A consoada
" Sentados à grande mesa, todos riem e galhofam, mas eis que chega o esperado e fiel amigo. Faz-se então o silêncio das grandes ocasiões. Nem palavra, porque a coisa impõe respeito. Enchem-se os pratos desta delícia e é uma refeição inteira, que para ser a preceito apenas se completa com os doces tradicionais desse dia e as frutas secas que também é de uso petiscar - os figos, as passas de uva, as pêras e as ameixas, a noz, a avelã, a amêndoa e o pinhão -, e que, depois do honesto vinho de mesa, fazem boca para os mais apaladados e espirituosos néctares, que no Alto Douro são de se lhe tirar o chapéu. Nisto degenerou a parca ceia de magro, da originária consoada, e temos em boa razão de convir que degenerou bem, evoluiu num mais lato e farto sentido das coisas, quer pela graça sentimental, quer no verdadeiro conteúdo. Dá aprazimento e conforto. Pelo tempo frio come-se melhor. Bênçãos devemos aos céus, quando generosamente as coisas, assim a nosso contento se transformam. E é este o caso."
Excerto de " A consoada ", incluído no " Roteiro Sentimental Douro" de Manuel Mendes, escrito entre 1961/1963 e publicado em 1964 e 1967, reeditado em 2002 pela Afrontamento
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