– Antonio Prata
Há no sertão do Ceará uma pequena cidade chamada Salitre.
Salitre tem pouco mais de 5 mil habitantes, que dormem, comem e amam em
pequenas casas caiadas das mais diversas cores. Na rua atrás da igreja, entre a
casa azul, de seu Dedé, e a casa amarela, de Dona Lurdes, há uma casa roxa. Na
casa roxa mora o físico Anderson Motta do Nascimento. Desconhecido no Brasil,
há poucas semanas Nascimento – como é chamado lá fora – vem causando calorosos
debates na comunidade científica internacional, desde que apresentou sua tese
no 28º Encontro Internacional de Física, na Bulgária. Anderson só conseguiu
comparecer ao encontro graças à venda de três bodes, uma carroça e alguns sacos
de feijão de corda, plantado nas últimas chuvas. No congresso, falando um russo
fluente (coisa que mesmo os russos têm certa dificuldade em fazer), Anderson
expôs sua invenção.Pelo que se tem comentado, trata-se da maior revolução
tecnológica desde a invenção do pregador de roupas, e o brasileiro tem sido
comparado a Sigmundo Bernstein, pai (e mãe) da tampa de rosca.Não é, na
verdade, uma invenção, mas o contrário. Ele propôs, diante da platéia
boquiaberta, nada menos que a desinvenção do carro. Segundo seu raciocínio, se
o carro fosse desinventado, acabariam os acidentes de trânsito, uma vez que o
próprio trânsito sumiria. Sem trânsito e sem a queima de combustíveis fósseis,
o efeito estufa deixaria de existir, a poluição chegaria a níveis irrisórios (e
risíveis) e o número de doenças pulmonares cairia drasticamente. Tendo que usar
as pernas para a locomoção (coisa que, dizem alguns antropólogos,era costume em
algumas tribos pouco desenvolvidas das Américas e da Polinésia), as pessoas
seriam menos ansiosas, mais bonitas e saudáveis e o colesterol, numa visão
otimista, também seria desinventado, ficando os enfartes, derrames e tromboses
praticamente extintos.Sem a necessidade de asfalto por tudo que é lado, o solo
poderia voltar a ser permeável e as enchentes nunca mais aconteceriam. A lista
de benefícios que a desinvenção do automóvel traria é infinita, e não caberia
num tratado, muito menos numa crônica.
Empolgados com os estudos de nosso ilustre conterrâneo,
cientistas já declaram estarmos vivendo uma mudança nos paradigmas da ciência.
Entramos, segundo o historiador Eric Hobsbawn, na Era das Desinvenções –
possível título de seu próximo livro. Boatos indicam que a NASA estaria
estudando os impactos sociais da desinvenção do telefone, o que acabaria com a
linha ocupada, os trotes, os enganos, as chamadas a cobrar e faria com que as
pessoas, a cada vez que quisessem se falar, se encontrassem.Ninguém ousa ainda
comentar o que acontecerá se as desinvenções forem levadas a cabo, mas em
Salitre, Ceará, dentro das casas coloridas, onde os amigos e parentes de
Anderson dormem, comem e amam, agora também se prepara muita buchada, jerimum e
farofa para a chegada do filho pródigo na próxima semana. Pelo menos por ali,
durante alguns dias, a rotina está sendo desinventada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário