ENTREVISTA: Norio Sasaki
O presidente mundial da Toshiba, empresa que participou da
construção dos reatores na usina atingida pelo tsunami, afirma que o mundo não
pode abrir mão da energia nuclear.
O japonês Norio Sasaki conquistou grande reputação como
pesquisador nuclear e ajudou a transformar a Toshiba, um dos maiores grupos
industriais do mundo, em uma potência na área, responsável por 30% da geração
mundial de energia elétrica obtida por meio de reatores atômicos. Há dois anos.
ele assumiu a presidência mundial da empresa. Sob seu comando, a Toshiba teve
de enfrentar o vazamento de radiação da usina nuclear de Fukushima I, depois do
terremoto e do tsunami que varreram a costa leste do território japonês em
março. O executivo de 62 anos conta que estava numa reunião em Tóquio quando
sentiu o prédio balançar. Orientou os procedimentos iniciais de segurança em
Fukushima, mas reconhece que não foram suficientes: "Quando construímos a
usina, há quarenta anos, faltou prever o impacto de um tsunami de proporções
inéditas". De acordo com Sasaki, as futuras usinas vão exibir padrões bem
mais elevados de segurança. A Toshiba é mais conhecida por causa de seus
produtos eletrônicos. Nos anos 80, a empresa desenvolveu a memória flash, que
permite o armazenamento de dados em espaço reduzido. Hoje, a tecnologia está
presente em telefones celulares e tablets. No ano passado, a Toshiba lançou a
primeira televisão 3D que dispensa o uso de óculos. Sasaki esteve no Brasil na
semana passada para participar das comemorações de sessenta anos da fabricação
do primeiro aparelho de televisão no país, pela brasileira Semp, com a qual a
empresa japonesa mantém uma sociedade desde 1977. Ele deu a seguinte entrevista
a VEJA.
A Toshiba participou da construção da usina nuclear de
Fukushima 1, onde aconteceu o vazamento de radiação depois do terremoto e do
tsunami em março. O senhor trabalhou como pesquisador nuclear por muitos anos e
comandou os negócios da empresa na área. Qual o seu diagnóstico sobre o
acidente?
Eu estava numa reunião em Tóquio quando aconteceu o
terremoto. O prédio começou a balançar 60 centímetros para um lado, 60
centímetros para o outro. Passado o tremor, perguntei: "Onde foi o
epicentro?". Contaram-me que havia sido na província de Miyagi, perto de
Fukushima. A segunda pergunta foi: "Como está a usina 1?".
Disseram-me que estava tudo bem, que ela havia resistido. Mas, cinquenta minutos
depois, veio o tsunami, e o fornecimento de energia elétrica foi interrompido.
Assim que soube disso, instruí nossos técnicos a resfriar os reatores. Mais
tarde, fui inspecionar a usina. Os técnicos fizeram o que estava ao seu
alcance.
Não havia como evitar o vazamento?
Digamos que houve falhas. Primeiro: quando construímos uma
usina nuclear, realizamos muitos testes e simulações de desastres, como
terremotos e tsunamis. Ouvimos vários especialistas. Mas não se pode construir
uma usina segura se nos basearmos apenas em eventos passados. Temos de
antecipar todo tipo de situação. Em Fukushima, faltou calcular o impacto de um
tsunami de proporções inéditas. Até então, o tsunami mais forte alcançara pouco
mais de 3 metros de altura. O de março chegou a 14 metros. Ao projetarmos a
usina atingida, não imaginamos uma situação extrema como essa. O segundo ponto:
quando aconteceu o vazamento, a despeito de todo o esforço feito, não houve um
gerenciamento adequado das ações. O protocolo estava defasado.
Como o acidente vai se refletir no projeto de novas usinas?
É fundamental fazermos um bom diagnóstico e informar a população sobre tudo o
que aconteceu, em detalhes. Esse trabalho ainda não terminou. Mas já podemos
dizer que as novas usinas terão padrões bem mais elevados de segurança, reflexo
do nosso aprendizado.
