Oque restou daquela geração que queria derrubar a ditadura e
transformar o país pelas armas? O que foi feito do projeto utópico daqueles
jovens que acabaram passando os melhores anos de suas vidas na prisão ou no
exílio? Valeu a pena? Há várias respostas para essas perguntas, e uma, em forma
de tragédia, está no documentário franco-brasileiro “Diário de uma busca”, que
ficou em cartaz durante dez semanas em Paris e agora está em exibição no Rio.
Para o documentarista João Moreira Salles, é a “melhor crônica do exílio”.
Talvez seja também o mais corajoso testemunho sobre um militante dos chamados
anos de chumbo.
Saga de uma filha tentando desvendar a morte misteriosa do
pai, a obra autobiográfica da gaúcha Flávia Castro, mesmo sem pretender ser um
filme político, revela muito da política de países que entre os anos 60 e 70
estavam sob governos ditatoriais, como, além do Brasil, Chile e Argentina. Hoje
com 45 anos, a diretora viaja em busca também de sua infância e adolescência,
vividas ora em Porto Alegre, ora em Santiago, Buenos Aires, Caracas e Paris.
Em 1984, depois de 20 anos exilada, sua família retorna a
Porto Alegre e aí acontece o que motivou o filme: uma morte sem explicação. O
pai, o ex-jornalista Celso de Castro, e um amigo invadem armados o apartamento
de um suposto ex-oficial nazista e são encontrados mortos. De acordo com uma
inverossímil versão da polícia, Celso teria matado o amigo e se suicidado ao
ver o prédio cercado por policiais.
O que Celso foi fazer de fato naquele apartamento nem Flavia
descobriu nos oitoanos em que pesquisou essa intrincada trama, cheia de
suspense e que mais parece o enredo de um romance policial. Apesar das inúmeras
entrevistas com policiais encarregados do inquérito, jornalistas, familiares,
amigos e colegas de militância do pai, ela não chega a uma conclusão. Os
depoimentos são por demais contraditórios, embora um, o do legista, seja
taxativo: não houve suicídio. Sem medo de encontrar a verdade, Flavia não foge
de nenhuma hipótese, por menos nobre e mais incômoda que fosse, como a de que
os dois amigos teriam invadido o apartamento para “fazer um ganho” (nos últimos
anos, Celso era consumidor de cocaína).
Mesmo sem esclarecer o mistério da morte, o documentário,
que não é de resposta, mas de questionamentos e procura, não perde o interesse
nem a tensão, e a triste história de um fracasso pessoal transformado em
tragédia funciona como uma quase metáfora da falência do projeto político
maior, o da luta armada, que, como se sabe, acabou também degenerando no final.
O sonho virou pesadelo.
ZUENIR VENTURA - 07 Sep 2011
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