sexta-feira, 30 de abril de 2010

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos



detidos: hei-de partir quando as flores chegarem



à sua imagem. Este verão concentrado



em cada espelho. O próprio



movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios



dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias



internos.





Vou morrer assim, arfando



entre o mar fotográfico



e côncavo



e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas



o sangue que se agrava.





Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,



ígneo nessa criança



contemplada. Eu abandono estes jardins



ferozes, o génio



que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva



aos precipícios de agosto, e a mansidão



traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar



palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.



Cada dia é um abismo atómico.





E o leite faz-se tenro durante



os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro



que talha no calcário a rosa congenital.



A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.



O verão é de azulejo.



É em nós que se encurva o nervo do arco



contra a flecha. Deus ataca-me



na candura. Fica, fria,



esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança



dá a volta à noite, acesa completamente



pelas mãos.

Herberto Helder

Cobra
Poesia Toda
Assírio & Alvim
1979

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