Depois do acidente em Fukushima, vários governos anunciaram
planos para revisar ou até fechar usinas nucleares em seus territórios, como no
caso da Alemanha. Não se trataria de uma tendência irreversível?
Países que já eram reticentes em relação à energia nuclear,
como Alemanha e Itália, reavaliaram sua política para o setor. Outros, como
Estados Unidos, França, China e Índia, não mudaram os planos. São governos que
continuam a enxergar na fonte nuclear uma alternativa para resolver o desafio
do aquecimento global e do aumento da demanda por energia. Temos contratos com
Estados Unidos e China, entre outras nações, que não foram cancelados. Não
imagino que perderemos muitos negócios. As usinas nucleares representam uma
opção que não pode ser desprezada.
O governo brasileiro anunciou planos para retomar o programa
de investimentos em energia nuclear. Que conselho o senhor daria ao país?
Tanto os governos como nós, fabricantes, temos de garantir a
segurança das usinas. Esse aspecto não pode ficar apenas sob responsabilidade
das empresas. O local a ser escolhido para abrigar uma usina, por exemplo, é
tarefa de um governo.
Quais são as perspectivas para ampliar os investimentos de
sua empresa no Brasil?
Nosso plano é fortalecer os negócios principalmente na área
de produtos eletrônicos e também em projetos de infraestrutura. Acreditamos que
o país vai se tornar um mercado consumidor que rivalizará com o de nações
desenvolvidas. Além disso, o Brasil está num momento em que precisa ampliar sua
capacidade energética. Organizará a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos nos
próximos anos, o que vai demandar investimentos pesados. A Toshiba empenha-se
fortemente para crescer em dimensões globais. No ano passado, 55% do nosso
faturamento teve origem nas operações fora do Japão. Planejamos distribuir os
riscos cambiais e não depender de poucos mercados. Em 2013, queremos alcançar
75% de faturamento fora do Japão. O Brasil é muito atraente, e pode ser não
apenas um mercado produtor como também exportador, apesar do real valorizado.
Durante muito tempo, até pela proximidade geográfica, a Toshiba e outras
grandes multinacionais japonesas se voltaram para a China. O Brasil sempre foi
visto, de certa forma, como uma segunda opção. Mas isso pode mudar.
Os países ricos enfrentam dificuldades e estão diante da
ameaça de um período duradouro de baixo crescimento econômico. O Brasil pode se
beneficiar dessa situação?
O país tem uma característica especial. Em comparação com a
China e a Índia, não é tão dependente das exportações. O Brasil superou o
processo inflacionário das décadas passadas e tem crescido consistentemente.
Mas não é fácil investir no mercado brasileiro. O sistema tributário é um
obstáculo. O respeito à propriedade intelectual é outro. Por essas razões, é
importante manter parceiros estratégicos, como a Semp, ao lado da qual estamos
há mais de trinta anos, para entender como o país funciona. Eu sugeriria, no
entanto, providências que teriam efeitos diretos sobre a atração de
investimentos produtivos. Como simplificar a cobrança de impostos, para ficar
num único exemplo.
A Toshiba acaba de acertar uma parceria com a STI para
desenvolver projetos de chips no Brasil. Isso traz a expectativa da instalação
de uma fábrica no país.
Existem dois desafios básicos antes que uma fábrica de chips
se instale no Brasil. É preciso assegurar o fornecimento constante de energia
elétrica, sem risco de interrupções. É necessário ainda contar com técnicos
especialistas em alta tecnologia. Não dá para fazer mágica e erguer uma fábrica
do dia para a noite. Ninguém nasce grande. É preciso dar passos pequenos no
início, se o país quiser produzir chips. Caso o Brasil dê conta desses dois
aspectos, terá condições de fabricar tais componentes. Mas existem outras
questões. Hoje, o real está muito valorizado. É algo parecido com o que ocorre
no Japão, em relação ao iene. É mais um impedimento. Outro desafio são as
elevadas alíquotas para importação de peças. Por fim, o país precisa demonstrar
que possui demanda suficiente para justificar um investimento desse porte
(cerca de 4 bilhões de dólares).
