sábado, 13 de setembro de 2014

A FEBRE



as mãos da febre entram em volúpia nos corpos desalojados. moldam crianças nos rostos, acendem labaredas nos olhos.

caçadora-irmã dos lobos que saltam das veias, a febre faz o medo afiar-se num outro espaço ôntico e os pés estremecerem numa casa de novos partos.

os membros de bronze fundido agarram as horas pela nuca em banhos de gelo suado. querem alcançar o escadote que leva para além das clepsidras.

a febre devora os náufragos. envolve num estranho carnaval aqueles que perderam todas as máscaras e se esqueceram de tirar a gargantilha.

as patas da febre sulcam trilhos infernais na voz. aurora boreal estilhaçada no corpo, corrompida em fios quentes de tecer infernos e outras místicas alcovas.

mas a febre não é vermelha, a febre é negra como a boca dos velhos. a febre faz os dentes medirem o vazio entre as estrelas.
Abre a boca pássaro cego 

(de María Ramos; trad. de Alberto Augusto Miranda)


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