sexta-feira, 30 de abril de 2010

Os beijos cheios de paixão

" Os beijos cheios de paixão, diferentes de todos os que recebera, fizeram-lhe esquecer, de repente, que ele amava, talvez, outra mulher. Pouco depois, aos seus olhos já não era culpado. O cessar da dor pungente, vinda da suspeita, a presença de uma felicidade que ela nem sequer nunca sonhara deram-lhe exaltações de amor e de alegria louca. Aquela noite foi encantadora para todos, menos para o presidente de Verrières, que não podia esquecer os seus industriais enriquecidos. Julião não pensava já na sua negra ambição, nem nos seus projectos tão difíceis de executar. Pela primeira vez na sua vida era arrastado pelo poder da beleza. Partido num sonho vago e doce, tão estranho ao seu carácter, apertando devagarinho aquela mão que lhe agradava como uma beleza perfeita, escutava o movimento das folhas de tília, agitadas pela leve brisa da noite, e os cães do moleiro do Doubs, que ladravam ao longe. Mas esta emoção era um prazer e não uma paixão. Ao entrar no seu quarto pensou apenas numa felicidade: a de voltar a pegar no seu livro favorito; aos vinte anos a ideia do mundo e do efeito a produzir nele sobrepõe-se a tudo. "



Excerto de " O vermelho e o negro ", de Sthendal, Trd. Maria Manuel e Branquinho da Fonseca, Ed. RBA Editores,1994

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