domingo, 1 de outubro de 2017

O que as melhores escolas públicas têm em comum


As escolas públicas com melhor desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são as federais e as militares. Também entram neste grupo algumas escolas técnicas estaduais, como a ETESP em São Paulo. O que essas escolas têm em comum é pouco explorado no atual debate sobre o ensino médio (até mesmo porque aqueles que têm mais propriedade sobre o assunto, os professores do ensino básico, são excluídos do debate). São três coisas que essas escolas possuem em comum: elas são autarquias, seus professores possuem autonomia pedagógica e a remuneração destes profissionais são justas. Vou tentar mostrar aqui que a ausência destas três coisas é o maior problema do ensino básico brasileiro.
Ano passado, uma das salas em que eu lecionava tinha mais de 40 alunos. É comum uma sala com mais de 40 alunos nas escolas públicas estaduais. Mas essa especificamente era frequentada por uma quantidade enorme de alunos indisciplinados. Considerando também o enorme degaste que era trabalhar nesta turma (para alunos e professores), o resultado foi uma aprendizagem ruim. Era consenso entre professores, equipe pedagógica, pais e os próprios alunos que o melhor era dividir a sala. Após uma reunião com os pais, fizemos um pedido à Secretaria de Educação do Estado (PR) para dividir a turma. A resposta foi negativa. Entraves burocráticos como esse na administração de uma escola não se reduz à questões pedagógicas. Os entraves se estendem à logística, à manutenção física e ao departamento pessoal. Já o grupo das melhores, são autarquias. Elas possuem autonomia administrativa, e estão livres de vários entraves burocráticos que prejudicam a escola. Até autonomia para fazer prova para seleção de alunos elas possuem. Em qualquer boa instituição pública no mundo, o grau de autonomia administrativa é muito maior que o da maioria das escolas estaduais no Brasil. Isso por uma razão simples: quem melhor sabe o que deve ser feito é quem está no dia a dia da administração. Mesmo que muitas vezes toma-se medidas equivocadas, as chances de quem está de fora errar é muito maior. O resultado está aí para todos verem. A maior parte das escolas públicas do Brasil não são autarquias e são ruins.
A autonomia pedagógica dos professores também é bem maior no grupo das melhores. Até mesmo nos colégios militares, diferente do que se pensa, a autoridade do professor (autor da aula) é respeitada. Nestas escolas, o respeito à capacidade profissional do professor e ao fato dos professores serem os autores da aula oferece muito mais condições de ensino. É o professor que mais tem contato com o aluno no tratamento do conteúdo apresentado. Assim, é ele que tem mais propriedade para apontar as dificuldades de aprendizado dos alunos e propor as medidas adequadas para garantir o aprendizado do conteúdo. Mas, atualmente, é quem está fora da sala de aula que mais dita as ações a serem tomadas. Na maioria das escolas estaduais, pais, pedagogos e direção pressionam muito em relação as ações a serem tomadas. Nos pressionam sobre a maneira como as provas devem ser feitas, sobre a quantidade de avaliações a serem feitas (há escolas que exigem até seis avaliações bimestrais) e sobre o que deve ser feito com aluno indisciplinado e agressor. Neste último caso, mais precisamente, nos pressionam a não fazer nada. Pois tomar medidas disciplinares dá trabalho. É muito importante para qualquer profissional a orientação de colegas. Mas não é isso que acontece. O que acontece é pressão mesmo. Pressão de quem não tem a capacidade devida, de quem quer evitar trabalho e de quem não vê outra coisa além de sua ideologia pedagógica - vou dar nome aos bois: a ideologia que o professor é um opressor.
Quer queira ou não, uma remuneração justa também é uma característica das boas escolas. O salário base em início de carreira no grupo das melhores, para 40h de trabalho, fica em torno de 3.400 à 5.000 reais. Nas escolas públicas estaduais, a média é de aproximadamente 2.700 reais. Essa média chega a este valor por que alguns Estados, como MT, MS e DF, pagam por volta de 3.800. Mas a maioria dos estados pagam abaixo da média. No grupo das melhores, além disso, há o reconhecimento financeiro devido de mestrado e de doutorado e também há vale-alimentação. No caso das escolas estaduais, em alguns Estados não há pagamento de vale-alimentação, como também não há reconhecimento financeiro de mestrado e de doutorado, como é o caso do Paraná, onde leciono (aqui há um mestrado reconhecido que é oferecido pelo Estado. Mas é preciso esperar uma década em média para conseguir vaga. Se fez mestrado em outro lugar, na UFPR, por exemplo, não é reconhecido). Para além da obviedade de que uma remuneração justa é importante para qualquer trabalho, chamo a atenção para o nível de profissional que ela atrai. Salário bons atraem melhores profissionais e salários ruins espantam os melhores profissionais. Há mais duas questões relacionadas ao salário que são importantes. Primeiro, o grupo das melhores concedem mais horas-atividades (tempo para preparar aulas, fazer e corrigir avaliações e etc.) que a maioria das escolas estaduais. Há estados que nem cumprem o mínimo exigido por lei, que é 33% de hora-atividade. O que significa que boa parte do trabalho é de graça. Segundo, a garantia de 40h de trabalho nas escolas estaduais é parcial. A maioria dos concursos públicos são para 20h. Isso provoca a cada ano um corre corre para conseguir aulas, e alcançar as 40h, sendo comum não conseguir.
Vale lembrar mais uma vez, que tais pontos são ignorados nas discussões e nas medidas políticas sobre o ensino básico, inclusive na atual reforma do ensino médio proposta pelo Governo Federal. No horizonte, até podem ter em contas essas ideias, mas com o interesse repugnante de entregar, depois de precarizar de vez, para as ONGs que atualmente ditam o ensino básico brasileiro e esta reforma do ensino médio (Instituto Ayrton Senna, Fundação Lemann, Fundação Itaú Social e Movimento Todos pela Educação).

Thiago Melo



Crítica Autônoma

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