrelato
Tua pátria um nado-vivo
E já nem o velho do restelo
Te idolatra como camelo

Foste castelos de tantas quinas
De reis e governantes além-mar
E agora hipotecas as salinas
Porque te esquivas ao teu mar
Foste o senhor de tanta guerra
Em busca do além-mundo
E agora enterras a tua terra
Enterrando o machado bem fundo
Que será de ti ó Portugal
Que só de besta se faz bestial

Reina e impera a estupidez
Governa a avidez e a ganância
E de olhos fechados tu não vês
Que a tua prol é ignorância
Que a votar não vota bem
Que a não votar vota mal
Porque o voto vota alguém
Que não te vota Portugal
São votos brancos, votos de chulos
São tudo votos, votos nulos

Canto-te assim o fim do império
Numa poesia de raiva e dor
Que te prova muito a sério
O tanto de tão pouco amor
E que te vê a desmaiar
Em queda tornada coma
Num hospício a tratar
E à venda na vandôma
A Europa desfigura-te o rosto
E o teu vinho sabe a mosto

Ó Portugal moribundo
A afogar-se à beira-mar
Destes mundos ao mundo
Sem o mundo nada te dar
Vais agora de vento em popa
Rumo à morte com certeza
Das migalhas fazes a sopa
Restos cozidos-à-portuguesa
Eis Portugal ao inverso
Lagutrop do meu verso

José Lourenço

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