A China superou o Japão e se tornou a segunda maior economia
do mundo. A projeção é que supere os Estados Unidos em dez ou quinze anos. Mas,
duas décadas atrás, era o Japão que estava predestinado a assumir a condição de
maior economia do mundo. O que aconteceu?
Certamente a posição do Japão na economia global mudou nesse
período. A análise pode variar conforme o ponto de vista, mas, sob a ótica da
gestão das empresas, eu posso dizer que as companhias japonesas não souberam se
ajustar às dramáticas mudanças no ambiente de negócios e competição. O Japão,
no entanto, já superou muitas dificuldades em sua história, extraindo força das
tragédias. Essa determinação demonstra nossa competitividade. Sempre aconselho
os executivos e os funcionários a buscar a liderança mundial. Nós, japoneses,
temos uma virtude que é estabelecer metas elevadas e nos esforçarmos para
alcançá-Ias. Acredito que a economia japonesa vai se recuperar.
Com relação aos produtos eletrônicos, o que o consumidor
pode esperar em termos de avanços tecnológicos?
Existe uma tendência de convergência de diferentes funções
para um mesmo aparelho, como já ocorre com os telefones celulares e os
trablets. Ao mesmo tempo, precisamos dispor de um software (programas e
aplicativos) que faça o consumidor desejar adquirir o hardware (o aparelho). É
o caso do iPad e do iPhone, da americana Apple. As pessoas não compram apenas
esses dispositivos. Elas estão interessadas no conjunto de serviços que eles
oferecem, como os recursos dos milhares de aplicativos disponíveis. Nesse
sentido, será muito difícil algum fabricante conseguir ultrapassar a Apple nos
próximos anos.
O sucesso da Apple deixa ensinamentos para as empresas do
setor?
A Apple, sem dúvida, está olhando na direção certa. Empresas
bem-sucedidas são resultado de visão e imaginação. É o que buscamos fazer. A
Toshiba foi fundada por Hisashige Tanaka, há 136 anos. Ele foi o primeiro a
produzir telégrafos em escala industrial no Japão. Desde o início, a empresa
manteve uma política de inovação técnica e de questionamento dos padrões
existentes. Acredito que a imaginação é o dado mais importante para concretizar
inovações. Já desenvolvemos produtos que mudaram a vida das pessoas, como a
memória flash do tipo nand nos anos 80 (hoje amplamente utilizada em celulares,
pen drives, câmeras digitais e note books). Lançamos a primeira televisão 3D
que dispensa o uso de óculos, no fim do ano passado. Nosso centro de pesquisas
planejava finalizá-la daqui a alguns anos, mas antecipamos as vendas do modelo
para sermos os pioneiros.
Por que as empresas tecnológicas são obcecadas pelo
pioneirismo?
Em nosso negócio, é essencial colocar os produtos no mercado
antes que os concorrentes. Precisamos chegar em primeiro lugar, porque ficar
para trás pode custar muito caro. Tenho uma história que exemplifica o que
estou dizendo. Desenvolvemos uma bateria para carros elétricos que pode ser
recarregada em cinco minutos, em até 90% de sua capacidade. Podemos dizer que é
uma bateria com características únicas. Mas, como a criamos mais tarde do que
nossos concorrentes, foi difícil entrarmos nesse nicho. Só agora estamos
conquistando clientes para essa bateria. Temos de pensar, a todo momento, em
produtos que sejam diferentes daqueles que existem atualmente. Esse é um dos
principais pilares de nossa atividade. O fundamental é lançar produtos sem
hesitação. Se não assumirmos riscos nos negócios e só seguirmos os
concorrentes, não teremos condições de sobreviver na disputa pelos consumidores
travada no mercado mundial.
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