terça-feira, 27 de agosto de 2019

- As lições de Fukushima


ENTREVISTA: Norio Sasaki 


O presidente mundial da Toshiba, empresa que participou da construção dos reatores na usina atingida pelo tsunami, afirma que o mundo não pode abrir mão da energia nuclear.
O japonês Norio Sasaki conquistou grande reputação como pesquisador nuclear e ajudou a transformar a Toshiba, um dos maiores grupos industriais do mundo, em uma potência na área, responsável por 30% da geração mundial de energia elétrica obtida por meio de reatores atômicos. Há dois anos. ele assumiu a presidência mundial da empresa. Sob seu comando, a Toshiba teve de enfrentar o vazamento de radiação da usina nuclear de Fukushima I, depois do terremoto e do tsunami que varreram a costa leste do território japonês em março. O executivo de 62 anos conta que estava numa reunião em Tóquio quando sentiu o prédio balançar. Orientou os procedimentos iniciais de segurança em Fukushima, mas reconhece que não foram suficientes: "Quando construímos a usina, há quarenta anos, faltou prever o impacto de um tsunami de proporções inéditas". De acordo com Sasaki, as futuras usinas vão exibir padrões bem mais elevados de segurança. A Toshiba é mais conhecida por causa de seus produtos eletrônicos. Nos anos 80, a empresa desenvolveu a memória flash, que permite o armazenamento de dados em espaço reduzido. Hoje, a tecnologia está presente em telefones celulares e tablets. No ano passado, a Toshiba lançou a primeira televisão 3D que dispensa o uso de óculos. Sasaki esteve no Brasil na semana passada para participar das comemorações de sessenta anos da fabricação do primeiro aparelho de televisão no país, pela brasileira Semp, com a qual a empresa japonesa mantém uma sociedade desde 1977. Ele deu a seguinte entrevista a VEJA.
A Toshiba participou da construção da usina nuclear de Fukushima 1, onde aconteceu o vazamento de radiação depois do terremoto e do tsunami em março. O senhor trabalhou como pesquisador nuclear por muitos anos e comandou os negócios da empresa na área. Qual o seu diagnóstico sobre o acidente?
Eu estava numa reunião em Tóquio quando aconteceu o terremoto. O prédio começou a balançar 60 centímetros para um lado, 60 centímetros para o outro. Passado o tremor, perguntei: "Onde foi o epicentro?". Contaram-me que havia sido na província de Miyagi, perto de Fukushima. A segunda pergunta foi: "Como está a usina 1?". Disseram-me que estava tudo bem, que ela havia resistido. Mas, cinquenta minutos depois, veio o tsunami, e o fornecimento de energia elétrica foi interrompido. Assim que soube disso, instruí nossos técnicos a resfriar os reatores. Mais tarde, fui inspecionar a usina. Os técnicos fizeram o que estava ao seu alcance.
Não havia como evitar o vazamento?
Digamos que houve falhas. Primeiro: quando construímos uma usina nuclear, realizamos muitos testes e simulações de desastres, como terremotos e tsunamis. Ouvimos vários especialistas. Mas não se pode construir uma usina segura se nos basearmos apenas em eventos passados. Temos de antecipar todo tipo de situação. Em Fukushima, faltou calcular o impacto de um tsunami de proporções inéditas. Até então, o tsunami mais forte alcançara pouco mais de 3 metros de altura. O de março chegou a 14 metros. Ao projetarmos a usina atingida, não imaginamos uma situação extrema como essa. O segundo ponto: quando aconteceu o vazamento, a despeito de todo o esforço feito, não houve um gerenciamento adequado das ações. O protocolo estava defasado.
Como o acidente vai se refletir no projeto de novas usinas? É fundamental fazermos um bom diagnóstico e informar a população sobre tudo o que aconteceu, em detalhes. Esse trabalho ainda não terminou. Mas já podemos dizer que as novas usinas terão padrões bem mais elevados de segurança, reflexo do nosso aprendizado.
Depois do acidente em Fukushima, vários governos anunciaram planos para revisar ou até fechar usinas nucleares em seus territórios, como no caso da Alemanha. Não se trataria de uma tendência irreversível?
Países que já eram reticentes em relação à energia nuclear, como Alemanha e Itália, reavaliaram sua política para o setor. Outros, como Estados Unidos, França, China e Índia, não mudaram os planos. São governos que continuam a enxergar na fonte nuclear uma alternativa para resolver o desafio do aquecimento global e do aumento da demanda por energia. Temos contratos com Estados Unidos e China, entre outras nações, que não foram cancelados. Não imagino que perderemos muitos negócios. As usinas nucleares representam uma opção que não pode ser desprezada.
O governo brasileiro anunciou planos para retomar o programa de investimentos em energia nuclear. Que conselho o senhor daria ao país?
Tanto os governos como nós, fabricantes, temos de garantir a segurança das usinas. Esse aspecto não pode ficar apenas sob responsabilidade das empresas. O local a ser escolhido para abrigar uma usina, por exemplo, é tarefa de um governo.
Quais são as perspectivas para ampliar os investimentos de sua empresa no Brasil?
Nosso plano é fortalecer os negócios principalmente na área de produtos eletrônicos e também em projetos de infraestrutura. Acreditamos que o país vai se tornar um mercado consumidor que rivalizará com o de nações desenvolvidas. Além disso, o Brasil está num momento em que precisa ampliar sua capacidade energética. Organizará a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos nos próximos anos, o que vai demandar investimentos pesados. A Toshiba empenha-se fortemente para crescer em dimensões globais. No ano passado, 55% do nosso faturamento teve origem nas operações fora do Japão. Planejamos distribuir os riscos cambiais e não depender de poucos mercados. Em 2013, queremos alcançar 75% de faturamento fora do Japão. O Brasil é muito atraente, e pode ser não apenas um mercado produtor como também exportador, apesar do real valorizado. Durante muito tempo, até pela proximidade geográfica, a Toshiba e outras grandes multinacionais japonesas se voltaram para a China. O Brasil sempre foi visto, de certa forma, como uma segunda opção. Mas isso pode mudar.
