Muitos professores de filosofia insistem que o ensino e a
análise de ideias filosóficas não podem ser feitos sem levar em conta a vida
pessoal e profissional dos filósofos que as conceberam. No entanto, a
justificação desta insistência não apresentam. Esta falta de justificativa é a
primeira pista para entender a posição que tomam.
Quando não apresentamos justificativas de nossas posições,
as pessoas interessadas no assunto vão procurar pontos que possam justificar as
posições apresentadas. Fazemos uma retrospectiva da memória que temos da
pessoa. Sua história pessoal, as relações que tivemos com ela, se for o caso, o
tipo de trabalho que faz etc. Aí, se, por exemplo, a pessoa defende a liberação
do uso de drogas, levamos em conta se ele é um usuário, se ela em algum outro
momento conversou sobre o assunto, se ela é de esquerda etc. Enfim, procuramos
razões para ela defender a ideia que defende na sua biografia. É isso que um
historiador da filosofia faz quando filósofos não apresentam razões ou boas
razões para as ideias que defende: ele vai procurar na biografia do filósofo.
Não é por acaso, portanto, que os professores que mais insistem na importância
da biografia de um filósofo são aqueles que estudam ideias filosóficas que não
são bem justificadas.
Seguindo esta linha, constatamos que as pessoas que
sustentam que o ensino e a análise de ideias filosóficas não podem ser feitos
sem levar em conta a vida pessoal e profissional dos filósofos dão como já dado
definitivamente que as ideias filosóficas são subjetivas. Isso significa que as
ideias filosóficas dependem muito do sujeito que as concebem. Se alguém defende
que a definição de conhecimento é X, ela defende isso devido, fortemente ou
exclusivamente, a seus interesses pessoais. Assim, as ideias filosóficas, antes
de ser sobre o mundo, são sobre as pessoas que as concebem. Por exemplo, Platão
defendeu que a definição de conhecimento é X porque é desejo dele que a
definição seja essa, não porque ela de fato é essa. Nessa situação, faz todo
sentido considerar a biografia de um filósofo como indispensável para entender
suas ideias.
Já com relação às ideias de outras áreas de conhecimento,
pensam que são objetivas ou possuem graus de objetividade que as filosóficas
não possuem. Por isso, não veem dificuldades em ensinar e analisar uma ideia da
física ou da matemática independente da biografia do autor.
O problema é que não é definitiva ainda a posição de que as
ideias filosóficas são subjetivas e as ideias das ciências naturais e da
matemática são objetivas. Este é um problema filosófico em aberto. Muitos
filósofos, inclusive eu, defendem que as ideias filosóficas são mais objetivas.
Outros são céticos, ou seja, não tomam posição sobre o assunto. Enfim, a
resposta para este problema ainda está sendo investigada. E não há uma resposta
definitiva ainda.
No mínimo, portanto, as razões que um subjetivista
filosófico tem para considerar a biografia de um filósofo são as mesmas que um
objetivista ou um cético tem para não considerar. Caso o subjetivista ache que
ele tem razões melhores, é preciso apresentar. Apenas expressar uma posição é
expor uma mera opinião. E acho que há consenso de que o ensino de filosofia não
é o ensino de meras opiniões. Pois seria a disseminação de preconceitos, de
ideias sem a devida avaliação crítica.
Thiago Melo
Crítica Autônoma
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