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No céu apenas duas
Nuvens ao rés da terra
e sem destino
certo, uma extensão do
pó, sem medida,
as bisnagas, tão
somente cinco plantas
espargidas no monte
magro,
uma lebre assombrosa,
um veado
talvez, e a tarântula,
o escorpião
astuto, as formigas
gigantes,
os coiotes, os animais
pobres
puxados pelo avanço
teimoso
dos homens até o
limite
último, a vida, este
cobre
deserto na memória, a
luz
que, feita metal,
delira. Meio-dia
sem fronteira, seco,
duro,
um vento e este pó
decisivos.
Aí estou eu, feito um
torrão
do tempo, com a
garganta a punhaladas
ardida. A lua é um
coiote
cego. Afundo o arado
neste terra
irada. Extraio ervas,
minerais
certos. Os fósseis
tragados
pelo âmbar, o sangue e
sua corrente
de papoula. Aqui faz a
morte,
mas nasce o idioma,
está aqui
o espanhol, suas
consoantes,
a suave voz sussurro,
o poema
San Juan, essas cores
ávidas
do Greco, todas as
letras fricativas,
a lua palatal, o
tempo, o sacrifício.
Em cima, nas
montanhas, as águas turbulentas,
dominadas. Embaixo
está a luz aos borbotões,
dura. Aproxima a hora
do panal,
o dia do lavrador, o
vaticínio
exato e o vinhedo,
a risonha floração da
abelha.
Quando a tarde então
se reclina
na nuvem mortal,
quando em meu quarto
se estaciona um
crepúsculo antigo
e ronda um tigre pela
cama opaca
e acossa minha
garganta, a memória
trai, descubro-te na
minha sombra,
busco teu centro
vegetal, noturno,
afundo o arado nesta
terra amada.
Quando esse tigre,
então, se apresenta
com sua boca tremenda,
destruidora,
quando mastiga o corpo
magro
do veado, ele,
implacável, só,
em metade deste
planalto de cobalto,
edifica um pleno dia,
sob este sol
salobro, uma imagem
noturna
da morte. Talvez então
suas estrelas puras
brilhem um pouco mais
com esse sangue.
Embaixo está o silêncio,
a estrutura cristal
dos objetos.
Porque tudo se agita
em uma pressa
de puras carniças. E
os diamantes
mesmos, por assim
dizer, apodrece
e o ferro se derrete
ou grasna.
Apareces então no eco
de outro
eco perdido, já em mim
recobrado.
Tão ausente teu
sorriso, tão longe
tu toda, tão longe. Eu
mesmo
o cervo devorado, eu
esse tigre
também de luz e de
fadiga.
Já não posso dormir.
Ergo-me,
frio. Quando a cama,
pois,
a cama mesma é um
leito de cactos
e se escuta na rua o
pavor
de mandíbulas e eu só
recordo
aquele sol, sua chaga
certa,
quando a cama toda se
levanta
comigo, porque o
próprio insone
a rebela, quero
tocar-te
entre a luz e o pó,
como uma abelha
azul, e é impossível.
A luz do ocidente e a
tarântula,
as formigas guerreiras
que desarmam
os élitros do grilo ou
o olho seco
da mosca que vê dez
vezes dez
o mesmo objeto,
refugiam-se dentro
de suas covas, quando
o silêncio
então se retira dentro
dos cactos
do deserto, e o tigre
dorme
junto à carne seca de
sua vítima,
aí, nesse mesmo espaço
aberto
pelos ventos, estou
também,
enterrando o arado,
tocando-te
sensual, furiosamente,
mastigando,
uma, mil vezes, mil
vezes mil
mil vezes trabalhar e
viver,
mil vezes mil mil
vezes, mil.
Jaime Labastida / As
quatro estações / Animal de Silêncios
trad. Hermenegildo
José Bastos
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