Os países ricos enfrentam dificuldades e estão diante da ameaça de um período duradouro de baixo crescimento econômico. O Brasil pode se beneficiar dessa situação?
O país tem uma característica especial. Em comparação com a China e a Índia, não é tão dependente das exportações. O Brasil superou o processo inflacionário das décadas passadas e tem crescido consistentemente. Mas não é fácil investir no mercado brasileiro. O sistema tributário é um obstáculo. O respeito à propriedade intelectual é outro. Por essas razões, é importante manter parceiros estratégicos, como a Semp, ao lado da qual estamos há mais de trinta anos, para entender como o país funciona. Eu sugeriria, no entanto, providências que teriam efeitos diretos sobre a atração de investimentos produtivos. Como simplificar a cobrança de impostos, para ficar num único exemplo.
A Toshiba acaba de acertar uma parceria com a STI para desenvolver projetos de chips no Brasil. Isso traz a expectativa da instalação de uma fábrica no país.
Existem dois desafios básicos antes que uma fábrica de chips se instale no Brasil. É preciso assegurar o fornecimento constante de energia elétrica, sem risco de interrupções. É necessário ainda contar com técnicos especialistas em alta tecnologia. Não dá para fazer mágica e erguer uma fábrica do dia para a noite. Ninguém nasce grande. É preciso dar passos pequenos no início, se o país quiser produzir chips. Caso o Brasil dê conta desses dois aspectos, terá condições de fabricar tais componentes. Mas existem outras questões. Hoje, o real está muito valorizado. É algo parecido com o que ocorre no Japão, em relação ao iene. É mais um impedimento. Outro desafio são as elevadas alíquotas para importação de peças. Por fim, o país precisa demonstrar que possui demanda suficiente para justificar um investimento desse porte (cerca de 4 bilhões de dólares).
A China superou o Japão e se tornou a segunda maior economia do mundo. A projeção é que supere os Estados Unidos em dez ou quinze anos. Mas, duas décadas atrás, era o Japão que estava predestinado a assumir a condição de maior economia do mundo. O que aconteceu?
Certamente a posição do Japão na economia global mudou nesse período. A análise pode variar conforme o ponto de vista, mas, sob a ótica da gestão das empresas, eu posso dizer que as companhias japonesas não souberam se ajustar às dramáticas mudanças no ambiente de negócios e competição. O Japão, no entanto, já superou muitas dificuldades em sua história, extraindo força das tragédias. Essa determinação demonstra nossa competitividade. Sempre aconselho os executivos e os funcionários a buscar a liderança mundial. Nós, japoneses, temos uma virtude que é estabelecer metas elevadas e nos esforçarmos para alcançá-Ias. Acredito que a economia japonesa vai se recuperar.
Com relação aos produtos eletrônicos, o que o consumidor pode esperar em termos de avanços tecnológicos?
Existe uma tendência de convergência de diferentes funções para um mesmo aparelho, como já ocorre com os telefones celulares e os trablets. Ao mesmo tempo, precisamos dispor de um software (programas e aplicativos) que faça o consumidor desejar adquirir o hardware (o aparelho). É o caso do iPad e do iPhone, da americana Apple. As pessoas não compram apenas esses dispositivos. Elas estão interessadas no conjunto de serviços que eles oferecem, como os recursos dos milhares de aplicativos disponíveis. Nesse sentido, será muito difícil algum fabricante conseguir ultrapassar a Apple nos próximos anos.
O sucesso da Apple deixa ensinamentos para as empresas do setor?
A Apple, sem dúvida, está olhando na direção certa. Empresas bem-sucedidas são resultado de visão e imaginação. É o que buscamos fazer. A Toshiba foi fundada por Hisashige Tanaka, há 136 anos. Ele foi o primeiro a produzir telégrafos em escala industrial no Japão. Desde o início, a empresa manteve uma política de inovação técnica e de questionamento dos padrões existentes. Acredito que a imaginação é o dado mais importante para concretizar inovações. Já desenvolvemos produtos que mudaram a vida das pessoas, como a memória flash do tipo nand nos anos 80 (hoje amplamente utilizada em celulares, pen drives, câmeras digitais e note books). Lançamos a primeira televisão 3D que dispensa o uso de óculos, no fim do ano passado. Nosso centro de pesquisas planejava finalizá-la daqui a alguns anos, mas antecipamos as vendas do modelo para sermos os pioneiros.
Por que as empresas tecnológicas são obcecadas pelo pioneirismo?
Em nosso negócio, é essencial colocar os produtos no mercado antes que os concorrentes. Precisamos chegar em primeiro lugar, porque ficar para trás pode custar muito caro. Tenho uma história que exemplifica o que estou dizendo. Desenvolvemos uma bateria para carros elétricos que pode ser recarregada em cinco minutos, em até 90% de sua capacidade. Podemos dizer que é uma bateria com características únicas. Mas, como a criamos mais tarde do que nossos concorrentes, foi difícil entrarmos nesse nicho. Só agora estamos conquistando clientes para essa bateria. Temos de pensar, a todo momento, em produtos que sejam diferentes daqueles que existem atualmente. Esse é um dos principais pilares de nossa atividade. O fundamental é lançar produtos sem hesitação. Se não assumirmos riscos nos negócios e só seguirmos os concorrentes, não teremos condições de sobreviver na disputa pelos consumidores travada no mercado mundial.

 23 Aug 2011

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