Uma das maiores dificuldades que enfrentei em sala de aula
foi a de convencer os alunos que a falácia da circularidade em argumentos é
mesmo uma falácia. Por mais exemplos que você use para mostrar que tais
raciocínios não funcionam, sempre ainda fica a dúvida de saber onde está o
erro. Os alunos questionam: “E daí? Ainda sim é uma justificativa”. Isso
acontece porque nós professores pressupomos que os alunos conseguem reconhecer
diretamente que a circularidade argumentativa é um erro - por isso, nos
contentamos com exemplos. Mas nem nós professores conseguimos reconhecer
diretamente. Para reconhecer a circularidade argumentativa, precisamos dos
conceitos de cogência e de justificação última.
A falácia da circularidade acontece quando procuramos
justificar uma ideia com outra de mesma força cognitiva. Por exemplo, a
proposição “Todos os acontecimentos naturais são regulares” possui a mesma
força cognitiva que a proposição “Observamos que os acontecimentos naturais são
regulares. Veja a formulação de um argumento envolvendo estas ideias:
Observamos que os
acontecimentos naturais são regulares.
Logo, todos
acontecimentos naturais são regulares.
O que justifica a ideia “Os acontecimentos naturais são
regulares” não pode ser a ideia “Observamos que os acontecimentos naturais são
regulares”. Isso decorre do fato de que a observação que os acontecimentos
naturais são regulares não garante que os acontecimentos são regulares. Pode
acontecer de nossa observação ser falha. Podemos falhar, por exemplo, em não
constatar que a regularidade vale para alguns acontecimentos naturais e não
vale para outros. Nesse caso, não se segue que todos os acontecimentos naturais
são regulares. Só alguns são regulares. Aí, não podemos nos convencer da
verdade da ideia que usamos para justificar, isto é, da verdade da premissa.
Tal fato envolve os dois conceitos já mencionados: cogência e justificação
última.
Em raciocínios cogentes, pretendemos justificar a conclusão
com base nas premissas. Isso significa que as premissas devem ser mais
confiáveis ou mais fortes do que a conclusão, já que é a partir das premissas
que procuro garantir a verdade da conclusão. Isso acontecendo, o argumento é
cogente. Se a premissa não for mais confiável do que a conclusão, não
conseguimos garantir por meio do argumento a verdade da conclusão. No
raciocínio formulado acima, a ideia expressa na premissa possui a mesma força
cognitiva da ideia expressa na conclusão. Logo, não consegue-se garantir a
verdade da conclusão através da premissa. As duas ideias precisam igualmente de
uma justificação para acreditar na verdade delas.
No fim das contas, a circularidade é uma falácia porque a
premissa não é uma justificativa última, ainda permanece a necessidade de mais
uma justificação. No exemplo que estou usando, ainda permanece a dúvida de
saber o que justifica a ideia de que os acontecimentos naturais são regulares.
Isso quer dizer que a premissa nem sequer cumpre sua função de justificar* a
conclusão. Portanto, o argumento é falacioso. Parece haver uma justificativa*
para a conclusão, mas não há.
*Comentando sobre este texto no Facebook, Desidério Murcho
me lembrou de um ponto muito importante para este assunto. É o da distinção entre
justificação e justificação adequada. Como disse ele, “Uma justificação má é
ainda uma justificação”. No entanto, não é uma justificação adequada. Os
argumentos circulares possuem justificação mas não justificação adequada.
Então, aproveito para corrigir o final do texto: isso quer dizer que a premissa
nem sequer cumpre a função de justificar adequadamente a conclusão. Portanto, o
argumento é falacioso. Parece haver uma justificativa adequada para a
conclusão, mas não há.
Thiago Melo
Crítica Autônoma
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